Jogar online aos domingos não é tarefa fácil, pois nesse dia ocorrem os maiores torneios e as mesas dos sites ficam recheadas de profissionais e amadores correndo atrás de uma boa forra nos grandes eventos garantidos.
Avançar nesses torneios nunca é simples. Você é colocado à prova diversas vezes e, se tomar a decisão errada, pode dar adeus à disputa. Num desses grandes torneios de mais de meio milhão de dólares de premiação num domingo de agosto, eu me encontrei diante de uma decisão muito difícil.
Caso eu desse call no all-in do vilão no river e perdesse, eu estaria eliminado, mas se acertasse o call ficaria muito bem em fichas, com quase o triplo da média. A questão é que, se desse fold, eu ficaria exatamente com a média de fichas do torneio, ou seja, não era uma decisão simples e por isso decidi expor essa jogada para vocês.
Buy-In: $535
Prêmio 1º colocado: $88.000
ITM: 150 jogadores
Jogadores restantes: 650
Média em fichas: 17.000
Stack: 24.508
Blinds: 200-400
Imagem na mesa: Tight
Estou em MP e abro raise com A♦Q♠. O hijack, que era o jogador "skoopaloop", um dos chip leaders do torneio e aquele que tinha mais fichas na mesa, faz o call de $1.121, e os demais jogadores dão fold.
O vilão é um jogador totalmente desconhecido e, em uma rápida conferida no site officialpokerrankings.com, pude verificar que ele jogava muito pouco, com buy-ins altos e que tinha um lucro bem baixo apesar do ROI (return of investiment) de 39%.
O flop vem Q♦J♦4♥, o que em teoria é o flop que eu estava procurando. Notem que eu tenho o ás de ouros. Eu aposto $1.600 num pote de $2.842, o que significa 56% do valor pote, uma aposta bem padrão para o meu estilo de jogo. Ele prontamente dá call, e o turn é um 8♣, então temos um pote de $6.042 no momento. A fim de controlar o pote e tentar descobrir se o 8 realmente trouxe um possível straight para o vilão, resolvi dar check e ele disparou instantaneamente uma aposta de $4.750, ou seja, 78% do pote, um valor bastante significativo, deixando o pote com $10.792.
Depois de pensar por alguns instantes e levar em consideração que meu adversário vinha jogando muitas mãos, apostava forte pós-flop com muitas c-bets e normalmente levava as fichas sem showdown, resolvi dar call e ver o river. Nesse momento, o pote tinha $15.542, e o river foi um K♥. Em minha opinião, depois de todas as cartas de ouros e do J, o K é a pior carta que poderia aparecer no river, não que eu tivesse colocando meu oponente em KQ, mas seria bem provável que ele tivesse um flush draw ou até mesmo um straight e flush draw, como por exemplo KT de ouros. Resolvi dar check mais uma vez e ver a ação do vilão, que não hesitou e, mais uma vez, disparou uma aposta rápida – só que agora ele apostou tudo. O pote de $32.579 era bem suculento, mas meu estoque no river, que era de $17.037, me mantinha na média de fichas do torneio, possibilitando, assim, em teoria, dar um fold tranquilo e não arriscar nesse spot complicadíssimo.
Parei pra pensar e analisar novamente a jogada:
– Ele deu somente call pré-flop;
– Deu apenas call diante da aposta do flop;
– Fez uma aposta forte no turn quando um possível straight apareceu no bordo;
– Depois do meu check no river, ele foi insta-all-in;
É fato que existem muitas mãos que me derrotariam nessa situação, o que tornaria esse call arriscadíssimo e desnecessário, como por exemplo: AA, trinca de 4, K♦T♦, T9♦, etc. Diante da situação, tudo indicava que eu deveria dar fold nessa mão e partir para a próxima, mas, se eu acertasse esse call, ficaria numa situação muito confortável no torneio, o que me fez parar para pensar durante todo meu time bank, por mais de 2 minutos.
