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No Topo do Mundo: Yuri Martins Conquista a Maior Premiação do Poker Online Brasileiro


Marcelo Souza
“Um cara extremamente disciplinado e que não erra”. Foi com essa frase que Marcos Sketch, um dos maiores “olheiros” do poker brasileiro, definiu Yuri “theNERDguy” Martins em 2011, em entrevista concedida à Card Player Brasil. Pouco mais de três anos depois, Yuri alcançou o topo do mundo.

No último mês de setembro, Yuri foi o responsável pelo maior feito da história do poker online brasileiro. Naquele que é considerado o torneio de poker online mais difícil do mundo, ele chegou ao heads-up e levou uma premiação de US$ 708.000 (cerca de R$ 1,8 milhão). O torneio? O Main Event de US$ 5.200 da principal série de torneios da internet, o World Championship of Online Poker (WCOOP). Os adversários? 2.141 dos melhores jogadores de poker do mundo, incluindo nomes como Akkari, Negreanu e “Isildur1”.
 
Hoje, o curitibano ocupa o primeiro lugar no ranking mais conceituado de poker online do mundo, do site PocketFives, e se melhor ou pior são conceitos relativos no poker, no momento, ninguém tem jogado “o fino do poker” como ele. 
 
Marcelo Souza: Você apareceu para o Brasil no 4Bet Team, time que formou alguns dos grandes nomes do poker nacional. Como foi sua experiência por lá?

Yuri Martins: Eu já jogava poker profissionalmente. Por falta de maturidade, eu lidei bem com o dinheiro e acabei quebrando. Nessa época, pedi o “Tuba”, um amigo meu que era do 4Bet, para ele me indicar e acabou dando certo.

A gratidão que tenho por aqueles caras é imensa. Minha evolução foi incrível. Logo no início, lucrei mais de 30 mil dólares, mas então veio a fase ruim e fiquei no zero a zero. Só que isso não podia acontecer. Eu tinha que pagar as minhas coisas e pensei seriamente em largar o poker. Cheguei nos donos do time (Sketch, Will Arruda e Caio Brites) e avisei que não dava mais, que o poker era incerto demais. Bom, eles não me deixaram sair, me ofereceram um salário fixo por mês — eu teria que pagar de volta depois, mas teria segurança para jogar. Logo na primeira semana desse novo acordo, eu venci $162 Multi-Entry do antigo Full Tilt, o que me rendeu 40 mil dólares. Aquele foi um período essencial para mim. Aprendi o significado de ser um grinder, um profissional. 

MS: Para você, qual é verdadeira realidade em ser um jogador de poker?

YM: As pessoas costumam ter uma visão errada. Eu sinto que elas acham que alcancei meus resultados facilmente. Mas quem está comigo, quem joga todos os dias ao meu lado, sabe como é difícil. Esse resultado no WCOOP foi algo surreal, mas só quem me acompanhou diariamente sabe como apenhei durante o mês. Veja bem, eu não estou reclamando, mas antes daquele Main Event, a série tinha sido desanimadora. Sinto que estou na minha melhor fase técnica e mental, mas quando você trabalha tanto por uma coisa, espera o resultado e ele não vem, é frustrante. O ser humano é assim, né? E o poker tem uma variância gigante. Tudo no seu tempo. Obviamente, a vida de profissional tem o seu lado bom, as viagens, fazer o que gosta, mas o esforço é homérico, e quando falamos de torneio, temos que lidar com a derrota diariamente, afinal, você só vai entrar no dinheiro cerca de 15% das vezes. É preciso reconhecer mais o trabalho do jogador de poker, não apenas as vitórias.
 
MS: Você também já ganhou notoriedade no poker ao vivo. Quais são as principais diferenças e sentimentos do ao vivo para o online?
 
YM: O poker ao vivo é muito mais fácil. O que o torna mais desafiador são as horas de jogo e a impossibilidade de jogar múltiplas mesas. Jogar uma mesa só é muito entediante. Tecnicamente falando, é mais fácil, mas ficar ali por 12 horas, por dias seguidos, jogando apenas uma mesa, é para poucos. É muito desafiador. Por isso, eu tiro chapéu para quem crava um grande torneio ao vivo, como um Main Event da WSOP. A maratona é absurdamente cansativa.

Obviamente, ao vivo, uma bad beat também tende a ser mais doída, justamente pelas horas que você gastou apenas naquele torneio, naquela mesa. Lembro que a quando fui bolha do Main Event da WSOP 2013, eu saí meio desnorteado.

MS: Há alguns meses, você pediu para que nós não mais publicássemos seus resultados em nosso site. Qual foi o motivo?

