EDIÇÃO 22 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

A Sabedoria Eterna de John Fox - Parte II

Pense muito sobre o jogo e se concentre no que é importante


John Vorhaus

No mês passado, começamos a navegar pelas páginas do pouco apreciado livro de John Fox, Play Poker, Quit Work and Sleep Till Noon! Nós concluímos que, embora Fox tivesse um bom olho para observações afiadas, ele também era um produto de seu tempo (os anos 70) e circunstâncias (os velhos clubes de draw poker de Gardena, Califórnia). Para apreciar a sabedoria de seu trabalho, portanto, temos que desenvolver um olho adaptador, esmiuçar sua prosa às vezes prolixa e separar o trigo da sabedoria do joio que não é sabedoria. Ainda temos muito a explorar, então vamos navegar mais, certo?

Como eu disse, Fox concentrou todo seu livro em draw poker, então muito do que ele tem a dizer (como compensar, por exemplo, jogadores que não abrem raise com valetes ou damas em posição final) não tem nenhuma relevância para o hold’em que você e eu jogamos hoje. Outras observações são relevantes se você souber interpretá-las. Veja a seguinte: “Sempre que você tiver aberto um pote com raise quando outra pessoa iria abrir, você cometeu um erro. Sempre. Sem exceções. Sem desculpas”.

E sem equívoco da parte de Fox também — que esmiuçou o tópico em várias páginas — de que é melhor deixar o outro cara apostar por você. Isso tinha muito a ver com jogadas pós-draw: naqueles velhos jogos de draw em Gardena, o jogador que abria o pote seria o primeiro a largar e o primeiro a apostar depois do draw. Ao não abrir raise quando você tem de abrir, você consegue a vantagem da posição, especialmente se quem tiver aumentado estiver diretamente a sua esquerda. O que Fox realmente está dizendo, então, é que é bom ter posição no poker. Ele diz isso em muitas palavras: “Conhecimento é poder”. E conhecimento advém de posição. Alguém pode negar isso? Show de mãos.

Mais uma vez, algumas coisas que Fox tem a dizer ainda são verdadeiras. Seleção de lugar é importante: você deve querer jogadores fortes a sua direita e jogadores fracos a sua esquerda. Além disso, veja o seguinte: “Não olhe para suas cartas até que seja absolutamente necessário”. Mais de 30 anos atrás, Fox se preocupava com jogadores atentos “olhando para a esquerda” e percebendo tells com base em sua reação diante de suas cartas. Ele sabia, na época, assim como sabemos hoje, que eles não têm como saber o que você vai fazer se você ainda não sabe. É por isso que os melhores jogadores — e o resto de nós, se formos inteligentes — praticam uma excelente “higiene com as cartas”, esperando até que seja nossa vez de agir e então reagindo a elas de maneira informal e neutra. Eu jamais vi alguém fazer isso melhor que Greg Raymer. Quando ele coloca seus olhos em suas cartas e deixa seus óculos de nerd caírem no lugar certo, você não sabe se ele vai largar, pagar ou aumentar astronomicamente. Fox ficaria orgulhoso.

Fox, deve-se notar, gostava de tentar uma ou duas coisas estranhas. Por exemplo, veja a jogada “snorp”. Ela tinha muito a ver com “treinar” os oponentes a sua esquerda a falar fora da vez, com base nas conclusões deles de o que significava sua ação. Você tem a oportunidade de manter sua mão viva quando quer abrir raise mas não tem certeza se há alguém forte a falar depois ou não. Quando você recebe uma mão ruim e deseja passar, aconselha Fox,… diga algo como “Snorp” em voz alta e firme. (A palavra “snorp” é boa porque não soa nem um pouco como “passo” — evitando possíveis discussões futuras). Então você pode começar a “passar”… dizendo “Snorp” de modo mais e mais baixo e fraco. Finalmente, quando você for forçado a chamar o organizador para evitar que uma boa mão seja passada, pode dizer com desamparo — “Tudo que eu falei foi ‘Snorp’, e eles passaram minha vez”. Como pode o organizador ficar contra você?

Meu conselho? Se você estiver em uma mesa e ouvir alguém dizer “Snorp”, procure outro jogo. Você está lidando com um veterano perigoso.

E sim, eu posso ouvir você dizer: “Mas isso é antiético”, e eu serei o primeiro a corroborar sua indignação com minha própria indignação. Mas vamos analisar: desde os anos 70 — de fato, bem antes disso — coisas desse tipo fazem parte da vida do poker. Embora você jamais considere tentar esse comportamento bizarro, é útil, para fins de defesa, saber como esses caras perigosos pensam. John Fox era um dos caras malvados mais sem pudor que já escreveu, e nós podemos aprender muito simplesmente adentrando em sua mente perigosa.

Mas quem é que pode me dizer onde começa o “sorrateiro” e termina o mero “atencioso”? Fox gastou muito tempo e esforço para coletar e interpretar as informações disponíveis para ele em um jogo de poker. É verdade que ele não fez nenhuma distinção entre tells diretas e — vamos chamá-las de turvas — áreas de investigação. Ele oferece, com igualdade de tratamento, ambas: “Quando um jogador geralmente falante de repente fica mudo, ele provavelmente tem uma boa mão” e “Tente se sentar diretamente em frente a um jogador que embaralhe nervosamente sua mão — expondo assim cada uma de suas cartas à medida que aparecem embaixo”. Você pode dizer que ele incita a trapaça, mas eu acho que ele apenas pensa muito sobre o jogo.

E, como eu disse, alguns de seus pensamentos são atemporais. Diga-me se isso soa familiar:

Infelizmente, eu já vi com frequência jovens jogadores afiados porém inexperientes aprenderem uma jogada técnica e com entusiasmo correrem para executá-la. Eles estarão convencidos de que “agora vão ganhar”. Jogadores assim não percebem que sua nova jogada adiciona muito pouco para sua possível eficácia.

Isso me recorda certo entusiasta que conheci uma vez e que “sempre abria com o tamanho do pote quando o flop vinha com três cartas do mesmo naipe”. Ele tinha notado que as pessoas tendiam a ficar assustadas com essa ação — e ficam — e tendiam a desistir — e desistiam — mas o restante de seu jogo era tão ruim que não importava quanta vantagem esse estratagema raramente útil lhe trazia, ele jamais conseguia sair do buraco de seu próprio mau jogo. Fox nos lembra que o melhor oponente da mesa jamais pode nos prejudicar tanto quanto nós mesmos.

Eu acho que é isso que faz de Play Poker… uma leitura tão duradoura. É claro que Fox fala muito sobre a mecânica de mãos de potes duplos ou triplos em draw poker (e fala com entusiasmo sobre “o velho truque da xícara de café”, uma jogada especial reservada para potes imensos), mas sua tese geral — pense muito sobre o jogo e se concentre no que é importante — se aplica a todas as modalidades de poker, de draw a stud, passando pelo hold´em, e até mesmo àqueles jogos ruins de mesa de cozinha que disputávamos em casa. É por isso que vale a pena analisar John Fox… uma análise que vai continuar na próxima edição.




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