Algumas semanas atrás aconteceu a final da Champios League, entre Barcelona e Arsenal, no famoso estádio de Wembley. A vitória do time catalão foi inconteste, e o desempenho de sua grande estrela, Lionel Messi, irretocável.
Isso me fez lembrar uma história curiosa que aconteceu comigo ano passado, enquanto eu disputava um evento de Pot-Limit Omaha na África do Sul. Acabei vencendo o torneio, válido pelo World Series Of Poker Circuit. O que conto agora não havia sido publicado antes.
Já adianto que não vou me comparar ao craque argentino. Apenas me inspirei em algumas características suas como atleta, que acabaram me levando a um resultado muito marcante.
Eu estava em Londres, hospedado na casa do meu amigo James Bord, campeão da WSOP Europe 2010. Conheço James desde 2008, quando fizemos juntos a mesa final de um evento da série Venetian Deepstac. Dali em diante, sempre mantivemos contato.
Minha temporada em Londres estava sendo muito boa. Eu tinha ficado em 4º lugar no English Poker Open de 3.700 Libras e também feito final table na World Series of Poker Europe, no evento de Pot-Limit Omaha de 5.250 Libras.
Logo após o término do Main Event da WSOPE, James foi a Marrakesh jogar cash games e um torneio High Roller. Eu fiquei na casa dele, jogando cash live no Victoria Casino, e online no Full Tilt. Tínhamos combinado de viajar juntos para a África do Sul e disputar o evento do WSOPC com mais alguns amigos: Sam Trickett, James Akenhead e Martins Adeniya, todos profissionais britânicos. Nosso plano era passar uns dias de férias depois do evento, saindo de Gauteng, local do torneio, e indo para a Cidade do Cabo, um lugar maravilhoso, que inclusive foi uma das cidades-sede da Copa 2010.
No dia em que eu aguardava James chegar de Marrakesh para pegarmos o voo para Johanesburgo, ele me ligou dizendo que havia perdido o voo, pois tinha ficado até mais tarde jogando o cash game. Então eu disse que iria sozinho mesmo, já que o voo estava marcado para o mesmo dia. Se eu ficasse e trocasse a passagem para o dia seguinte, perderia o evento do WSOPC de Pot-Limit Omaha de $1.000 com Rebuy. Isso eu não queria de jeito nenhum.
Eis que James me disse para deixar isso pra lá. “Esquece esse evento! Você já fez uma excelente temporada em Londres. Vamos para a África mais pra curtir do que pra jogar”, foram as palavras dele. “De jeito nenhum! Vou pegar esse voo e te encontro lá. Não vou perder esse evento por nada. Tenho chances!” foi o que respondi a ele, que acabou concordando. Combinamos de nos encontrar lá, no dia seguinte.
Tínhamos sido convidados pela anfitriã da WSOP para participar do evento e aproveitar a viagem. Eu, como mesa-finalista do WSOPE e ele como campeão do Main Event de Londres. Eu tinha me planejado para jogar esse torneio. James, ao que parece, não. Muitas vezes, essa liberdade do jogador de poker acaba trazendo esse tipo de problema. Como não temos horário pré-definido nem chefes para nos cobrar relatórios etc., a disciplina profissional tem que ser desenvolvida por nós mesmos.
O final da história eu já adiantei no começo do artigo. Fui lá e ganhei o torneio, no meu primeiro evento como profissional do Full Tilt Poker. Se eu tivesse esperado meu amigo, esse resultado não estaria no meu currículo. Há quem diga que foi mera coincidência. Será mesmo? Para mim, essa vitória foi muito mais disciplinar do que qualquer outra coisa.
Vi com clareza que, se eu batalhar firme e seguir forte na luta, de modo resistente, comprometido e consistente, quando encontrar um adversário no mesmo nível de jogo que o meu, ou até melhor, ainda assim acredito que terei vantagem.
Em outros tempos, com um bom bankroll e podendo escolher meus jogos e horários, deixar de participar desse evento seria a coisa mais fácil do mundo. Mas eu estava comprometido como nunca com o meu trabalho, e veja o que acabou acontecendo.
É aqui que entra a analogia com Messi. Se bastasse ser o melhor jogador de futebol do mundo, ele estaria no topo há anos. Ele é um sujeito humilde e comprometido com o seu trabalho. Não me lembro de ter visto uma sequer sobre Messi, dizendo que ele foi para a balada e perdeu o treino do dia seguinte. Ou ainda que teve complicações com fãs, colegas de trabalho ou quem quer que seja.
Nem de longe eu sou para o poker o que o Messi é para o futebol. Mas que quando eu peguei aquele avião para jogar o torneio, mesmo deixando meu amigo para trás, ali eu dei uma de Messi. Fui disciplinado, fiz o que precisava ser feito.
No meu workshop para a PokerStrategy, que aconteceu em maio, em São Paulo, eu falei sobre “Mentalidade no Poker”. Os membros “diamante” do site viam que eu falava com emoção, com amor pelo que faço. Aquele episódio tinha deixado de ser uma história curiosa e passou a ser uma lição, pelo menos para mim.
Moral da história, sem comprometimento ninguém alcança glória nenhuma, e o talento não é 100% aproveitado. Isso vale pra você, para mim e para todos. No poker e fora dele. Espero que cada vez mais, tanto eu como você consigamos ter uma vida equilibrada nesse sentido. Dessa forma, vamos dar uma de Messi muito mais vezes. ♠