YM: Eu pedi isso porque é uma exposição muito grande. Por exemplo, tem pessoas que você sabe que são milionários, mas, com algumas exceções, você nunca sabe quanto o cara ganha exatamente. É uma questão de segurança também. A gente sabe que tem muita gente ruim por aí.

MS: Isso não prejudica a sua imagem?

YM: Depois de pensar muito, conversar com alguns amigos, eu percebi que isso não era o principal para mim. Como disse meu amigo e jogador Rodrigo “Seiji”, há duas maneiras de você ser patrocinado: ou você cuida muito bem da sua imagem ou você é um cara muito bom no jogo. E se for para eu ser patrocinado um dia, que seja pela segunda opção. Porque eu acho que o Brasil já está muito bem representado por caras que cuidam muito bem da imagem, como o Akkari, o Pessagno. Eles trabalham a imagem deles muito bem. Eu não me importo tanto com isso porque não quero ficar ali batendo de frente com caras que construíram tanta coisa trabalhando esse lado. Eu prefiro estudar, estudar e estudar cada dia mais, com o foco apenas em ser o melhor. 

MS: Antes do WCOOP, você estava focado em cash games de Omaha. Como foi essa transição? Por que deixar de lado os torneios? 

YM: Eu comecei a jogar cash game de Omaha por alguns motivos. Primeiro porque gosto de estudar outras modalidades de poker. Para quem quer ser o melhor, é aprender outras variantes. De alguma forma, você verá que tudo é complementar. 

O Omaha foi a terceira modalidade que comecei a estudar — e eu me encantei com o jogo. É realmente fascinante e não nos deixa limitado como os torneio online, até mesmo financeiramente falando. Para você ganhar muito dinheiro em torneios online, sem acertar um big hit, você tem que ter fases muito boas, o que faz com que a sorte influencie mais do que o normal. E isso não é legal. Percebi que no Omaha, se eu estudasse muito, eu não teria limites. Os jogadores que mais ganham dinheiro no mundo, jogam lá. Eu olhava aquilo e via que era o que eu queria para mim. Depois de anos jogando torneio, eu estava começando a me sentir limitado. Sem contar que, nos cash games, você pode ganhar mais e ter uma qualidade de vida melhor. Você pode começar e parar quando quiser. Em torneios, caso esteja jogando mal, não dá para simplesmente ficar sitting out e parar de jogar.

MS: Então o WCOOP foi a sua despedida dos torneios? 

YM: Era pra ser. Porém, junto com os resultados que eu tive no final de semana do WCOOP, eu fui para liderança no ranking do PocketFives. Isso me motivou a pelo terminar o ano no topo. Eu quero terminar o ano como o melhor do mundo. A verdade é que eu estava em um ritmo lento, em relação aos torneios, jogando uma ou duas vezes na semana. Mas agora, que estou em primeiro, estou com um novo ânimo. Então, até o final do ano, o pessoal vai poder me ver em ação nos torneios regulares. Mas depois disso, a dedicação será total aos cash games de Omaha.

MS: E a caminhada até o vice-campeonato do WCOOP, como foi?

YM: Foi engraçado porque no Dia 1, no domingo, eu não estava prestando tanta atenção como eu deveria (risos). Eu estava focado, como sempre jogo, mas era apenas mais uma mesa no meio de tantas. Manter o foco jogando muitas mesas, acredito que é uma qualidade grande minha. Então, mesmo tendo torneios muito importantes para jogar no dia, gosto de abrir vários torneios. A questão é que a reta final do The Big 162 é bastante difícil e requer bastante atenção. Então, o Main Event ficou meio de lado. Foi engraçado, porque quando venci o The Big 162 e voltei minha atenção para Main Event, eu vi que tinha 100 big blinds. Fui voltando as mãos e vi como cheguei naquele stack, sem showdown e jogando muito bem. Para o Dia 2, achei estranho, porque a galera estava criando uma expectativa sinistra, até meus pais. Tudo bem que era um torneio que pagava quase US$ 2 milhões para o campeão, mas ainda restavam quase 300 jogadores, quero dizer, o caminho ainda era longo.

MS: Em qual momento você percebeu que dava para chegar?

YM: Na verdade, foram dois. Um deles foi uma mão muito grande que eu ganhei um pote de quase 100 big blinds, no Dia 2. Eu tenho A-K e aplico uma 4-bet, o cara vai all-in KQ e eu dou call. O flop já traz uma Dama. Aí olhei para tela e pensei: “Sério mesmo? Joguei tão focado para acontecer isso...”, mas o turn traz um A, que deixa o cara flush draw. Minha cabeça foi a mil. Acabou que segurou e eu vi que era um sinal.

