Phil Hellmuth afirmou de maneira famosa: “Se não fosse pela sorte, eu ganharia de todos”. Eu pensei nessa citação recentemente, quando investi meu dinheiro e perdi o pote — e minha vida no torneio — contra alguém que não deveria (pelo menos matematicamente) pagar meu all-in. Parecia, para mim, naquele momento, que eu não fui vítima da sorte, mas da idiotice. Um adversário mais inteligente jamais teria comprometido seu dinheiro naquela situação.
Eu não estou me lamentando, pois sou mentalmente forte o suficiente para suportar esses baques, e também tenho a consciência tranqüila de que a péssima matemática de meu adversário eventualmente resultará em meu lucro. Mas eu não pude evitar sair da mesa do torneio pensando: Meu, que cara idiota. Eu fui além e gracejei com o diretor do torneio: “Por favor, não permita que idiotas joguem mais em seus torneios”. A isso ele respondeu (bem sucintamente, eu achei): “Mas nós não queremos banir você, Jayhawk”. De qualquer forma, logo eu me encontrei em um cash game em que uma mão interessante surgiu.
Eu tinha aumentado do under the gun com um par de ases, e alguém com J-9 tinha pagado. Em um flop com J-9-6, todo o dinheiro foi para o centro, e eu olhei para o dealer e disse: “Bem, eu acho que preciso de um seis”. Bam! Seis! Conforme eu tinha pedido. O cara do outro lado da mesa me encarou boquiaberto — com o mesmíssimo olhar que eu tinha lançado para o cara que havia pagado minha aposta e me eliminado do torneio. Eu quase conseguia ver o balão de pensamento acima da cabeça de meu adversário: Meu, que cara idiota.
Eu fui idiota? Eu não sei. Talvez um pouco. As apostas se deram de modo que eu podia colocar meu oponente razoavelmente em dois pares ou um draw, e optei pelo draw. Na realidade, eu estava filtrando a realidade através da esperança, como todo mundo faz quando tem um par de ases, com aquela sensação de merecimento. De qualquer modo, bom pagamento, mau pagamento, essa não é a questão. A questão é que, do ponto de vista do outro cara, eu definitivamente pareci um idiota e, portanto, ele poderia se considerar não uma vítima da má sorte, mas de minha jogada ruim. E essa é uma das verdades do poker (e possivelmente da vida): Não importa o que faça, você vai parecer um idiota para alguém em determinado momento.
Mike Caro certa vez escreveu que, no poker, todo mundo reveza o cometimento de erros, e que a chave para o sucesso é simplesmente passar sua vez. Mais fácil falar do que fazer, certo? Eu não conheço ninguém que jogue um poker perfeito (conheço algumas pessoas que alegam isso, mas elas são mentirosas). Mas eis uma constatação: Mesmo que você jogasse poker perfeito, eventualmente protagonizaria algo que lhe faria parecer tremendamente idiota para a vítima de sua jogada.
Digamos, por exemplo, que você esteja jogando no tipo de cash game em que vários jogadores entram de limp com qualquer coisa, mas depois desistem diante de um grande aumento. Tendo notado essa tendência, você resolve tentar capturar um pote aumentando do big blind com a mão “Boba” 6-2 de mesmo naipe. Essa é uma jogada idiota? Não se funcionar — e, nesse caso, você tem toda razão para acreditar que ela irá. Contudo — ops — dessa vez alguém paga. Ele tem A-J, e o flop de A-6-2 é um desastre previsível para a mão, o estoque e o estado mental dele. Todo o dinheiro vai para o meio da mesa e, quando a mão termina, ele não consegue parar de dizer o quanto você foi terrivelmente idiota por ter aumentado do big blind com 6-2.
E, mais tarde, quando ele contar a história aos amigos, todos eles vão concordar que você foi de uma burrice colossal que, fatalmente, vai acabar perdendo todas as suas fichas um dia, junto com, fatalmente, seu carro, dignidade e, provavelmente, cachorro da família. Quando você contar a história a seus amigos, porém, você não parece idiota de forma alguma. Eles podem lhe achar inconseqüente, mas de forma admirável: você aumentou do blind com uma mão fraca. Isso é jogar com coragem, baby. O interessante é que os amigos de todos estão certos — sob suas próprias perspectivas. E os amigos de todos estão cometendo o mesmo erro: eles estão olhando o resultado, julgando a qualidade da jogada com base no desfecho, o que é uma modalidade particular de idiotice. Veja, uma jogada é boa ou é ruim: resultados importam apenas porque permitimos.
Então, eu estava jogando em outro torneio, contra oponentes tão weak-tight que eu achei que poderia lucrativamente aumentar do UTG com 74o. Resumindo, flopei uma seqüência e dilapidei o estoque de um jogador. Você precisava ter visto os olhares ao redor da mesa: Meu, que cara idiota. Então eu me ajusto, certo? Espero por uma mão de verdade. Uma rodada depois, eu aumento do começo da mesa com um par de reis e um jogador em posição final aumenta. Eu sei que ele ainda está pensando naquele 7-4, então eu volto all-in e ele paga com A-9. Ele consegue um ás e me elimina, dizendo para a mesa: “Bem, eu sabia que ele estava fraco”. Fraco? Como assim? Um par de reis?
OK, então na minha versão da história eu armei lindamente contra ele, investi muito dinheiro, e tive má sorte: fazer o quê? Nessa versão da história, eu me comportei como um aventureiro irresponsável que foi além do que deveria com muita freqüência. Então, quem foi idiota? Eu, por ter colocado todas as minhas fichas no pote contra alguém que poderia ter sorte e me derrotar? Ou ele, por não acreditar que eu era capaz de, você sabe, ter uma mão de verdade? Não sou eu o juiz. Eu nem sequer acho que importe. Às vezes você vai jogar de maneira inteligente e parecer idiota. Apenas não confunda bons resultados com boa jogada, senão você estará prestando atenção somente no desfecho, o que não é uma boa idéia. ♠
John Vorhaus é autor da série de poker Killer Poker e do novo romance de poker Under the Gun, já nas livrarias. Ele mora no cyberespaço em vorza.com, e blogueia em somnifer.typepad.com. Foto de John Vorhaus: Gerard Brewer.