Eu geralmente acho que o universo me adora, mas às vezes sei que ele me odeia. Agora mesmo, quando fui jogar poker online e descobri que minha conexão à Internet estava fora do ar, eu sabia que o universo estava perversamente me punindo por pecados que eu não cometi. É uma velha história, uma história chamada desilusão. Quando as coisas não acontecem da maneira como eu gostaria que elas acontecessem, eu fico ansioso. E não é apenas o poker, acredite. É toda a maldita Internet — o e-mail, as notícias, o dicionário online, tudo. Sem ela, eu começo a me agitar como um viciado no terceiro dia da desintoxicação. Eu odeio quando o universo me odeia.
Se eu tiver sorte, ele não vai parar de me odiar imediatamente.
Por que eu digo isso? Bem, digamos que ele parasse. Vamos supor que minha conexão à Internet voltasse nesse exato instante. Qual seria a primeira coisa que eu faria? Isso mesmo, jogar poker, aquilo que eu queria fazer desde o início. Mas agora, em vez de entrar no jogo com minha mente no lugar, eu seria vítima de minha própria expectativa frustrada. Eu teria de me recompor. No mínimo, eu jogaria com pressa e imprudência, para compensar o tempo perdido. Ainda pior, eu ainda estaria carregando a convicção mental de que o universo me odeia, e isso certamente mancharia meu raciocínio e afetaria minhas ações. Em outro contexto, nós chamaríamos esse sentimento de tilt.
O mais engraçado sobre o tilt é que as pessoas erroneamente acham que ele é causado apenas pelo que acontece na mesa. Um pobre coitado coloca seu dinheiro numa situação ruim e consegue um de seus três outs para nos derrotar. Boing! Lá vem o vagão do tilt. Ou então nós não completamos nosso draw duplo. Ou então perdemos uma disputa trinca versus trinca. Ou então vemos nossos ases serem esmagados. Ou qualquer outra das muitas coisas horríveis que podem acontecer conosco na mesa. Tais situações causam tilt, não há dúvida quanto a isso. Mas eu devo lhe dizer (e acho que você já sabe) que as raízes do tilt podem ser mais profundas — às vezes muito mais profundas mesmo — que isso.
Você já ficou preso no trânsito a caminho do clube de poker? Esse é outro exemplo de expectativa frustrada que corresponde à perda de sua conexão à Internet. Você chega atrasado e impaciente, e está tiltado antes mesmo de se sentar. Ou digamos que você não esteja exatamente recuperado daquele resfriado de que julga estar curado, mas já perdeu três dias de jogo, e está convicto de que não vai perder mais um. Mas seu mal estar físico afeta seu jogo. Isso é o que podemos chamar de tilt suave, uma condição em que você não está jogando seu melhor e nem sequer percebe. Traiçoeiro, isso — e muitíssimo comum.
Aprofundando, nós nos deparamos com toda uma gama de fatores psicológicos que podem impactar negativamente seu jogo. Você acabou de ter uma discussão com um familiar ou amigo? Você está saindo escondido para jogar poker? Você perdeu muito dinheiro recentemente e está chegando à mesa travado e short stacked? Dê nome a tais emoções — ressentimento, culpa, medo — e você logo verá que nenhuma delas vai fazer outra coisa senão lhe prejudicar na mesa. Você sabe disso, claro que sabe. A questão é: você é capaz de admitir isso para si mesmo?
Quando minha conexão à Internet caiu, ela não levou apenas meu poker online. Ela levou uma fonte de estímulo e distração, cuja fonte, devo confessar, eu costumo levar em conta para me manter mentalmente comprometido durante meu dia de trabalho. Para mim não basta apenas me sentar aqui escrevendo. Eu preciso saber o que o resto do mundo está fazendo também. Vamos dar a tal condição a nomenclatura correta: distúrbio de déficit de atenção. Você consegue imaginar o quanto esse DDA afeta a qualidade do meu jogo? Você pode imaginar quão pior seria se eu não reconhecesse isso? Caso isso ocorresse, além de tudo, eu estaria em negação e, quando se trata de negação, eu acho que você pode quase formular uma equação matemática, qual seja: Seus Problemas + Negação = Tilt.
Conhecendo-me bem e consciente de meu DDA, aliás, eu jogo quase sempre sit-and-gos heads-up. Eles são perfeitos para mim. Eu tenho de jogar todas as mãos.
Alguns anos atrás, eu estava jogando no The Bicycle Casino em Los Angeles quando o cara que estava ao meu lado na mesa ganhou $9.000 num jackpot por bad beat. Você deve achar que ele ficou extasiado, certo? Deve imaginar que ele ficou pulando de alegria (eu fiquei, e olhe que ganhei apenas uma pequena parcela). Em vez disso, esse cara ficou tão profundamente atemorizado que parecia estar à beira de um colapso nervoso. Eu precisei perguntar: “O que houve, cara? Você acabou de ganhar muito. Por que você não está feliz?”
A resposta dele? Clássica: “Minhas esposa acha que eu estou no jogo do Lakers”.
Arrá, entendi! Você mentiu para sua esposa sobre ir jogar poker. Por quê? Provavelmente ela não aprova. Por quê? Provavelmente você não joga bem. Por quê? Porque você está mentindo para sua esposa, seu idiota! Você entrou no jogo em um estado mental composto por partes iguais de culpa, mentira e negação. A não ser pelo resultado improvável de ganhar um jackpot (que você não pode sequer contar a sua esposa), como é possível que você se dê bem com todo esse ruído negativo na sua cabeça?
Roy West proferiu essas famosas palavras: “Jogue feliz ou não jogue”. Esta coluna apenas amplia essa afirmação, mas eu acho que o tema merece ampliação, e eis por quê: na maior parte do tempo, a maioria de nós acha que está jogando feliz, estejamos de verdade ou não. Não temos a disciplina necessária para olhar para dentro de nós mesmos e fazer a pergunta fundamental: “O que está acontecendo?” A não ser e até que possamos ser francos conosco (e parar de dizer mentiras idiotas a nossas esposas), nós realmente não temos muita esperança de ganhar o jogo. Em outras palavras, você não conseguirá dominar o poker enquanto não conseguir dominar a si mesmo.
OK, vou parar por aqui. Tem um jogo ali me chamando. O universo já me odiou o suficiente. ♠