O outro momento foi quando o Luciano, meu cavalo, passou na minha casa para dar boa sorte. Quando ele estava lá, aconteceram umas jogadas bizarras. Caras que, teoricamente, são muito bons fazendo umas jogadas ruins. Poxa, se aqueles caras estavam jogando daquele jeito, então minhas chances era muito boas. Antes de ir embora, o Luciano ainda me falou: “Velho, hoje é o dia de você provar”. O resto é história.

MS: Fale um pouco sobre o acordo com seis jogadores na mesa final.

YM: Os stacks estavam meio parecidos. Só o cara que cravou que estava bem maior e todos jogavam decentemente. O acordo por ICM sempre vai ser o mais justo, mas, sinceramente, não entendendo muito bem de acordos. Já fiz vários, mas não sou especialista, não sei o que falar na hora. Aí pedi ajuda pro Sketch e para o Will [do 4Bet]. Perguntei se podiam entrar no áudio comigo e me ajudar. Bom, eu nunca olho as premiações quando estou jogando, até para não me deixar influenciar, mas nessa hora tive que olhar as premiações? Quando vi, pensei: “Meu Deus. É Muito dinheiro né?” (risos). Eles me ajudaram muito. Me falaram que por eu ser um dos shorts, não tinha muito o que dizer naquele momento: “Cara, não leve pro ego e não cause brigas porque isso só vai atrapalhar. Deixa os grandes ‘brigarem’ um pouco e depois nos posicionamos”, me disseram. Acabou que abri mão de US$ 7 mil do primeiro acordo proposto. Como o Sketch disse, não era muita coisa. Sete mil de 708 mil era menos de 1% (a premiação para o sexto era pouco mais de US$ 200 mil). Então por que entrar em uma guerra de ego se eu já teria garantido um dinheiro que mudaria a minha vida? Aí fechamos o acordo.

MS: Teve gente que criticou o acordo entre seis jogadores, até mesmo alguns nomes famosos do meio. O que você pensa sobre isso?

YM: Bom, acredito que se fosse algum deles no meu lugar, eles também fariam. Esse é um torneio que não tem longo prazo. Você joga contra os melhores, em um field gigante. Se chegar àquela posição, provavelmente, será apenas uma vez na vida. Então vou deixar de garantir R$ 1,2 milhão a mais por causa de ego? Se esse dinheiro não faz diferença para alguém, para mim, faz — e muito (risos).

MS: Você tem algum desejo especial dentro do poker, como jogar um torneio como The Big One (buy-in de US$ 1 milhão)?

YM: Sinceramente, não. Os caras que têm essa coisa na cabeça, de jogar torneios com buy-in de seis ou sete dígitos, são caras que têm o ego inflado. A minha ambição é muito mais jogar os chamados “Championships” da World Series, aqueles torneios de 10 mil dólares de Omaha, Stud etc. Modalidades que tenho estudado, mas ainda tenho que aprimorar mais.

MS: Então quais são os planos para o futuro?

YM: Por estar em primeiro no ranking do PocketFives, vou jogar torneios até o final do ano. Depois, pretendo subir de limites no cash game. Atualmente, eu jogo de $2-$5 até $10-$20. Não jogo regularmente o $10-$20, mas a minha intenção é fazê-lo e subir até o $25-$50 e $50-$100. Óbvio que isso vai demandar tempo. Lá estão os melhores do mundo e não é de uma hora pra outra que eu vou poder subir assim. Existem várias histórias de pessoas que tentaram subir de uma vez e quebraram. Vou com calma.

MS: Alguma mensagem final?

YM: Queria deixar uma mensagem para a galera que leva ou quer levar o poker a sério, algo que eu sempre levei comigo como filosofia. O poker é uma profissão maravilhosa se você se dedicar horas e horas, todos os dias. Se não fizer isso, você será mais uma dessas pessoas frustradas que têm aquele pensamento: “por que ele chegou ali e eu não?” As pessoas olham muito para os resultados dos outros e uma dica que eu deixo é: esqueça isso. “Ah, esse cara é bem pior do que eu e cravou o Sunday Million”, você pode pensar. Oras, que isso então sirva de incentivo. Se ele é pior que você e cravou um Sunday Million, imagine então o que você é capaz de fazer? Acho que devemos sempre ficar focados nos nossos objetivos. Se a pessoa quer realmente quer ser o melhor em algo, não deve olhar para os lados. As pessoas costumam vir me falar: “Nossa, você viu quem cravou tal torneio?” Cara, eu não estou preocupado com isso, eu estou preocupado com o que eu cravei. Mantenha sempre isso em mente e acredite em você mesmo.
 
Fotos e foto de capa: Charles Northrup - GrupoVFX
 



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