EDIÇÃO 16 » COLUNA NACIONAL

Razão e Sensibilidade

Reflexões de Cash Games


Leo Bello

Você concorda com a afirmação de que “o poker é um jogo matemático, em que a estatística no longo prazo faz com que as pessoas que tomam as decisões com expectativa positiva terminem no lucro”? Essa frase é a base para entender e crescer no poker, mas ela contém um grande erro, ou melhor, uma percepção distorcida da realidade, que muitos não levam em conta.

Quando os principais livros de teoria sobre poker começaram a ser escritos, a grande maioria falava sobre apostas limit, a estrutura mais praticada em ring games. Assim, publicações como “Teoria do Poker”, do David Sklansky, e “Small Stakes Holdem”, do Ed Miller (que foi publicado no Brasil pela Raise Editora) são livros cuja base teórica é voltada para esse formato de aposta. Então, muito começou a ser produzido sobre odds, outs, expectativa etc. E muitos aplicam esses conceitos extremamente importantes de forma equivocada.

O formato limit, em oposição ao no-limit – que hoje é o mais praticado online e ao vivo em ring games –, traz toda a lucratividade baseada na frequência dos acontecimentos. É matemática simples, e quase dá pra seguir uma fórmula de bolo e ser lucrativo, se você jogar sempre com a expectativa positiva ao seu lado. Se uma jogada não der certo você perderá, de uma maneira geral, um número fixo de BIG BETS (uma ou duas a mais ou a menos, a depender de ter havido raise ou reraise na mão). Se entrar cem vezes em uma situação de flush draw, você sabe que acertará sua mão do turn para o river em torno de 20% das vezes, portanto, consegue calcular exatamente quantas apostas ganhará ou perderá.

Porém, o que poucos reparam – e que é um dos fatores que fazem a grande maioria dos jogadores serem perdedores em cash games – é que nos jogos no-limit essa matemática não se aplica de forma direta: você ainda acertará sua mão na mesma proporção de vezes, contudo, ao contrário dos jogos limit, seus ganhos e perdas não são aproximadamente iguais em todas as mãos.

Em um jogo no-limit, pode acontecer de você não acertar o flush nas mãos em que pagou apostas maiores, e acertá-lo naquelas mãos em que as apostas foram mais modestas. Dessa forma, sua expectativa de lucros e perdas não é fixa. É possível ganhar ou perder percentualmente o mesmo número de mãos, mas a sua lucratividade ou prejuízo varia de uma forma totalmente diferente.

Outro exemplo é quando se tem uma trinca. Você sabe que flopará esse jogo cerca de 1 a cada 8 vezes que for na mão com um pocket pair. Porém, se nas sete vezes que não bater, você tiver pagado um grande raise pre-flop, e na vez que acertar, ter sido em um pote sem aumento antes do flop, com apostas modestas após, você acaba perdendo mais do que ganhou, apesar de ter feito jogadas EV positivas ao chamar os raises pre-flop.

Para chamar um raise pre-flop com um pocket pair em busca de uma trinca, dois critérios têm que estar presentes: o raise não deve representar mais que 10% do seu stack, o jogador que aumentou deve ter pelo menos 8 vezes mais fichas que o aumento dele sobrando no stack (porque quando você acertar sua trinca, uma vez em oito, precisará ganhar mais fichas do que pagou nas 7 vezes anteriores).

Não parece fácil de enxergar, mas vamos imaginar que eu joguei oito vezes com 4-4 e na última vez bateu a trinca:

Blinds 5/10 – Adversários com stacks entre 400 e 1000
1ª vez: raise de 45, call pré-flop, fold no flop
2ª vez: raise de 30, call pré-flop, fold no flop
3ª vez: raise de 25, call pré-flop, fold no flop
4ª vez: raise de 40, call pré-flop, fold no flop
5ª vez: raise de 30, call pré-flop, fold no flop
6ª vez: raise de 45, call pré-flop, fold no flop
7ª vez: raise de 35, call pré-flop, fold no flop
8ª vez: raise de 30, call pré-flop, bate a trinca. Dou check-raise e o adversário larga. Levo um pote de 150.

Como vocês podem reparar, gastei 250 pagando raises. Só que quando acertei a trinca, só ganhei 150. Estatisticamente, acertei o set na hora certa, só que não foi lucrativo.

Aí está o maior problema dos jogadores de cash games online, e o motivo de não serem lucrativos: não perceber que limit é jogo de freqüência, em que jogar com a matemática debaixo do braço é mais que uma vantagem, é uma necessidade! Entretanto, o no-limit é radicalmente diferente, não importa a frequência com que um evento aconteça ou que uma mão ganhe. O que importa é aprender a extrair muitas fichas quando você está ganhando e perder poucas quando estiver atrás.

