O que todos os esportes têm em comum que falta ao poker? Sem dúvidas, um campeonato mundial. Não uma competição nos moldes da World Series, mas um torneio em que a nação venha à frente do indivíduo. No mês de novembro, a Federação Internacional de Poker (IFP), finalmente colocou a ideia em prática.
Entre os dias 17 e 20 de novembro, a cidade de Londres recebeu o “I Campeonato Mundial de Poker”. Como em diversas outras modalidades esportivas, o evento contou com um torneio por equipes, chamado de The Nations Cup, disputado no inovador formato Pot-Limit Hold’em Duplicate, e um individual, The Table, um freezeout padrão.
E o palco dos eventos não poderia ser mais especial. A primeira fase do evento por equipes foi disputada nas cabines da London Eye, a roda gigante de 135 metros e um dos principais pontos turísticos da capital inglesa. O torneio individual aconteceu nos salões do County Hall, que já foi a principal sede política londrina.
A Nations Cup abriu o torneio. Doze seleções foram divididas em dois grupos, e as três melhores de cada chave se classificariam para a final. O Brasil ficou no grupo B, junto com Reino Unido, Japão, Holanda, França e Austrália. O grupo A tinha Estados Unidos, Irlanda, Dinamarca, Espanha, Alemanha e Zynga Poker (considerada a primeira “nação digital” do planeta, seus representantes foram escolhidos através de promoções no facebook).
Com a roda-gigante em movimento, 72 mãos de Duplicate Poker definiram os finalistas do evento. Porém, devido a um erro na contagem dos pontos, a primeira fase precisou ser repetida. Por causa do calendário apertado, somente 36 mãos foram disputadas dessa vez. Com um grande desempenho de Caio Pimenta, que foi o melhor jogador em seu assento, o Brasil terminou em terceiro do grupo, atrás de França e Holanda. No Grupo A, a Alemanha puxou a fila, seguida de Espanha e da surpreendente Zynga.
A final foi transmitida via internet no site da IFP e mostrou que o Duplicate Poker pode ser um formato bem interessante para a televisão. A comunidade pôde vibrar quando André Akkari descartou rapidamente seu A-J contra um oponente que acertara um trinca de cincos no flop. Em compensação, na Mesa 6, Alexandre Gomes era o dono dessa mesma trinca e levou todas as fichas do espanhol Oscar Blanco.
Às vésperas do anúncio dos campeões, os brasileiros sabiam que tinha feito uma grande exibição, e a confiança no título era grande. Quando a organização anunciou que Espanha, Holanda, Zynga e França tinham terminado, respectivamente, em 6º, 5º, 4º e 3º lugares, a tensão aumentou ainda mais. Infelizmente, por causa de dois pontos, a Alemanha sagrou-se campeã e tornou-se o primeiro país campeão mundial de poker. No Brasil, nada de lamentações. Ficar à frente de grandes seleções como Estados Unidos, Reino Unido e França mostrou que os jogadores brasileiros podem competir de igual para igual com quaisquer adversários.
Agora restava o torneio individual. The Table teve 135 jogadores, incluindo membros das seleções, presidentes de federações e jogadores convidados, como Pius Heinz e Martin Staszko, que protagonizaram o heads-up do último Main Event. Outra presença ilustre foi a de Charles Nesson, professor de Direito em Harvard, que coordena na prestigiada universidade um grupo de estudos especializado em poker.
No sábado, dia 19, a ação começou quente e só foi interrompida com a formação da mesa final. O primeiro canarinho eliminado foi Felipe Mojave, que deixou a disputa ainda cedo, com dois pares e flush draw contra uma trinca. Com o passar do dia, um a um os representantes brasileiros foram dando adeus ao evento. Quando André Akkari foi eliminado em 14º, coube a Igor “Federal” Trafane, presidente da Confederação Brasileira de Texas Hold´em, colocar as cores do Brasil novamente em destaque.
