Tudo bem, amantes do poker? Tenho andado meio distante das mesas. Um pouco por preguiça, um pouco por estar engajado em novos projetos que contarei em detalhes na próxima edição.
No artigo anterior, falei sobre a arte de “entender o jogo”. Mãos geniais que são aparentemente insanas e sem sentido. Desde blefes incríveis, passando por calls discrentes com Ace-high, até folds inacreditáveis com uma mão excelente, mas perdedora.
Dentre as situações citadas acima, devo confessar que um belo blefe é o que mais me atrai. Toda mão tem uma história. Assim, para executar um blefe, você deve contar essa história de forma coerente, desde antes do flop até o river. Se seu oponente ficar na dúvida, as chances de ele pagar seu blefe crescem assustadoramente. Então o segredo é deixá-lo confuso quando você tem um monstro nas mãos e contar a história de forma impecável quando estiver blefando.
Para “entender o jogo” de fato, é preciso ter notes bem definidos de seus adversários. Você não vai querer passar um blefe naquele jogador que não larga top pair, mas poderá executar um belo move naquele que você sabe ter a noção do jogo e é capaz de largar uma ótima mão. Outro fator a ser considerado é o estágio do torneio: blefar perto da bolha de um torneio grande ou numa mesa final, em que a diferença de premiações interfere muito nas decisões é muito mais fácil.
Para exemplificar, eis abaixo um ótimo blefe executado por Caio Pimenta, merecidamente eleito pela CardPlayer Brasil como o Jogador do Ano de 2008. O evento era o Super Tuesday do Poker Stars, um dos maiores torneios online semanais. Estávamos na mesa final, restando 7 competidores: Caio havia eliminado todos os jogadores da final table. Vale ressaltar que a diferença de premiação era grande e contribuiu para o êxito desta excelente jogada.
A mesa roda em fold e o jogador “kingsofcards” aumenta do small blind para 10.550. Caio paga no big blind. O flop é J♠K♣2♠. Caio aposta 11.111 e leva um check-raise para 38.550. Analisando a situação, normalmente largaríamos a mão com receio de um provável K. Porém, Caio sabe que está diante de um oponente que seria capaz de executar tal jogada sem absolutamente nada. Os dois jogadores estão liderando em fichas, e com o call de Caio no reraise, o pote já está em $101.000 – muito alto em relação aos stacks. O call de Caio demonstra muita força, já que está pagando um check-raise em posição. Completando a análise, vê-se que o flop foi favorável para uma continuation-bet, mas considero estranho esse check-raise, mesmo com um monstro nas mãos.
O turn traz um 6. “kingsofcards” aposta 42.550 e Caio paga. O pote tem $186.000, e Caio novamente demonstra muita força ao dar call. Seu oponente deve estar assustado, ainda que tenha um K. Acho estranha esta aposta. Parece coisa de quem não tem nada, está dando sequência num outplay e, em caso de fracasso, ainda continua vivo no torneio. Mesmo com um K, não vejo motivo para aumentar tanto um pote sem posição num bordo perigoso. O river é um T♠, excelente para Caio. “Kingsofcards” dá check e Caio vai all-in de mais $107.814. Traduzindo: o torneio de ambos está em jogo. Um flush se encaixa perfeitamente na história da mão de Caio, bem como um KT ou mesmo uma trinca. Ele mostrou força em todas as streets e agora é muito difícil para “kingofcards” pagar, mesmo com AK, KQ ou QQ. O check no river demonstra muita fraqueza. Caio aumentou muito seu range de mãos vencedoras ao longo das streets, já que seu oponente jamais poderia imaginar que ele seria capaz de dar dois calls “no ar”, ou seja, sem absolutamente nada além de posição.
Sinceramente, não consigo encontrar uma mão para “kingofcards” em que esse tivesse jogado bem. Ele dá fold, e Caio puxa um pote enorme e mostra o blefe: A7o. Jogada maluca? Prefiro chamá-la de genial!