Houve um tempo em que aguentar longas sessões à mesa de poker era motivo de glória e orgulho entre os jogadores. Partidas de 24 horas eram consideradas curtas; não raramente o jogo se estendia por semanas ou, até mesmo, meses. Como não se lembrar, por exemplo, do épico duelo entre Nick “The Greek” Dandalos e Johnny Moss, na década de 1940? Os dois jogadores se digladiaram em Las Vegas por cinco meses seguidos, fazendo pausas apenas para cochilar. Pior para o grego, que ao fim da maratona estava num buraco na faixa dos US$ 3 milhões, cifra próxima aos US$ 20 milhões em valores atualizados.
Foi numa dessas sessões que o cowboy Doyle Brunson, hoje com 78 anos, presenciou pela primeira vez um homem morrendo de emoção – somado ao cansaço – à mesa. Ele conta a história no ótimo livro My 50 Most Memorable Hands (“Minhas 50 Mãos Mais Memoráveis”). “No começo da minha carreira”, conta Doyle, “havia poker em todos os bares, hotéis e salões de bilhar da Av. Exchange, em Ft. Worth, no Texas. Foi lá onde joguei minha maior sessão, de cinco dias e cinco noites sem dormir. Eu só parava para comer e ir ao banheiro.”
“No quarto dia de jogo”, escreve ele, “jogávamos No-Limit Lowball de ás a cinco [a menor mão puxa o pote, sendo o nuts A2345]. Um amigo meu, Virgil, estava tomando pílulas e bebendo muito para ficar acordado. Eu me envolvi num pote com ele com a mão A235K. Apostei, ele repicou e eu paguei. Troquei uma carta [como no pôquer fechado, há uma troca] e peguei um 7. Agora eu tinha A2357, uma mão forte nessa modalidade.”
“Saí apostando e Virgil voltou all-in”, narra Doyle. ”Paguei. Quando abri a minha mão, Virgil olhou e disse: ‘Não tenho um cinco na minha’. Então mostrou o A2347 vencedor. Ele tomou um gole de uísque e, quando esticou o braço para pegar as fichas, morreu ali mesmo. Foi nesse momento em que descobri como os jogadores poker podem ser frios. Todos nós conhecíamos Virgil há anos e havíamos jogado com ele várias vezes. Depois que os paramédicos levaram o corpo, resumimos a partida e jogamos por mais 24 horas seguidas.”
Em outra partida de No-Limit Lowball, muitos anos depois, Doyle assistiu uma nova fatalidade. “Se você não aguenta o estresse”, escreveu ele, “deve ficar longa de mesa de poker. Sempre me perguntam como aguento a pressão do high stakes sem deixá-la me afetar. Faço o melhor que posso, e daí paro de me preocupar. É uma regrinha simples que sigo. Se estou fazendo o meu melhor, por que agonizar caso eu perca? Uma vez, eu jogava No-Limit Lowball com um senhor chamado Red Dodson. Estávamos na mesa havia horas e Dodson era um dos jogadores mais conservadores que já conheci.”
“Passei horas seguidas blefando contra Dodson, e ele sempre fugindo do pote”, conta Doyle. “Senti como se o Papai Noel tivesse chegado mais cedo naquele ano. Finalmente, Dodson pegou uma mão com A2346, a segunda melhor possível. Com A235, pedi uma carta e peguei um 4, fazendo o nuts. Como de costume, apostei, esperando que Dodson fugisse mais uma vez. Para a minha surpresa, porém, ele repicou todas as suas fichas, gritando: ‘Sei que você passou a noite inteira blefando em cima de mim. Quero ver o que faz agora.’”
“Paguei”, diz o texano, “e quando ele mostrou seu 4-6, abri o meu wheel [o nuts do Lowball]. O rosto de Dodson começou a ficar azul. Ele caiu da cadeira e, antes de chegar ao chão, já estava morto. Os médicos disseram que ele teve um ataque cardíaco maciço. Senti-me mal, mas isso é o poker e bad beats acontecem. Você precisa saber lidar com elas. Esse foi o segundo homem que vi morrendo à mesa. Ambos estavam jogando Lowball. Talvez seja por isso que as pessoas prefiram, hoje em dia, o Texas Hold’em.”