No domingo, com a mesa final em andamento, Federal mostrou por que costuma frequentar a lista dos melhores jogadores do País. Ele e o espanhol Raul Mestre dominaram as ações até a batalha 3-handed, quando dividiram a mesa com a britânica Victoria Coren, Team Pro do PokerStars. E foi justamente naquele momento que o baralho resolveu aprontar. Duas vezes. Ambas contra o “presidente”. Primeiro, Vicky dobrou suas fichas com 3-2 contra A-Q de Federal. Depois, novo embate entre os dois. Quando ambos mostraram A-Q, todos esperavam que o pote fosse dividido, mas o bordo deu um flush para a britânica, eliminando Federal na terceira colocação. Além da brilhante medalha de bronze, Federal embolsou 50 mil dólares – metade desse valor foi destinado à CBTH, para um projeto à escolha dos integrantes da seleção. “Todo garoto tem o sonho de marcar um gol no Maracanã lotado. Jogadores como Ronaldo, Zico e Romário, com certeza, têm diversas histórias para contar aos seus netos. Esse foi o meu gol no Maracanã”, disse Federal, exibindo orgulhosamente sua medalha de bronze durante entrevista à Card Player Brasil.
Em relação ao título, o espanhol Raul Mestre levou a melhor e embolsou US$ 250.000. Vicky Coren recebeu US$100.000 pelo vice-campeonato. Ainda assim, nada perto do feito alcançado pelos brasileiros. Faltou o título? Sim. Mas que outra nação colocou sua bandeira por duas vezes no pódio do primeiro Campeonato Mundial de Poker da história?
AS SELEÇÕES
Alemanha: Hans Martin Vogl, Kostantin Bucherl, Sandra Naujoks, Sebastian Ruthenberg, Moritz Kranich, Tim Reese e Tobias Reinkemeier.
Austrália: Mel Judah, Tony G, Marsha Waggoner, Gary Benson, Mike Guttman, Jackie Glazier e Leo Boxell.
Brasil: Alexandre Gomes, André Akkari, Felipe Mojave, Christian Kruel, Thiago Decano, Daniela Zapiello e Caio Pimenta.
Dinamarca: Gus Hansen, Theo Jorgensen, Mads Wissing, Lars Bonding, Perniller Ravn, Mads Andersen e Jes Bondo.
Espanha: Raul Paez, Oscar Blanco, Juan Maceiras, Leo Margets, Yossi Obadia, Raul Mestre e Tomeu Gomila.
Estados Unidos: Barry Greenstein, Antonio Esfandiari, Ali Eslami, Isaac Haxton, Jenifer Leigh, Matt Matros e Vanessa Selbst.
França: Fabrice Soulier, Nicolas Levi, Jean Paul Pasqualini, Hugo Lemaire, Lucille Caillym David Benyamine e Clement Thumy.
Holanda: Rolf Slotboom, Rob Hollink, Marcel Luske, Noah Boeken, Jorryt Van Hooff, Fátimo Moreira de Melo e Koen de Bakker.
Irlanda: Padraig Parkinson, Don O’Dea, Eoghan O’Dea, Marty Smith, Andy Black, Dermot Blain e Cat O’Neill.
Japão: Takuo Serita, Mari Fukunaga, Gen Watanabe, Takuya Suzuki, Kinichi Nakata, Tsuneaki Takeda e Kiyomi Tagawa.
Reino Unido: JP Kelly, Jake Cody, Sam Tricket, Praz Bansi, James Akenhead, Liv Boeree e Barny Boatman.
Zynga Poker: Ricky Greer, Roger Ellis, Margaret Hailey, Brian Turnbull, Geoffrey Kinnune e Roei Shalev.
ENTENDA O DUPLICATE POKER
Adaptado do Bridge, nesta modalidade o baralho é preparado previamente, e os jogadores das diferentes mesas receberão as mesmas cartas nas mesmas posições. Por exemplo, se o jogador no Assento 2 da Mesa 1 receber A-A, todos os outros jogadores do Assento 2 receberão A-A em suas respectivas mesas, e assim sucessivamente. O bordo também será o mesmo para todos, e haverá um limite de apostas, o famoso “cap”, para que os jogadores possam perder apenas um determinado valor em cada mesa. O objetivo é analisar como diferentes jogadores se portam ao jogar as mesmas mãos.
ENTREVISTA FEDERAL
Presidente da Confederação Brasileita de Texas Hold’ em e principal articulador político da regulamentação do poker no Brasil, Igor “Federal” Trafane conquistou mais um grande resultado em sua carreira como jogador: o terceiro lugar no campeonato mundial de poker, evento individual. Nesta entrevista, Federal conversa sobre esses e outros assuntos. Confira.
Qual a relação da CBTH com a IFP?