Então perguntei para um amigo, profissional do poker online, qual era a opinião dele sobre esta jogada. O que ele faria nessa situação? Veja o que ele disse:
William Arruda (hellzito)
Análise dos Profissionais
Chegou em gap, A♦Q♠ é uma mão acima da média para MP. Abrir o pote com raise de 2,5 a 3x é padrão. Porém, prefiro abrir 3x quando me encontro numa situação muito deep, para evitar que mãos especulativas deem call por implied odds e criem multipotes.
O chip leader, que é um jogador de average buy-in alto ($304) com ROI de 39%, dá call no hijack numa situação deep, então podemos praticamente ignorar QQ, KK, AA, AK, pois essas mãos dariam 3-bet pré-flop, exceto se os blinds estivessem short, o que aumentaria a chance de uma armadilha. Logo, coloco o vilão num range de alguns suited connectors, QTs+ QJoff+, ATs ou pares.
Com a c-bet numa situação deep, a chance de um jogador como esse dar float aumenta muito. O fato de o bordo ser Q♦J♦ é muito diferente de Q♦ Jx 4♦, porque os combos draws diminuem, além do fato de você ter um A♦, o que reduz muito a probabilidade de vilão estar num draw. O bordo está muito pesado para fazer slowplay com qualquer mão, então JJ e JQ
são improváveis, portanto, depois do flop, coloco meu oponente num range de 22 a TT (float), QK, AJ e alguns connectors com flush draw e algumas vezes blefe seco (poucas).
No turn, com AQ, acho que a melhor opção é bet-fold, já que é muito difícil blefar um segundo tiro contra um jogador tight que está jogando sem posição. Além de tirar valor de mãos como KQ e AJ, pares como TT, 99 na maioria das vezes vão dar check depois, assim como KQ e AJ. No momento que se dá check no turn, você perde uma street de valor e transforma seu AQ num “pega-blefe” (bluff catcher).
As únicas mãos que provavelmente vão apostar no turn são pares pequenos dando float, blefes secos e suited connectors com flush draw (lembrando que 8 é uma carta que acerta bem os connectors baixos, como T9, que fecha sequência), 89s, T8s, 87s, KQ e AT. Com o check depois, você parece ter uma dama fraca ou valete fraco, já que, por estar muito deep, mãos fortes provavelmente vão de check-raise no turn e não check-call ou segundo tiro.
O river com mais um check faz com que seja praticamente impossível você ter sets ou AA. Juntando isso com o insta-all-in, que, para mim, na maioria das vezes é blefe, o range de mãos do vilão é muito grande, deixando o range de blefe dele muito grande também. Nós perdemos de KQ e AT. O fato de o jogador ser competente me deixa mais inclinado para o call, uma vez que uma mão grande vai ao menos pensar na melhor maneira de extrair valor. É uma situação extremamente difícil, mas eu abandonaria a mão no turn ou, se tivesse seguido na jogada, daria call no river.
Desfecho da jogada com Felipe Mojave:
Bom, eu resolvi dar call na aposta do vilão no river, justamente pelo fato de ele ter dado call, bet e all-in muito rapidamente em todas as streets. Para aquele perfil de jogador, eu sabia que poderia aplicar esse raciocínio, e eu estava correto, pois o vilão tinha 3♣4♣, acertando apenas um par de quatros. Achei muito difícil que ele tivesse uma trinca no flop e muito menos provável alguma combination hand, incluindo K♦T♦, com a qual acredito que ele teria dado reraise no flop, pois sabia que eu estava aplicando um jogo seguro e, na maioria das vezes, eu acertaria o bordo, o que tornaria mais difícil eu desistir da mão, aumentando, assim, o retorno da jogada caso ele viesse a acertar sua mão.
Na próxima edição voltarei a abordar mais mãos interessantes. Eu gostaria de lembrar a todos que o torneio Milhão Mensal do PartyPoker está pagando cerca de $200.000 para o primeiro colocado todo primeiro domingo do mês, além de o brasileiro mais bem classificado nesse torneio jogar um heads-up contra mim valendo $1.000. Os freerolls de $2.000 só para brasileiros estão ocorrendo às terças-feiras (dois por mês). Fora isso, você também pode concorrer a uma vaga para o torneio de 1 Milhão Garantido no Conrad em dezembro através dos nossos satélites exclusivos no PartyPoker.