EDIÇÃO 15 » ESTRATÉGIAS E ANÁLISES

Jogando Segundo ‘O Livro’

A jogada correta depende de muitos fatores


Matt Lessinger

Eu recentemente disputei um Sunday Million (PokerStars, buy-in $215). Eu vinha me dando bem e mantendo um estoque acima da média de 19.000. Mas de repente perdi um grande confronto all-in contra um estoque levemente menor e, assim, fiquei com apenas 2.000. Os blinds eram de 300-600, e eu tinha apenas duas mãos antes de ser forçado a colocar o big blind.

A sabedoria convencional do poker afirma que eu devo ir all-in antes que o big blind chegue até mim, mesmo com uma mão lixo. Dessa maneira, eu ainda tenho "eqüidade de fold" — já que um aumento de 2.000 é grande o suficiente para desencorajar pagamentos, inclusive dos blinds — e eu posso evitar ficar short-stacked a ponto de, mesmo dobrando, não ser muito ajudado.

Em muitas situações, eu não acho que esse seria um mau conselho. Mas analisando mais de perto minha situação específica, eu acho que havia razões claras para não ir all-in com quaisquer duas cartas:

1. Meus oponentes acabaram de me ver perdendo um grande confronto all-in. Quando eu vejo alguém perder a maioria de suas fichas e indo all-in na mão seguinte, eu geralmente presumo que há uma boa chance de ele estar tiltado. Portanto, no meu caso, eu não queria ir all-in com lixo. Como eu já pareceria estar em tilt, eu sabia que alguém provavelmente pagaria com qualquer mão mais ou menos decente.
E, na verdade, minha “estratégia” não seria diferente do que se eu realmente estivesse tiltado! Caso eu planejasse ir all-in independente de minhas cartas, não importaria se meus motivos eram uma estratégia pré-planejada ou simplesmente um tilt. De qualquer forma, uma gama muito maior de mãos do que de costume pagaria minha aposta.

2. Mesmo que eu não tivesse acabado de perder uma grande mão, eu precisava dar algum crédito a meus oponentes de qualquer forma. Eles poderiam ver claramente que eu estava em uma situação desesperada. A sabedoria convencional do poker parece ignorar que os oponentes têm cérebros, e que são capazes de perceber quando você está short-stacked com o big blind se aproximando e, portanto, está mais propenso a ir all-in com uma mão fraca. Na minha experiência, eles em geral são inteligentes o suficiente para ser mais loose quanto às próprias exigências de call para mixar o jogo e usar mãos mais fracas do que o normal, sabem que sua mão pode ser ainda pior. Além disso, têm consciência de que mesmo que paguem e percam, seu estoque é tão pequeno que não os pode ferir muito.

Tenha em mente que, se eu recebesse qualquer coisa que parecesse uma mão, eu estaria preparado para correr riscos com ela. Mas, em vez disso, me deparei com 94o na primeira mão e J3o quando estava under the gun, então eu tinha de considerar os fatores que mencionei acima. Eu realmente achava que tinha uma eqüidade de fold e, portanto, preferi correr o risco com qualquer coisa que viesse no big blind, em vez de jogar com uma dessas duas mãos. Decidi ir contra a sabedoria convencional, pois pensei que meus oponentes eram espertos o suficiente para estar preparados para isso.

À medida que você sobe de limites, essa é a base de muitos ajustes que se deve fazer em seu jogo. Por exemplo, caso eu estivesse jogando em um torneio de $11 em vez do Sunday Million, eu poderia ter corrido o risco de ir all-in, esperando que meus oponentes não levassem em conta meu estoque e a situação, concentrando-se apenas nas próprias cartas. Mas em um torneio com muitos jogadores habilidosos, seria tolo pensar que eles teriam tão pouca consciência de minha situação desesperada. Em geral, "o livro" (aquele que contém estratégias de poker amplamente divulgadas como corretas) disse que eu deveria ir all-in com 9-4. Na realidade, o livro não estava jogando contra jogadores experientes, em sua maioria cientes do que disse o próprio livro.

Permita-me dar outro exemplo. Eu tenho um amigo que tem uma taxa de vitória incrível em low-limit hold’em. Uma de suas jogadas preferidas é tomar a iniciativa dos blinds em um pote sem raise com qualquer bordo que pareça não ter ajudado ninguém. Se o flop for 8-3-3, 7-2-2 ou algo do tipo, ele aposta 100% das vezes. Ocasionalmente, alguém terá acertado um top pair ou uma trinca, e ele descobre logo. Mas, na maioria das vezes, seus oponentes simplesmente desistem e deixam-no levar os $8 ou $12 do pote. Eles provavelmente jamais pensam duas vezes. Só que, no final das contas, meu amigo já ganhou milhares de dólares em potes desse tipo.

Essa poderia ser considerada uma jogada típica do "livro": blefar em um flop que possivelmente não deu um par ou um draw a ninguém (de fato, essa é literalmente uma jogada do livro, vez que discuto isso em meu Livro dos Blefes). Eu dou crédito a meu amigo por fazer isso bem, mas ele joga em limites baixos. Ele não dá muito crédito a seus oponentes, e geralmente não precisa dar. Mas assim que ele subir de limites, nós sabemos que ele sofrerá um severo baque caso não faça mudanças em sua estratégia.



Se ele tentar fazer a mesma jogada indiscriminadamente em limites altos ou mesmo médios, seus oponentes experientes saberão exatamente o que ele está fazendo. Eles podem permitir que ele faça isso aqui e ali, mas com muita freqüência vão reagir sem nada, sabendo que ele provavelmente também não tem nada em mãos. No geral, se ele fizer qualquer jogada indiscriminadamente ou com muita freqüência, seus oponentes logo irão perceber o que ele está fazendo e contra-atacar como devem. Afinal, eles também leram o livro. Em geral, o livro funciona muito bem, mas apenas contra oponentes que não o leram. Quanto mais alto você sobe na sala de aula, menos desses oponentes você verá.

O que eu quero dizer é que estou cansado de ouvir falar da jogada segundo o livro. A jogada correta em dada situação depende de muitos fatores, um dos quais é o nível de experiência de seus oponentes. Portanto, quando alguém me disser que você deve sempre ir all-in quando estiver short-stacked com os blinds se aproximando, ou que você deve sempre blefar em dada situação, eu direi que ele deve sempre estar jogando contra adversários bastante desatentos.

Caso contrário, eu jogaria o livro de volta na cara dele (risos).




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