EDIÇÃO 41 » COLUNA NACIONAL

Sorte: Assunto Proibido no Poker? – Parte 2

Torneios, cash games e sit ’n gos


Christian Kruel

Na última coluna, falei sobre a influência da sorte no poker como um todo e terminei a matéria prometendo retomar o assunto, especificamente no que diz respeito à ação da sorte em torneios, cash games e sit ’n gos. Nessa edição, tentaremos desmistificar esse assunto de uma vez por todas.

Ao acessar e acompanhar os diversos fóruns de poker espalhados pelo mundo, chegamos à inequívoca conclusão de que o cash game é o jogo de poker por excelência, em que a sorte não influencia, enquanto os torneios multitable são um “poker à parte”, nos quais a influência da sorte predomina. Sobre SNGs até que não falam muita coisa.

Será que isso é realmente verdade? Será que o fator sorte, de fato, “predomina” em uma determinada modalidade de poker? Ou será que é mais fácil perceber a sorte nessa modalidade, o que nos leva a acreditar nessa predominância?

Para iniciar essa investigação, precisamos começar analisando as estruturas das modalidades envolvidas: como um jogador – seja ele de cash, torneio ou sit ’n go – ganha dinheiro? As estruturas de jogo e de pagamento no cash, no SNG e no torneio permitem que os jogadores ganhem dinheiro da mesma maneira ou existe alguma diferença?



Nos torneios, a relação entre o valor do buy-in e a premiação dos primeiros lugares é muito desproporcional. No caso do Sunday Million, por exemplo, que tem buy-in de $215 dólares, um jogador pode levar um prêmio de mais de $180 mil – o equivalente a 837 buy-ins. E se a vaga no Sunday Million foi conseguida, digamos, num satélite de 2 dólares, essa relação pode chegar a incríveis 90 mil buy-ins.

Agora, outra questão: quanto tempo um jogador de cash ou SNG precisaria jogar para lucrar 837 buy-ins ou 90 mil buy-ins? Percebem a diferença? Cash games e SNGs são modalidades em que o lucro vem da quantidade e do longo prazo. Vocês praticamente jamais verão um profissional de SNG ou de cash game encerrar uma sessão com 837 buy-ins de lucro, muito menos com 90 mil. Esses são valores que os jogadores regulares dessas modalidades levam muito tempo para conseguir, devido à própria mecânica dos jogos envolvidos, como mesas com poucos jogadores, adversários bons, pouca vantagem sobre os oponentes e outros fatores que tornam a disputa mais equilibrada e menos propensa a gerar lucros altos no curto prazo.

Isso faz com o que o fator sorte “predomine” nos torneios? A minha resposta é não. Na realidade, isso faz com que, pela mentalidade orientada pelos resultados, as pessoas percebam que jogadores com pouco talento conseguem obter, em torneios, um lucro que “não conseguiriam” jogando cash games ou SNGs. Mas mesmo essa percepção é falsa, pois é uma perspectiva do ponto de vista do jogador regular. Um jogador regular de torneios, por exemplo, jamais jogaria o Sunday Million sem um bom bankroll ou se precisasse ganhar a vaga através de um satélite de 2 dólares.

Hipoteticamente, porém, se pensarmos num jogador de cash ou SNG “fora dos padrões”, perceberemos essa “ação da sorte” da mesma maneira. Imaginemos um jogador de SNG num dia “feliz”: ele joga um SNG de $10 e vence; pega os $50, joga mais um de $50 e ganha de novo; no dia seguinte, resolve jogar um de $200 e vence mais uma vez; empolgado, entra num de $1.000, vence e se inscreve num de $5.000; depois de algumas horas, a mesa fecha e ele ganha mais um SNG, faturando cerca de $25.000, ou 2.500 vezes seu bankroll inicial. Para isso, ele precisou “derrotar” muito menos oponentes do que nosso outro jogador do Sunday Million, que levou 837 buy-ins.



O mesmo raciocínio é válido para cash games, no caso de jogadores não-regulares que dão tiros do tamanho do seu bankroll e vão subindo de nível na medida em que dobram. A diferença do cash nesse curto prazo é que, pelo fato de o jogo ser geralmente mais deep-stacked, o jogador fraco terá mais dificuldades do que o forte. No curto prazo, entretanto, tudo é possível. Já no longo prazo, não importa que modalidade esses jogadores preferem: se forem fracos, perderão dinheiro no cash, no SNG e no torneio. Só que, no caso dos fracos que ganham muitos buy-ins de uma única vez, pode ser que eles nunca fiquem negativos, principalmente se não forem regulares.

Então, chegamos ao fim desse texto diante de três constatações:

– É mais fácil perceber a influência da sorte nos torneios, principalmente pela ótica do jogador regular de cash game e de SNG.
– A “influência” do fator sorte é a mesma no curto ou no longo prazo, fazendo com que, eventualmente, jogadores não-favoritos vençam em cash games, torneios ou SNGs.
– No curto prazo, jogadores fracos não-regulares podem ser lucrativos em qualquer modalidade.

Desmistificar a influência da sorte não é tarefa fácil, e eu tenho consciência de que esse debate poderia continuar por um bom tempo. Mesmo assim, espero ter dado minha contribuição para esclarecer um pouco esse espinhoso assunto. Até a próxima!





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