Nós fundamos oficialmente a CBTH em janeiro de 2009. No meio do ano, recebI um convite de uma das maiores autoridades do mundo em marketing esportivo, Patrick Nally. ele veio conversar comigo dizendo que a geração dele estava envelhecendo e que todos eles eram esportistas, trabalhavam na área, mas que hoje não tinha mais condições de praticar esportes. A solução então seria os esportes mentais. E ele sabia que o poker tinha uma grande importância nisso. Assim, eles queriam fundar uma federação internacional de poker. No final do ano foi criada a IFP (Federação Internacional de Poker), e o Brasil é um dos seus fundadores, junto com Rússia, França, Ucrânia, Holanda e Reino Unido. Essa é a relação do Brasil com a IFP, somos fundadores. Hoje, a IFP tem 42 nações filiadas, em seis continentes.
Como surgiu a ideia do Campeonato Mundial de Poker?
Em 2010, a IFP pediu filiação a IMSA (International Mind Sports Association), que é a Associação Mundial dos Jogos Mentais. Isso daria legitimidade à federação internacional. Ano passado, durante um congresso da IMSA em Dubai, o poker foi aceito como esporte. Era uma aceitação em caráter provisório. Para que se tornar definitiva, a organização precisaria ter, em dois anos, pelo menos 32 federações nacionais filiadas, em no mínimo três continentes. Além disso, deveria organizar um campeonato mundial. Então fizemos esse evento meio às pressas. Agora vamos a Quebec providenciar nossa filiação definitiva à IMSA. Quando isso acontecer, não tem mais conversa, poker é esporte e pronto.
Em relação ao time brasileiro, como se deu a escolha da seleção?
A primeira ideia era cada presidente de federação escolher seus jogadores. Eu achava que isso era muito poder para uma pessoa só. Esses jogadores representariam milhões de brasileiros. Então, abri mão de decidir sozinho e chamei o Marcos Sketch para me ajudar. Ele tem o perfil ideal para isso. É aquele cara técnico, estudioso, tranquilo e que tem todo o jogo desenhado na cabeça. Depois, fiz duas pré-convocações: André Akkari e Alexandre Gomes. Nada mais justo, já que são os dois únicos brasileiros com bracelete da WSOP. No caso do Alê, ele ainda tem um título do WPT. Por fim, nós quatro decidimos quem seriam os representantes. O processo de seleção reuniu os seguintes critérios: nível técnico, experiência de jogo ao vivo (de preferência internacional), carisma, visibilidade, equilíbrio, controle emocional, espírito de grupo, reconhecimento histórico e melhor adaptação ao estilo dos torneios – Freezout e Duplicate Poker. Obviamente, nem todos os escolhidos reuniam todas as qualidades.
A decisão que talvez tenha gerado mais discussão foi quanto à escolha da representante feminina, presença obrigatória em cada seleção. Fale um pouco sobre isso.
Essa decisão realmente foi a mais complicada. Dentro dos itens citados, analisamos nomes como a da Larissa Metran e da Camila Kons. Chegamos à conclusão que nos próximos anos elas podem estar na lista, mas que neste ano algumas jogadoras estavam mais bem enquadradas no que nós queríamos. A decisão ficou entre a Alessandra Braga e a Daniela Zapiello, e foi bem apertada. Chegamos a pensar em levar as duas, mas achamos que isso poderia gerar muita discussão e questionamentos. Quanto a Maridu, alguns diriam que ela seria a melhor escolha. Ela é minha amiga, tem um ótimo nível técnico – Maridu tem a oportunidade de discutir o jogo diariamente com os melhores do mundo. Ela é a jogadora com maior bagagem internacional, uma história inquestionável dentro do poker, e poderia se adaptar perfeitamente às regras do Duplicate. O que pesou contra ela foi o fator emocional. Ela sabe disso e vem se cuidando. Maridu sabe do próprio potencial. Naquele momento, porém, um problema dessa natureza poderia ser prejudicial ao grupo.
Qual seu balanço geral do Mundial?
Os caras são sensacionais em organização de eventos. A roda gigante, o County Hall, os vídeos de abertura, tudo é de arrepiar. Isso sem falar na produção de TV, estrutura do local etc. Coisa de outro de mundo. Mas eles têm muito que evoluir no poker. Eles entendem tudo de organização de eventos, de marketing esportivo, mas não entendem de poker. Patrik Nally até esteve no Brasil, no BSOP Million, porque eles sabem que existem vários aspectos relacionados ao poker que eles precisam melhorar.