Para ser um bom jogador de no-limit, uma das principais lições que se deve aprender é como apertar o botão de fold quando confrontado com apostas grandes se não tiver o nuts, ou mesmo certeza de que está ganhando. O principal “leak” da maioria dos jogadores não é saber ganhar mãos, mas sim, aprender a perdê-las: desistir na hora correta, evitar pagar value bets no river quando sabe que está perdendo, não ficar pagando apostas caras pra ver se o draw bate, etc.

No lado oposto, ser lucrativo demanda saber forçar os potes com grandes apostas e aplicar o conceito de “Leverage”, que expliquei na Edição Nº 2 da CardPlayer Brasil (Ago/07), e que pode ser lido diretamente em meu site: www.cardplayerbrasil.com/leobello ou www.leobello.com.br.

“Ok, Leo, entendi o conceito global, mas como aplicar na prática? O que posso fazer pra começar a ficar mais lucrativo no poker no-limit?” Em primeiro lugar, lembrar que em stakes mais baixos (NL50, NL100, NL200, NL400, NL600 e até NL1000), a frequência de blefes é menor, e que, normalmente, quando um jogador aparentemente sólido está puxando apostas, ou ainda pior, aplicando raises em você, a tendência é que ele realmente esteja com jogo. Eu me arriscaria a dizer que, se você largar quase 100% das vezes em que tomar um reraise no turn ou river, não estará deixando muito dinheiro na mesa para blefes. Dar fold poupa mais do que encontrar um blefe por trás do reraise em 5 a 10% das vezes.

Existe a preocupação de não ficar previsível. Mas acreditem, online, isto é muito difícil, pois a rotatividade dos jogadores é tão grande que, tirando os jogadores que realmente são regulares de um determinado nível em um site, poucos irão reparar sua tendência a não chamar reraise no turn ou no river. Por experiência, você estará perdendo pelo menos 90% das vezes que tomar um grande raise nas últimas streets. É claro que é preciso ter a sensibilidade para encontrar o jogador desesperado, que está blefando e queimando fichas. Nesse caso, você deve chamá-lo até com mãos inferiores. Mas, como regra geral, poupe o seu dinheiro.

Outro ponto que é muito importante é tomar cuidado pra não fazer overbets. Por outro lado, procure anotar os jogadores que dão overbets: eles costumam também chamá-las, então coloque pressão quando tiver um jogo forte.

Por último, algo que parece tão óbvio, mas que vejo pouquíssimos jogadores online praticando. Digamos que você tem U$1K online e poderia jogar, com habilidade semelhante, duas mesas simultâneas de NL400 ou quatro simultâneas de NL200, usando o mesmo capital: qual você escolheria?  O brasileiro tem o hábito de querer jogar mais caro. Com a bankroll sugerida, ele prefere jogar duas de NL400, ou até mesmo uma só de NL1000, quando o mais inteligente seria jogar quatro ou cinco mesas de NL200.

Isso se dá, em primeiro lugar, porque, jogando com stack menor em mais mesas com o mesmo capital, você dilui o seu risco e tem a chance de controlar melhor a variância. Um buy-in perdido em uma bad beat não lhe coloca pra fora do jogo. Você continua com as outras mesas, onde pode até mesmo recuperar o valor perdido dividido entre várias mesas.

Importante fazer uma ressalva: em termos de bankroll total, deve-se ter pelo menos 20 a 30 buy-ins do nível, ou seja, para NL200 é preciso ter um bank de U$4K a 6K. Para o exemplo, eu usei um valor limitado apenas para exemplificar que o brasileiro prefere jogar uma mesa de um nível mais alto, do que várias mais baixas, com a mesma grana. Esse comportamento é exatamente o oposto do que os grandes ganhadores de cash game aplicam no seu dia-a-dia.

Se você quiser, experimente um pouco do jogo limit. Verifique como a frequência e constância são mais importantes para ser lucrativo. Os ganhos são pequenos e constantes; em compensação, as perdas também são limitadas e toleráveis. Já o no-limit é uma montanha-russa, apesar de existir elementos que nos ajudam a nos manter subindo mais e tendo quedas suaves.

Antes de encerrar o artigo, gostaria de agradecer aos leitores que participaram da promoção “Aprendendo a Jogar Poker”. Fiquei muito satisfeito em ver as diversas frases enviadas, e foi um trabalho difícil escolher as 15 vencedoras. Parabéns a todos os participantes, e fiquem de olho no site para mais novidades em breve. Escrevi esse artigo a caminho de Las Vegas, onde participarei de alguns torneios como jogador do Bestpoker Team. Também irei cobrir a mesa final da WSOP 2009. No mês que vem trarei pra vocês novidades sobre esta viagem (espero que positivas).




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