Súbito, lá pelas 6 da manhã, um parceiro faz a hedionda proposta para a mesa: “Que tal uma fanfarra?” Os outros jogadores – entre eles, eu – se entreolham, confusos. A mesa de $5-$5 entra num silêncio terrível. Estávamos todos intimidados pela sugestão da fanfarra. Que raios seria aquilo? Balada, comida, droga? O sujeito insiste, animado: “E então, vamos lá?” Como ninguém soubesse do que se tratava, à exceção do próprio homem, ele explica, com uma paciência didática, a tal da fanfarra.
Basicamente, tratava-se de uma mão de Omaha (ou Texas Hold’em) com as cartas abertas e apenas uma aposta inicial. Ou seja: uma briga de facas no escuro. “Só para descontrair”, o parceiro argumenta. “É divertido.” Ok. Depois de uma noite longa de poker, algumas risadas cairiam bem. Estávamos em cinco. Cada um pingou 25 reais em fichas verdes e fomos para o pano.
Sinto que não fui completamente esclarecedor quanto ao jogo. Darei mais detalhes, portanto. Cada jogador escolhe duas cartas e as abre. Depois, o crupiê vira o flop. Então, mais duas cartas são escolhidas e abertas pelos jogadores (no caso do Omaha). E, finalmente, vêm o turn e o river. Quem tiver a melhor mão, puxa as fichas. Sem habilidade, sem mistério – mas com uma emoção absoluta e irresistível.
Já no primeiro pote, ocorre o inconcebível: um senhor puxa a parada com 2-2, sem trincar. Exatamente. Nenhum dos outros quatro fez flush, seguida ou, ao menos, um par! O corajoso par de duques segurou o flop, o turn e o river contra as 16 cartas adversárias. “Que conta, que conta!”, comemorou o senhor do 2-2, enquanto puxava 125 reais em fichas verdes. E todo mundo foi obrigado a concordar: “Que conta, que conta...”
A ideia era promover uma fanfarra única e solitária para encerrar a noite. Mas, rapidamente, alguém jogou outros 25 reais no pano e sugeriu: “A saideira?” E lá fomos nós para a segunda – e, supostamente, última – rodada de fanfarra. Um sexto parceiro, que estava esperando o táxi para ir embora, encostou à mesa para assistir. Desta vez, foi um modesto par de ases, acompanhado por um tísico kicker 8, quem puxou o pote. Seu dono era o mesmo senhor do 2-2. “Que conta, que conta!”, ele repetia, frenético, enquanto desabotoava o colarinho da camisa, para puxar mais 125 reais. Eu reparei que, naquelas duas mãos, o senhor rejuvenescera pelo menos 20 anos! Antes da fanfarra, tinha 70. Depois da fanfarra, era fisicamente um homem de 50, com a energia e vitalidade de um adolescente.
Eis que, súbito, o sujeito do táxi, querendo uma fatia da ação, puxa uma nota da carteira. Como já trocasse as fichas no caixa, embarca na fanfarra em espécie. “Vamos de 50?”, diz, esfregando as mãos, numa ânsia absoluta. E atira a onça na mesa. Os cinco cobrem a aposta – e uma nova rodada de fanfarra começa. Um parceiro sugere trocar o Omaha pelo Texas Hold’em; ele é quase linchado pelos outros, como se fosse um ladrão de cavalos. “Tá bom, tá bom!”, recua.
Quando me dei conta, já eram 7 da manhã e a fanfarra chegara ao patamar fatal de 100 reais por pessoa. Sorte para o senhor do 2-2, que estava com mais de mil reais no lucro. Já o meu cacife, sangrara horrores. Quando vi que os parceiros queriam aumentar a aposta para 300, percebi que era a hora de partir. Ao passar pela porta do clube, a última coisa que ouvi foi o senhor do 2-2 dando risada e falando: “Só de chutar cachorro na rua Aurora tenho mais de 20 anos!” E repetiu, enfático: “Mais de 20 anos!” Ele deve ter puxado a rodada de 300. Mas não tenho certeza. Eu já estava dentro do carro, batendo minha cabeça contra o volante, tiltadíssimo com aquela fanfarra sinistra.