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Festa do Povo! Entrevista exclusiva com o mais novo Campeão Mundial de Poker: André Akkari do Brasil

Quando o evento 43 da WSOP 2011 começou, uma multidão composta por 2.857 jogadores lotava os salões do Rio Hotel e Cassino. Entre os que pagaram o buy-in de $1.500 dólares estava André Akkari. Em meio aos altos e baixos de todo torneio com field gigantesco, suas fichas oscilaram, mas jamais desapareceram. Os dias se sucederam, a bolha estourou, a mesa final foi formada. Akkari continuava entre aqueles que ainda carregavam no peito a esperança do título. Chegou-se ao heads-up, e de pé continuava aquele corintiano do Tatuapé, agora apoiado por uma torcida de proporções inéditas na Série Mundial.


Bruno Nóbrega de Sousa

Não deu outra. O mais brasileiro dos jogadores superou o oponente americano em plena Las Vegas, e conquistou o tão sonhado bracelete de ouro.

Todos os detalhes dessa trajetória você confere agora, nessa entrevista exclusiva com o mais novo Campeão Mundial de Poker: André Akkari do Brasil.

 

Você ficou quase três meses longe do Brasil, numa espécie de “concentração” para a WSOP, trazendo inclusive sua família com você. Como foi sua rotina e sua preparação durante esse tempo?

Eu vim para Vegas faz dois meses e meio. Foi a primeira vez que não fiquei em hotel. Eu não aguentava mais ambiente de cassino, essas coisas, então a Maridu me indicou esse apartamento. Ela mora aqui nesse condomínio também. Aluguei por dois meses, joguei torneios no Aria e no Bellagio, depois fiquei quase duas semanas sem jogar, trabalhando mais a parte física. Eu corria no parque todo dia, jogava tênis, e por aí vai. Eu tentava viver uma vida mais perto o possível do normal, para tentar fazer bonito na WSOP. Graças a Deus, deu certo.

Fora essa questão da preparação, e de estar o tempo todo perto da família, que o deixou mais tranquilo para jogar, você foi “patrocinado” em uma grande quantidade de eventos nessa World Series. Como funcionou isso?

Inicialmente, meu plano era disputar pouco mais de dez eventos. Mas no PCA das Bahamas, no começo do ano, acabei recebendo uma proposta bem interessante de alguns patrocinadores. Os caras me ofereceram disputar 35 eventos, e eu ficaria com 34% do que ganhasse. Fiquei feliz porque, bem mais do que dinheiro, eu queria jogar muitos eventos: treinar, disputar cada vez mais eventos, coisa que nos outros anos eu não tive oportunidade de fazer. Essa foi a minha quarta World Series, e a terceira vez que participei do main event. Foi também a primeira vez que joguei “cavalado”, nunca tinha sido assim antes. Eu fiquei feliz com a proposta. Os caras têm uma energia boa, o que faz toda a diferença para mim. Se eles fossem uns “malas”, eu não iria querer fazer. Quando cheguei aqui, estava tudo preparado. Eles já tinham depositado o dinheiro para mim no cofre do Rio, todos os buy-ins já estavam feitos. Assim, fica tudo mais fácil. Você vai preparado para fazer a parada com calma, sem ter aquele perrengue de correr atrás de buy-in. Depois foi só festa. O mais legal é que eles ficaram, tipo, 0% felizes por causa do dinheiro. Essa grana não tem nada a ver para eles. Quando eu falei com os caras, eles estavam comemorando ao telefone. Foi quando percebi que era muito mais do que apenas dinheiro.

Mesmo com toda a preparação e com a tranquilidade em relação aos buy-ins, as coisas poderiam ter dado errado, afinal, o poker muitas vezes é ingrato. Para a disputa dessa World Series, você mudou alguma coisa no seu jeito de jogar?

Na verdade, eu já vinha num bom momento em torneios live. Minha carreira sempre foi muito focada no online: eu tive muitos resultados jogando na internet. Só que também tive resultados ao vivo, por mais que não aparecessem, porque não era bracelete, não era WPT nem LAPT. Mas eu sempre estive ali, na cara do gol, várias vezes, inclusive na World Series.

Quando fui jogar o LAPT do Peru, em que houve aquele incidente com meu pai, eu já vinha numa pegada muito boa de torneios live. Eu me sentia bastante confortável. Fui para Madri, joguei bem, cheguei com muitas fichas no Dia 2. Então, quando cheguei para essa WSOP, tinha feito vários ajustes do meu jogo, de postura, de estratégia etc. Eu estava com tudo meio esquematizado para dar certo.

O evento 43 teve mais de 2.500 jogadores inscritos, um dos maiores fields da World Series desse ano. Em se tratando de um evento tão longo, quais momentos você destacaria como cruciais para sua vitória?

