EDIÇÃO 18 » COLUNA NACIONAL

A Ratoeira Armada

Solidificando Conceitos


Leo Bello

Esse foi mais um início de ano quente para o poker no Brasil, e acredito que 2009 prometa muitas surpresas. Além da minha própria confiança nos meus resultados neste ano – já que pretendo me dedicar a jogar mais, o que não fiz no ano passado – outros brasileiros não estão dando chance pra ninguém, e arrebentando tanto online quanto ao vivo. Claro que o destaque principal vai para Mojave e Alexandre Gomes no PCA. Mojave, pelo 4º ITM em 5 etapas do EPTs disputadas (descontando uma bolha). E o Alê, sem palavras: um 4º lugar histórico, que o fez ultrapassar a marca de U$1.600.000 em prêmios em torneios ao vivo na carreira. E sabemos que os dois ainda vão aprontar bem mais.

Mas, indo para a parte técnica que gostaria abordar neste artigo, me impressiona como bons jogadores às vezes parecem escorregar em conceitos fundamentais e fazer jogadas completamente inadequadas – é como se ele soubesse a teoria mas escorregasse na execução.

Vamos até voltar ao EPT para exemplificar. Porém, antes, que tal começar com um exemplo mais simples e de fácil compreensão?

Em um torneio online com buy-in de valor elevado ($100+9) e jogadores de bom nível, vi essa jogada que contém um erro grosseiro. Será que você consegue perceber só olhando para a ação?

*** HOLE CARDS ***
Dealt to leobello [6h Ah]
REDBEARD17: folds
EL_CHE_KING: folds
dirtymo: calls 30
DUBBZZ: folds
leobello: calls 30
redwings03: folds
sergiogela: raises 60 to 90 and is all-in
RiKKa64: folds
dirtymo: raises 210 to 300
leobello: folds
Uncalled bet (210) returned to dirtymo
*** FLOP *** [8s 9h 6c]
*** TURN *** [8s 9h 6c] [Th]
*** RIVER *** [8s 9h 6c Th] [Ts]
*** SHOW DOWN ***
sergiogela: shows [7c Qh] (a straight, Six to Ten)
dirtymo: shows [Kc Ks] (two pair, Kings and Tens)
sergiogela collected 240 from pot

O erro que chega a ser infantil foi, após eu dar call e o jogador Sergiogela ir all-in por apenas 90 fichas (3 vezes o big blind), o jogador Dirtymo, que era o último a falar antes de mim e estava com KK, opta por dar um reraise para isolar as 90 fichas do jogador que já está all-in, em vez de apenas dar call e ver um flop contra mim, que tinha um stack inteiro para que ele pudesse ganhar com uma mão forte como KK.

Ao dar reraise em uma jogada clara de isolamento, ele não levou em conta os stacks, e acabou “desperdiçando” o seu KK, lutando por um pote ridiculamente pequeno. Em outras palavras, este jogador claramente escorregou em suas bases. Aplicou o importante conceito de isolar um jogador em all-in, mas esqueceu de perceber o que devia ser o seu objetivo: lutar pelas minhas fichas, ou seja, correr atrás do oponente que poderia gerar valor para o seu KK.

E o pior de tudo é que provavelmente nem ele mesmo reparou o erro que cometeu na jogada. Bem, melhor para mim, que poupei fichas e aproveitei para fazer anotações sobre o adversário.

Pensando nessa jogada, fui me lembrando de outras situações em que a técnica pode ajudar a ganhar ou salvar fichas. Uma das circunstâncias que vejo se repetir com frequência e que vale a pena abordarmos, ficou conhecida no meio dos fóruns online como “Baluga Theorem” (Teorema de Baluga). Os participantes ativos de fóruns como MaisEV e TwoPlusTwo já conhecem bem esse termo, mas tenho certeza de que a maioria dos leitores nunca ouviu falar. Instintivamente, porém, todos já perceberam o que o Teorema diz. Entretanto, vejo poucas pessoas aplicando o conceito – ou melhor, as pessoas resistem a enxergar o que está claro aos seus olhos.