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A SELEÇÃO
Marcos Sketch (TÉCNICO) – 31 anos (Rio de Janeiro)
Poucos no Brasil estudaram o Texas Hold’em tão a fundo. Menor ainda é o número de pessoas capazes de externar tão bem o conhecimento adquirido. Alunos de Marcos Sketch são referência no poker online no Brasil. Com toda essa bagagem, a CBTH o escolheu – acertadamente – como técnico da seleção brasileira.
Alexandre Gomes – 29 anos (Paraná)
Considerado por muitos o melhor jogador do poker live no Brasil, Alê é ex-Team Pro do PokerStars. Além de mesas finais no EPT, LAPT e PCA, possui no currículo um título da WSOP e outro do WPT.
Principais Resultados:
Campeão do WPT Bellagio Cup V Championship Event (2009) – US$1.187.670
Campeão do Evento #48 da WSOP (2008) – US$ 770.540
4º no PokerStars Caribbean Adventure (2009) – US$ 750.000
André Akkari – 36 anos (São Paulo)
Grande ícone do poker brasileiro, Akkari é idolatrado em todos os cantos do Brasil. Dentre o time de profissionais do PokerStars, ele é um dos maiores vencedores online. Após conquistar o evento #43 da WSOP 2011, Akkari levou o poker a outro patamar de popularidade no país.
Principais Resultados:
Campeão do Evento #43 da WSOP (2011) – US$ 675.117
2º no Evento #32 de HORSE do WCOOP do PokerStars (2008) – $200.000
Campeão do Sunday 500 do PokerStars (2008) – $91.250
Caio Pimenta – 21 anos (Minas Gerais)
Chamado de “fenômeno”, Caio Pimenta é tido como o melhor jogador do Brasil, e um dos melhores do mundo, no poker online. Conhecido por seu estilo de jogo agressivo, Caio é apontado como provável futuro vencedor de bracelete da WSOP.
Principais Resultados:
Campeão do Sunday Million no PokerStars (2009) – $259.244
3º no FTOPS Evento #22 no Full Tilt (2010) – $100.000
2º no $1 Milhão Garantido no Full Tilt (2008) – $113.000
Christian Kruel – 33 anos (Rio de Janeiro)
Pioneiro. Juntamente com Raul Oliveira, CK foi o responsável por desbravar os caminhos até então inexplorados do poker online no Brasil. Quando a expressão “nosebleed” não significava nada além de um sangramento no nariz, ele já desafiava jogadores como Gus Hansen nos limites mais altos da internet.
Principais Resultados:
4º no Evento #20 do WCOOP do PokerStars (2008) – $178.551
3º no Torneio Milionário do Conrad (2008) – US$ 140.000
8º no PokerStars Caribbean Adventure (2005) – US$ 77.900
Felipe Mojave – 28 anos (São Paulo)
Um dos principais jogadores de Omaha do Brasil, Mojave é figura carimbada nos grandes torneios nacionais e internacionais de poker. Poucos conhecem tanto a essência do jogo quanto ele, incluindo modalidades como Omaha Hi-Lo, Deuce-to-Seven e Razz.
Principais Resultados:
2º no Evento #37 do WCOOP do PokerStars (2009) – $126.840
4º no English Poker Open (2010) US$ 83.772
3º no Evento #3 do EPT Grand Final (2008) – US$ 70.631
Thiago Decano – 32 anos (São Paulo)
Decano é o jogador completo. Dono de uma das técnicas mais refinadas do país, ele consegue manter o mesmo nível na internet ou na WSOP. Nas listas dos melhores do Brasil, ele costuma ser unanimidade.
Principais Resultados:
3º no Evento #45 da WSOP (2010) – US$315.828
Campeão do Evento #16 do WCOOP no PokerStars (2009) – $249.280
Campeão do Main Event do UBOC no UB (2011) – $231.338
Daniela Zapiello – 24 anos (São Paulo)
Ela apareceu para o Brasil ao conquistar a quinta colocação no LAPT Punta del Este em 2010 – na época, o melhor resultado feminino no circuito latino-americano do PokerStars. De lá para cá, Dani Zapiello firmou-se como uma das principais jogadoras do País.
Principais Resultados:
5ª no Main Event do LAPT Punta del Este (2010) – US$ 52.100
2ª no The Bigger $55 do PokerStars (2001) – US$23.690
1ª no The Big $109 do PokerStars (2011) – US$16.031
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