O torneio começava com 4.500 fichas. No primeiro level, desci para duas mil e poucas. No segundo, fiquei pequeno. Aí dobrei duas vezes, fui para umas 6.000 fichas. Depois disso, não desci mais. Cheguei a ter 35 mil, mas perdi um all-in pré-flop no final do Dia 1 e caí para 17 mil. Eu tinha par de ases e o cara tinha ás-rei, mas ele acabou acertando um flush. Terminei o dia com 25 big blinds, nada desesperador.

No Dia 2, fui crescendo sem showdown. Não teve praticamente nenhum all-in pré-flop até o oitavo nível, quando tomei uma mega fatiada de QQ para 55 e bateu um cinco no river. Aí fiquei na casa dos 10 big blinds. O final do Dia 2 foi tenso. Fiquei manejando aquele stack e acabei indo all-in com KQ. O cara deu insta-call com par de dez, e veio a primeira mágica do torneio: flop AT2, turn 7, river J. Acertei a broca no river. Nesse momento, já havia uma galera lá torcendo. Voltei para uns 18 big blinds, caí para 13 big blinds de novo, e aí aconteceu a única bad beat que eu me lembro de ter dado no torneio. Empurrei do button com A 4 e o small blind veio por cima com A J. Restavam uns 60 ou 70 jogadores, e o cara tinha uns 60 big blinds. Ali azedou o molho. “Ferrou”, pensei. O flop veio 7 8 9. O cara ficou com broca e flush draw. Ele tinha o mundo inteiro para bater e segurar, mas vieram um 3 no turn e um 4 no river. Voltei para 23 big blinds ali, e fiquei sambando com aquilo ali até o final do Dia 2.

O Dia 3 começaria com blinds em 6.000-12.000. E eu tinha passado com 144 mil, ou seja, na casa dos 12 big blinds. Vim para casa tranquilo. Uma das coisas que mudou no meu jogo live foi que aprendi a aceitar o que tenho no momento. Não importa o que já tive, eu preciso trabalhar com o que tenho. Se eu tenho 12 big blinds, jogarei com isso e pronto. Eu precisava fazer o que era certo para aquele stack, e era isso o que eu faria. Eu estava animado porque faltavam só 18 caras, mas estava preocupado. Eu tinha de dobrar.

Começou o Dia 3 e, sei lá, parecia mágica. Tudo floriu. Eu já estourei a primeira mão com KJ e roubei o blind. Na terceira mão, o cara com mais de 1 milhão de fichas abriu raise de 29 mil do UTG+1. Voltei all-in de 160 mil com A Q. Ele pensou uma eternidade e pagou com 77. Ás no flop. Dobramos. Eu estava arrumando as fichas ainda, cerca de 400 mil, quando esse cara abriu raise de 29 mil de novo, agora do UTG. Quando eu olhei minha mão, A K. Fiz tudo 61 mil, ele pensou e voltou all-in. Paguei. Ele mostrou par de valetes, mas bateu um rei no flop e eu fui para 800 ou 900 mil, e só tuitando: “Dobramos!”, “Dobramos de novo!”. Na mão seguinte, eu recebi 44. O cara dessa vez estava no big blind com umas 200 mil fichas. Abri raise, ele estourou com KT. Dei call com o parzinho, ele segurou e eu eliminei o cara que tinha mais de um milhão de fichas. Nisso, a galera toda atrás de mim já, todo mundo na torcida, vibrando. Faltando 18 caras, eu nunca tinha tido um churrilho daqueles. Ali eu vi que iria ganhar. “Ninguém me tira isso mais. Vou ganhar de qualquer jeito”, pensei. Não falei para ninguém, mantive comigo, mas eu sabia que era ali [risos].

No heads-up decisivo, você entrou com uma desvantagem de quase 3-para-1 em fichas e conseguiu reverter a situação. Como foi isso?

Esse cara que fez o heads-up jogou comigo desde o Dia 2. A gente se enfrentou várias vezes. Não que ele fosse um jogador fraco, mas eu via que ele não estava preparado para aquilo tudo. Só que poker é poker, não adianta você ter mais condição se tudo conspira contra. Quando o heads-up começou, eu cheguei a empatar. Aí veio um KQ contra K2, que, se eu pego um cara bom, seria eliminado, mas ele era fraco nesse ponto. Eu consegui sobreviver com esse K2 num flop de K73. Ele deu check, eu apostei, ele deu call. Isso nas três streets. Tomei um susto. Dei uma overbet no river torcendo para ele pagar. Ele foi para 9 milhões e eu fiquei com 3 milhões.

No primeiro dia do heads-up, estava dando tudo certo para ele. Mas vi que, na habilidade, eu estava puxando. Cheguei a apostar por valor com o quarto par, um par de dez num bordo KQ3. Isso foi me dando ar. Eu sabia que, quando passasse esse momento dele, eu iria puxar. Aí acabou o terceiro dia. Foi bom. Na hora você não quer que acabe, quer decidir o heads-up ali mesmo. Mas pensando bem, foi bom porque, se ele continuasse acertando mais mãos do jeito que vinha acertando, não daria para mim. E tudo que ele acertava, eu acertava abaixo. Teve um flop com KQ3, eu tinha AQ, e ele, KJ. É complicado, num heads-up daqueles, você ficar acertando uma carta abaixo do cara.
 
