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Brasil crava bandeira na terra da bota

Felipe Mojave conta como foi sua brilhante participação no EPT de San Remo, onde conseguiu a melhor posição já conquistada por um brasileiro no Circuito Internacional.


Felipe Mojave

O European Poker Tour é o maior circuito de Poker do Mundo, é realmente o sonho de consumo de qualquer jogador (assim como o WSOP). Mas quando o assunto é EPT, não estamos falando de um field monstruoso, com milhares de qualifiers: é a nata do poker mundial que joga esse torneio e disputa com unhas e dentes o título de cada etapa. Vale dizer que a organização do evento é simplesmente impecável e a estrutura é muito boa também.

No dia 30 de março embarcamos para San Remo, na Itália, onde a etapa semi-final do EPT seria realizada. Além de mim e do José Bed, pelo BestPoker, os brasileiros na disputa desse evento foram Zidane e Marcos, vindos dos qualifiers do PokerStars, e Cinthia Escobar e Luiz Noal, que aplicaram seus bankrolls.

O evento foi disputado entre 1 e 5 de Abril, e teve buy-in de €5.000 – aproximadamente R$13.500. O anfitrião da festa era Luca Pagano, jogador e empresário do Poker na Itália, que também foi uns dos 701 jogadores que participaram do torneio. Entre outras feras do Poker mundial, vale ressaltar a presença de Daniel Negreanu, Noah Boeken, Vanessa Rousso, Todd Brunson, Isabelle Mercier, Katja Thater, Dario Minieri, Raymond Rahme, Isaac Baron, Steve Zolotow, Liz Lieu, William Thorson, Tom McEvoy e muitos outros.

O prize pool foi de €3.195.860, ou cerca de R$8.630.000,00, tornando-se uma das maiores etapas regulares da história do EPT e o maior torneio já realizado na terra da bota.

Mas vamos ao que interessa, que com certeza é a ficha no pano! Action!

O torneio tinha a estrutura de 10k fichas, com blinds subindo a cada 60 minutos, sendo disputados nove níveis por dia.

Dias 1-A e 1-B
No primeiro dia de disputa, Rodrigo Zidane, grande e conhecido jogador de Hold’em de São Paulo, teve uma boa participação, mas, infelizmente, não conseguiu se classificar para o dia seguinte, pois o baralho acabou atrapalhando muito o seu desempenho e não foi possível evoluir em fichas para suportar os blinds. No dia 1-B, Cinthia e Bed também não conseguiram a classificação, sendo que a musa do poker nacional também reclamou muito do baralho, foldando sucessivos AA e KK no river em grandes potes, quando parecia estar perdendo a mão. Já José Bed teve um belo início de torneio, acertando uma quadra de 44 sobre um Full House de KK e terminou o 1º intervalo com 24k fichas, enquanto eu tinha 7k (com média 10,7k). Depois do intervalo, Bed não conseguiu encaixar seu jogo e acabou sendo eliminado numa disputa agressiva contra um jogador dinamarquês que pagou uma pesada aposta do brasileiro no river. O curitibano Marcos (gente finíssima, grande parceiro nosso na Itália), qualificado pelo PokerStars, se classificou abaixo da média em fichas para o 2º Dia – um belíssimo resultado, considerando que ele quase não joga ao vivo –, quando então foi eliminado, após uma disputa de A5 x 33.

Eu cheguei muito tranqüilo para disputar o torneio, mas sabia que era preciso beliscar um bom resultado. Assim é a vida de todo jogador de poker, principalmente os patrocinados, que precisam mostrar resultados e consistência.

Estava consciente de que a tarefa seria árdua. Meu início de torneio foi bastante atrapalhado, basicamente por causa de uma grande bad beat. Subi do UTG com JJ e o big blind dá call – ele tinha perdido 2,5k nas primeiras mãos, do stack inicial de 10k. No flop vem J-T-5, com duas cartas de copas (única trinca que acertei no torneio todo, contra todas as estatísticas do baralho!). Ele pede mesa e eu aposto 300. O cara me volta 1.200 e eu devolvo a gentileza com um reraise de 3.000. Ele pensa por alguns minutos e volta all-In. Dei insta-call. Ele abre A7 de copas, e no turn vem outra carta de copas e o river não dobra. Caí pra 2,5k. Logo depois, no segundo nível de blinds, entro dando um reraise com AKs e o cara me volta all-in. Penso bastante e dou call: AK x QQ. Bate um K no flop e volto para 5k. Muita emoção para um começo de disputa, não acham? (lol).