Digamos que você tem AA em uma determinada mão. Um jogador dá limp em posiçao inicial, e você dá raise do button. Todos dão fold, e o jogador que tinha entrado de limp dá call. O flop vem 963. O jogador dá check, e você aposta ¾ do pote. Ele dá call. No turn vem um 2, e ele novamente dá check. Você atira a segunda aposta, outra vez ¾ do pote.  Nesse momento, o adversário acorda e aplica um check-raise em você: o que o ele tem?

Acho que para qualquer leitor, aqui fica claro que a mão que o adversário está representando é uma trinca. Obviamente, o exemplo facilitou ao extremo essa leitura, pois não coloquei nenhum draw forte ou cartas altas. Contudo, o mais importante no Teorema de Baluga é o modo como a ação se desenrolou.

Chamar um raise pré-flop fora de posição, check e depois call no flop, e check e depois raise no turn, é a situação clássica descrita no Teorema. E o que diz esse teorema: que, na maioria das vezes, o jogador que realiza esse movimento está muito forte na jogada.

É claro que, no poker, nada é 100% garantido, e o jogador pode estar blefando. Porém, se você ficar atento a esse padrão de apostas e ao menos avaliar a possibilidade de fold nesse turn, você deverá aprender a sair de situações em que seu stack inteiro pode estar em jogo. O que acontece se você chamar o raise no turn, é que provavelmente ele vai atirar primeiro no river, e você acabará perdendo todas as suas fichas.

Vamos considerar um stack inicial de 100 big blinds (que é o normal em cash games online). Com a ação descrita, você provavelmente estará all-in no river se não der fold diante do raise do turn. Vamos ver a matemática? Pré-flop, um raise de 4 BB de sua parte, após um jogador dar limp, parece bastante padrão – isso faria o pote ter cerca de 10 BB após o call do adversário. No flop, a sua aposta seria de ¾ do pote e, com o call do adversário, o total chegaria a mais ou menos 25 BB. No turn, você sairia apostando ¾ (que dá aproximadamente 18 BB) e tomaria um raise, que deveria ter em torno de 30 BB a mais. Se você for adiante e fizer o call, já terá colocado cerca de 60 BB no pote antes do river. Os 40 BB restantes fatalmente acabarão no meio da mesa no river.

Se você reconhecesse a força do adversário, prestando atenção no Teorema de Baluga, daria fold quando o adversário aumentasse no turn (claramente representando uma trinca), e teria gasto apenas 28 BB dos seus 100, salvando quase ¾ do seu stack.

O que me impressiona é que, terminada uma mão deste tipo, normalmente o jogador que perdeu vem me contar a jogada e afirma ter percebido no turn que estava perdendo, mas falta a força para dar fold. É um conceito que instintivamente ele conhece, mas falta solidificar.

Para encerrar, que tal dar uma olhada numa jogada que foi decisiva durante o PCA, e que transformou o Alê Gomes em chip líder, indo para a mesa final? Sem me ater aos números corretos, vamos tentar entender por que esta jogada escorregou nos conceitos básicos e foi um derpedício de fichas para Kevin “BelowAbove” Saul, que era chip líder no início da mão mas perdeu 80% do seu stack para Alexandre.