Nessa reta final, a torcida brasileira estava ensandecida, como nunca se viu na World Series. Como você vê a importância de todo esse apoio para sua vitória?

Eu disse a Paula, minha esposa, várias vezes: “Eu me considero um cara criativo, mas se fosse para criar uma parada, eu não conseguiria imaginar uma coisa daquelas, do jeito que foi”. Quando começou a mesa final, a torcida já estava bizarra, mas em nenhum momento eles me tiraram a concentração. Parecia que quanto mais eles gritavam, mais focado eu ficava.

Quando restavam nove caras, a pressão da torcida era dividida. A galera não estava torcendo contra ninguém, e sim a meu favor. Isso aliviava a barra dos oponentes. Mas quando estávamos em três, eles sentiram a pegada.

Claro que houve momentos descontraídos, como as piadinhas sobre o nariz do cara [risos]. Mas isso era sempre quando o dealer estava embaralhando, jamais no meio da mão. A torcida brasileira foi 100% competente. Em nenhum momento, ninguém zoou o americano durante a mão, não falavam nada, não gritavam, nada. Coisa que a torcida dele, por menor que fosse, fazia. Várias vezes, enquanto eu estava pensando, os caras gritavam “fold, fold”. A galera do Brasil em nenhum momento fez isso. Era como no tênis.

Parte desse título é da galera. Ela fazia os caras errarem. No heads-up, teve um AT contra meu KK que o cara pagou. A torcida tem parte nisso. Ela sufocava o americano, que ia ficando vermelho, meio que pensando: “Vamos flipar duas, três vezes e acabar logo com isso”. Eu tenho para mim que aquele AT era o limite que ele daria fold se não tivesse a torcida.

No heads-up, a galera cantou a música do Senna, aquele tema da vitória. Nossa, me deu uma vontade de chorar. Os caras viram que eu estava ficando emocionado e passaram a cantar mais alto. Quase comecei a chorar no meio do heads-up. Depois eles começaram Aquarela do Brasil, aí quase chorei de novo. Mas o grande momento foi o da cravada mesmo, quando a galera entrou na área de jogo e começou a festejar.

Nisso, meu celular ainda estava em cima da mesa. Eu cliquei no refresh do Twitter e vi 3 mil mensagens, depois 6 mil, depois 8 mil. Meus amigos de São Paulo, uma galera que não tem nada a ver com poker, todo mundo me mandando mensagem. Foi surreal.

E agora, o que muda para você na sua carreira? E no poker brasileiro?
Para mim, é uma coisa que eu queria muito. Eu queria ganhar um evento grande, mas não para mostrar aos outros que ganhei, nem para provar qualquer coisa. A mudança de vida que consegui com esse esporte é a maior prova de que poker é habilidade. Em termos técnicos, não é um bracelete que vai fazer diferença. Vou continuar estudando, melhorando o que preciso melhorar e explorando meus pontos fortes. Agora, dentro do meu universo pessoal, de família, amigos, patrocinador etc., é fenomenal. Todo mundo que gosta de mim, que sabe que eu vivo disso, queria que eu cravasse a parada. Esse é o ponto que faz diferença para mim. Sem falar que isso vai para a minha história, para o resto da vida. É algo que vou poder mostrar aos meus netos.

Para o Brasil, acho que reforça a ideia de habilidade, de esporte mental. Mas é injusto dizer que eu sou o responsável. Tem uma galera batalhando pelo poker no dia-a-dia. É o caso de Igor Federal, sempre lutando na CBTH; de Christian Kruel e Raul Oliveira, que já jogavam quando eu ainda nem sabia o que era flop, turn e river; e também tem a galera do online, montando times.

Como Alê Gomes tinha sido o único brasileiro a ganhar bracelete até hoje, essa ideia de que poker é habilidade ficava muito no discurso. Essa vitória vem reforçar isso. Esse bracelete é mais um argumento a favor do poker.
 
Agora, como campeão mundial de poker, que recado você dá aos jogadores brasileiros que tanto torceram e se emocionaram com essa conquista?
Já consegui muita coisa na minha carreira. Eu não preciso ser hipócrita e dizer coisas como: “O título não é só meu, é nosso”. Mas, na realidade, o título é mesmo de todo mundo. É de quem acompanhou em casa, de quem estava ali torcendo do meu lado. A mente humana tem muito mais poder do que a gente imagina. Na minha cabeça, todos os que torceram me ajudaram, e muito. A maior alegria quem teve fui eu, claro, mas somando a alegria de todo mundo, fica maior do que a minha. Só tenho a agradecer a todo mundo.

Na World Series, a gente vê muita gente menosprezando o Brasil, mas naquele dia, os caras tiveram que nos engolir, tiveram que ver nossa bandeira no alto e ouvir nosso hino tocar. Foi um momento mágico, realmente inesquecível.




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