Daí para frente, fiz um torneio muito sólido. Não senti o peso de jogar contra as feras internacionais, aliás, eliminei várias delas – pressão mesmo era saber que o Brasil tinha parado para me assistir, isso sim!
Fui me adaptando e encontrando o meu jogo frente aos adversários. Encarar a galera da Europa não é fácil, o estilo deles é muito diferente e o nível é absurdamente forte. Os italianos, em sua grande maioria, não têm noção alguma de apostas e odds, e isso me irritava e me confundia demais; já os franceses se comprometiam com qualquer draw. Fui ficando mais tranqüilo ao longo do tempo e o jogo fluiu naturalmente.

Ao final do Dia 1 acertei um belíssimo blefe, que me rendeu 17.700 fichas para passar para o Dia 2 com uma média de 27 mil. Subo pré-flop e um holandês dá call com A9s em posição. Flop Q-Q-9. Ele sai apostando muito forte, dando a entender que ele não tinha a Q e estava com um par na mão, ou acertado o 9. Instantaneamente, voltei all-in com 88. Depois de pensar muito, ele larga e mostra A9. Eu mostro 88 e digo: “Muita ficha pra você pagar, não é?” Da maneira como eu estava jogando, ficou mais fácil aplicar esse move, pois não demonstrei ter necessariamente uma Dama, mas sim que eu sabia que ele não tinha a Dama e eu poderia muito bem estar com um par maior do que 9.

Dia 2
No dia 2 dobrei logo na segunda mão, bastante agressiva. Sou Big Blind e um belga sobe no meu blind. Faço uma onda e volto all-in com 44. Depois de muito pensar, ele dá call de AKs e nada bate. Logo depois eliminei esse mesmo Belga, com o mesmo 44 x JJ, acertando um flush com quatro cartas de ouros no bordo.  Depois da onda de bons fluidos, perdi várias mãos e all-ins pré-flop contra short stacks, como AJs x KJo, AA x 22, TT x 98 e por aí vai, sendo que a quantidade de mãos que ganhei por baixo foram muito pequenas se comparadas às que perdi por cima, o que me mantinha com um stack médio e um pouco abaixo da média. É claro que num torneio desse porte você vai encarar situações de engate obrigatório, seja por cima ou por baixo, por questões de odds, stack etc. Se esse índice lhe favorece, com certeza você consegue andar acima do average. Do contrário, a batalha é para se manter vivo no jogo. E nessa história de sobreviver, foldei AQs duas vezes seguidas: uma contra um holandês muito tight e a outra contra um reraise all-in de Isaac Baron, o “WestmenloAA”, que estavam botando pressão na bolha para o ITM. O holandês tinha JJ, e Isaac, AK – dois belos folds que me mantiveram vivo na briga. Logo depois, o diretor do torneio anuncia a queda do 73º jogador. Quem tinha chegado até ali estava ITM, faturando €5.700, mais ou menos R$15.000 – primeiro objetivo alcançado. Pensei com meus botões: “agora é descer o braço mais do que nunca e correr pra dobrar antes de ficar com o stack muito pequeno”.

Foi então que acertei um call precioso contra um alemão, o que dobrou minhas fichas. Ele completa do SB e eu dou check com T5o. No flop T-8-7, ele aposta 5k e eu pago. Bate um 3 no turn e ele aposta 10k. Depois de pensar bastante, dou call. Vira um A no river. Ele demora a falar, mas dá bet de 25k, me colocando em all-in (tinha 32k para trás). Depois de refletir por um momento, decidi dar call, pois o A não influenciava o bordo em absolutamente nada e levando em que conta que ele, se estivesse com um A, teria dado raise pré-flop (eu já conhecida bem o estilo “atirador” dele, visto que tínhamos jogado o tempo todo na mesma mesa, lado a lado). Ele tinha 56o num straight-draw que não entrou. Busted! Maravilha!
Logo depois eliminei Liz Lieu. Voltei all-in do BB com QQ, contra um raise em posição que ela aplicou com A8. Julgando ser mais um move meu, ela deu call. Isso ajudou muito a construir meu perfil nessa hora, pois estava numa fase bem agressiva pós-ITM, acelerando bastante e indo ao showdown com 75% das combinações do range de mãos jogáveis. O flop vem muito tenso, com duas cartas de paus, mas, aos berros de Cinthia Escobar (parceirassa), o dealer crava duas cartas vermelhas baixas e eu puxo um belo pote no final do Dia 2.

Dia 3
No começo do Dia 3, com apenas 31 jogadores na disputa e o torneio inteiro sendo coberto ao vivo pelo broadcast do EPT, com imagens em tempo real via internet, voltei all-in com JJ num reraise que sofri pré-flop, e os “Jacks” seguraram contra TT. Nessa fase eu já estava jogando bem seguro, com um jogo muito mais sólido, visto que muita gente acabou me considerando um jogador tight, assim como outros me classificaram como equilibrado – acho que consegui mixar bem o jogo. Depois de me envolver num multi-pote, acertei um flush no river contra William Thorson, o que me levou para 520k fichas. Um AA, jogado de forma muito cautelosa contra Eric Koskas, me rendeu mais algumas fichas para a mesa semi-final do EPT.