A jogada começa com cerca de 6.000.000 em fichas para Kevin, e 4.500.000 para Alexandre (números aproximados).  Alê dá um raise padrão para cerca de 200.000 fichas em UTG+1. Kevin, do button, dá apenas call. O flop vem 6-6-3, e Alexandre faz uma continuation bet. Kevin pensa por um momento e dá raise. Alê apenas paga. No turn, mais um 6 (em teoria, essa carta diminui as chances de algum deles ter um 6 na mão). Alê pensa um pouco e dá check. “BelowAbove” atira um aposta de cerca de 500.000 fichas, e Alê dá call. O river vem uma Q, e Alexandre novamente dá check. Below para e pensa, e pergunta quantas fichas Alê Gomes tem. Ele conta e anuncia um número errado de fichas (mais baixo que o real). Below o corrige, e Alê pede desculpas. Below começa a pensar o valor para apostar e tirar o Alê da mão e anuncia 1.500.000 fichas (pouco mais da metade do que o Alê ainda tem). Com essa aposta, Kevin consegue colocar pressão em Alexandre, e também dizer que o está colocando all-in – ou seja, se o brasileiro der raise ele vai chamar a aposta, pois está comprometido com o pote.

Pois bem, é exatamente isso que Alê faz: após levantar da cadeira, ele volta all-in para cima de Kevin “BelowAbove” Saul.

Aqui vem o problema da mão: até o momento, não sabemos o que os jogadores têm, e as jogadas de Kevin Saul parecem boas. A impressão é que Alê vem representando um overpair que pode ser desde algo como TT até AA, mas tomando cuidado, receoso de o Kevin poder ter um overpair maior ou até mesmo um 6 na mão.

Porém, a ação do river muda tudo. Alexandre é um jogador experiente, e Kevin Saul sabe disso. Ao voltar all-in no river, Alê está mandando vários recados. O primeiro é que ele não teme overpairs (representando apenas três mãos possíveis, AA, QQ ou um 6X). O segundo, que está dizendo: “Eu sei que não tenho fold equity”, ou seja, “Sei que meu raise não fará você sair da mão, pois ele é pequeno demais, então eu não estou blefando. Estou indo all-in porque acho que tenho a melhor mão”.

É claro que o jogo teria acabado ali se Kevin tivesse um 6. Mas ele tinha apenas KQ e estava blefando até o river, quando completou um full house. O máximo que Kevin poderia esperar ali seria empatar com Alê caso ele tivesse um improvável AQ (por que Alexandre chamaria um raise no flop e aposta no turn com AQ?). Para as outras mãos que fazem sentido – AA, KK, QQ ou 6X –, Kevin estava perdendo. A jogada correta naquele momento seria o fold, mesmo correndo o risco de um blefe altamente improvável de Alê. “BelowAbove” tinha cerca de 3,3 milhões de fichas sobrando dos seus 6 milhões iniciais. Se chamasse o check-raise no river, cairia para 1.8 milhão. Após pensar um pouco, ele acaba fazendo um call heróico, vê o AA de Alê Gomes e dá adeus a liderança. O pote o machucou tanto que ele foi o primeiro eliminado na mesa final no dia seguinte, quando poderia ter salvado fichas e ficado com quase o dobro do stack que terminou.

Foi um erro conceitual e técnico. Afinal, o check-raise de Alexandre no river, sem fold equity, deveria soar os alarmes na cabeça de Kevin. E apesar de ser matematicamente incorreto dar fold pela quantidade de fichas no pote, essa seria a melhor linha de ação, tendo em vista a sobrevivência no torneio e também o fato irrefutável de que ele provavelmente estava perdendo a mão com seu full house de 6 com Q.

Parabéns ao Alê pela brilhante jogada: teve a paciência e a inteligência de deixar um jogador altamente agressivo apostar três vezes contra ele. Diante de qualquer outro jogador, o check no river seria uma péssima jogada, pois permitira ao adversário dar pedir mesa em seguida e ver um showdown barato. Mas contra Kevin “BelowAbove” Saul, foi como entregar a corda para ele mesmo se enforcar.

Que mais resultados bons coroem 2009. Na edição de abril devo falar da minha própria participação no EPT de Copenhagen, que jogo a partir do dia 17 daquele mês, com o patrocínio do Best Poker. Até lá, não deixem de conferir o meu site e acompanhar as notícias fresquinhas em www.leobello.com.br




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×