EDIÇÃO 37 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Cautela e canja de galinha

O valor de sua mão inicial


Túlio Sá

Nosso tema desse mês é algo muito importante e interessante. Importante pelo fato de o jogo se desenvolver em boa parte por causa dele, e interessante porque há inúmeras maneiras de abordar esse tema: a seleção de mãos. Será que é só ela que importa? Eu devo jogar com qualquer mão no começo, ver flops baratos e tentar dobrar? Essas são perguntas comuns e, de certo modo, difíceis de explicar. Sendo iniciante, a aquisição de livros o ajudará muito a obter os melhores caminhos.

Quando você recebe suas duas cartas, deve ter um motivo para jogá-las. Elas são boas? Eu estou em posição? Minha mesa está tight e eu posso ganhar um dinheiro extra? Estou cansado de dar fold e minha paciência se esgotou antes de ontem? Bem, esta última pergunta, apesar de ser uma tentativa de humor deste colunista, é realidade para a maioria dos iniciantes em Texas hold’em. A paciência de esperar por mãos jogáveis é uma das virtudes que separam, logo de cara, um jogador com potencial para ser lucrativo de um perdedor. “Ah, mas era naipado!”. Nem toda carta combina com a outra no longo prazo. “Mas, sem ver o flop, não tem nada decidido ainda!” Engano seu. Quando jogamos com cartas ruins, só lembramos as vezes em que fizemos aquele full hand, aquela  sequência linda no river ou quando quebramos o par de ases de um pro... Mas esquecemos as inúmeras vezes em que saiu nosso segundo par e ficamos sem direção no flop, ou até mesmo os dois pequenos pares que nos fizeram perder um pote gigante perto do ITM para dois pares maiores.

Quando você escolhe entrar no jogo, tem que ter em mente alguns dados: estilo do adversário, sua posição sobre ele, a relação de suas fichas com o pote e, para não citar outros fatores que dariam um livro, a força inicial da sua mão. O sonho de todo mundo é receber pares altos o tempo todo. Infelizmente, isso não vai acontecer – haverá torneios em que você simplesmente não os receberá. Para isso, temos que crescer com as mãos jogáveis. No começo de um torneio, fase em que a relação fichas x blinds é agradável, suited connectors, A-X naipados e pequenos pares têm boas chances de fazer armadilhas. Imagine aquele jogador que só entra com pares altos, vocês dois com muitas fichas e sai sua trinca? Será uma boa chance de até mesmo dobrar seu stack.



Cuidado com os A-X do mesmo naipe, pois um par no flop não é sua intenção principal, mas sim dois pares ou um flush. Muitos iniciantes acreditam piamente que A-3 em um flop A-J-9 é uma excelente mão. Esse é um típico exemplo de que suas decisões serão mais difíceis a cada carta aberta (turn e river). E poker é isso: um jogo de decisões. Você tem que estar no controle da situação, não pode simplesmente jogar por jogar. Suas fichas serão sua vida naquele torneio. Ficar com poucas delas deixa suas escolhas mais complexas e você vai precisar depender apenas das cartas. Parece paradoxal, mas o melhor jeito de não depender das cartas no fim é escolher boas cartas no início. E “boas cartas” são aquelas que lhe abrem leques. Por exemplo, nas fases intermediárias do torneio, suited connectors já podem não ter tanto valor. Então surgem outros fatores, como “steals” – os famosos roubos de blinds – com uma mão inicial não tão forte daquela posição quanto seria no começo do torneio, e reraises em jogadores que abrem raise com mãos iniciais fracas. (Esses dois fatores sozinhos dariam um capítulo de livro).

Como eu havia dito no início, existem várias maneiras de se lidar com mãos iniciais. Eu prefiro uma postura mais tight no começo. Sei que existem jogadores com facilidade de leitura e agressividade suficientes para enfrentar qualquer jogador. Mas isso foi construído com base em experiência, estudo e observação minuciosa dos adversários. Já que definimos uma postura, vamos a algumas delas.

Início de Torneio
• Com o objetivo de trincar, qualquer par pequeno ou médio é jogável. Entretanto, recomendo não entrar em potes com reraise, pois lhe custará muitas fichas.
• Pares maiores como Q-Q, K-K, A-A devem ser aumentados, pois são as melhores mãos iniciais do Texas hold’em.
• Suited connectors têm seu valor em sequências e flushes, jogando em posição para agir quando adversário mostrar fraqueza. Eu prefiro jogar acima de 6-7. A-K é uma ótima mão, mas deve ser jogada com cautela no início de torneios, devido ao fato de muitos estarem jogando por trincas e sequências e, aparecendo um único par, não é motivo para se atolar.
• A-X do mesmo naipe devem ser jogados pelo flush ou por dois pares, sendo, nesse caso, utilizados com cautela.



Do Meio Para o Fim

• Pares altos continuam sendo bons, os pequenos devem ser descartados em posições iniciais, e os médios, jogados com cautela (9-9, T-T).Em caso de poucas fichas, os pares médios se tornam boas mãos.
• Suited connectors pequenos (até J-T) perdem valor, salvo em casos de steal nas últimas posições. Mãos como KQ devem ser jogadas com cautela.
• A-X naipados definitivamente se tornam perigosos, pois vão ficar em maus lençóis em muitos flops, fazendo com que você perca muitas fichas. Use-os para roubos imediatos.

Tenho certeza de que vocês já perceberam que o poker não possui uma linha de raciocínio única e rígida. Entretanto, se você traçar uma diretriz e seguir em frente com suas armas, terá boas chances de ser lucrativo no longo prazo.

Nesta edição, nossa já tradicional frase do mês é do escritor francês George Buffon: “A genialidade não é outra coisa senão uma grande aptidão para a paciência”.




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