Quando fui movido para a mesa da TV, puxei um bom pote dando reraise sobre Koskas e Lellouche. Logo depois, foldei um 99 contra um all-in de Koskas, que mostrou T9s. Com base no perfil dele, eu realmente sabia que essa jogada seria possível, mas, se ele tivesse se lembrado de que a única mão que joguei contra ele na outra mesa, há algumas horas, tinha sido um AA, ele poderia ter se controlado e agido com mais prudência. Acreditei que ele tivesse um bom jogo, sem contar que me restaria 500k em fichas e seria totalmente desnecessário entrar num possível coin flip. Ele pode até jogar com a sorte, eu não.

Desnecessária também foi a guerra de SB x BB contra Lellouche, em que perdi 350k em fichas. Como eu conhecia seu perfil, depois de muito tempo e várias mãos jogadas contra ele, acreditei que seria correto o call de mais 200k fichas no river, sendo que eu tinha top pair sem kicker. Infelizmente eu estava enganado, pois Lellouche tinha dois pares. Negreanu era o comentarista da mesa da TV; ele disse que o call parecia correto e comum, mas não foi o suficiente.

Short stack, resolvi mover all-in com 66, contra um raise de Lellouche em posição, cujo range poderia me deixar em situação de 70-30% à frente (ou até melhor) para tentar dobrar. Para minha infelicidade, ele abre 77 e dou adeus ao EPT de San Remo na 13ª posicão. Se ele estivesse com quaisquer figuras ou overcards eu teria dobrado, mas não vamos chorar sobre o leite derramado. O Brasil inteiro chamou esse 6! Recebi muitos comentários sobre isso e sei que é a mais pura verdade. O torneio não me permitiu cometer qualquer erro depois de três dias de disputa e de uma guerra emocional muito grande (aliada à estratégia de masterfield que eu fui pegando ao analisar o jogo de outros jogadores), na qual eu levava desvantagem óbvia. Muito simples a análise: quando errei, fui eliminado.

Resumo da ópera
No meu primeiro EPT, consegui cravar o melhor resultado da história de um brasileiro no evento. Isso me fez esquecer a derrota e comemorar a conquista. A tarefa de enfrentar 701 dos melhores jogadores do mundo e conseguir chegar perto da mesa final é muito complicada. Depois de vários erros e acertos, a sensação é de missão cumprida.

Esse resultado abriu as portas do mundo não só para mim, mas também para todos os brasucas! Muita gente veio me entrevistar e saber mais sobre o poker brasileiro – tenho certeza de que vão prestar mais atenção aos nossos passos a partir de agora. Muitos vieram falar do LAPT (Latin America Poker Tour) que terá sua 1º edição no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Em nome da nação verde-e-amarela, fiz questão de convidar a todos que me abordaram para conhecer nosso país e, claro sofrer um pouquinho na mesa contra a brasucada! (lol)

Gostaria de agradecer muito à comunidade brasileira do poker que torceu por mim. Mensagens, ligações, gritos, brigas com o chefe no trabalho, chá-da-tarde com poker na TV e tudo mais: parecia até Final de Copa do Mundo! Agradeço principalmente ao Bestpoker, que acreditou em mim e investiu muito dinheiro na esperança de obter um retorno no mercado nacional. Pois bem, está aí o nome do Bestpoker para todo mundo ver. Vale a pena conhecer esse excelente site, que é sério e comprometido com o crescimento do poker brasileiro.

Foi muito bom conseguir mostrar meu potencial com um resultado tão cedo. Espero continuar evoluindo para, quem sabe, alçar vôos maiores. Estou muito contente com tudo, inclusive com a análise dos profissionais internacionais sobre o meu jogo, mas sei que preciso continuar trabalhando duro. Tenham certeza de que fiz o meu melhor para representar todos vocês a cada mão jogada: se fomos tão longe, foi por causa disso.

Sergio Prado, da ESPN, ressaltou que eu escrevi mais uma página da história do poker brasileiro. Pelo desempenho em si eu até concordo, mas o resultado global dessa conquista vai além: ela torna nosso esporte bem maior do que antes. A galera parou para me assistir na mesa da TV – ninguém mais trabalhava naquela tarde de sexta-feira. E é essa torcida, essa união e amor pelo poker, que faz o nosso esporte crescer cada vez mais. Por isso, para o Brasil, essa é uma conquista mais do que merecida. Aqui tem futebol, carnaval, caipirinha e feijoada, mas há um ingrediente que não é novidade para nós: poker de qualidade! E se era novidade para os gringos, agora deixou de ser.

Grande abraço! 
Felipe ‘Mojave’ Ramos




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