EDIÇÃO 7 » COLUNA NACIONAL

Parecem iniciantes

mas as aparências enganam


Igor Federal

Sempre que assisto aos torneios ou cash games de valores muito altos (realmente altos), em que jogadores reconhecidos, renomados, vencedores e extremamente lucrativos se enfrentam, sempre tenho a impressão de que os iniciantes vão ficar confusos ou chegar a conclusões erradas.

Tentarei me explicar melhor!

Quando os profissionais se enfrentam, aos olhos de quem não joga poker nesse nível, eles parecem iniciantes fazendo uma besteira atrás da outra.

É um tal de call de TT com K-Q-5-4-2 no bordo (será que essa mula não viu o Rei e a Dama na mesa?). Depois alguém paga all-in de top pair, mesmo com um claro flush no bordo (até o mais banal dos amadores poderia prever o flush, como esse profissional não viu?). Em seguida dão call de top pair e kicker baixo, outro enfia all-in sem nada e outro paga de Ace high (só tem louco?!). Um dá raise de 3 vezes o blind, outro volta reraise de 9 vezes e um terceiro empurra all-in em cima disso tudo e, se alguém paga, ele mostra ridículos 78 off suited. Meu Deus, nem os piores iniciantes fariam movimentos assim.

Bom, mas se os campeões fazem, então é assim que eu devo me comportar, certo? Errado.

Conclusões como estas só levam os novatos a agir de forma equivocada, e retroceder no nível dos seus jogos. Poker não é assim.

Se esses mesmos profissionais estivessem enfrentando iniciantes, jogariam de forma completamente diferente. Esperariam, pacientes, uma chance para dobrar em cima do erro do adversário. Seus inexperientes oponentes certamente errariam, mais cedo ou mais tarde, e pode ter certeza de que o profissional estaria prontinho para se aproveitar disso.

Entre jogadores de altíssimo nível, dificilmente há erro. O que existe é a indução ao erro, a simulação de jogo, a leitura complexa e avançada, a pressão psicológica e monetária.

Eles jogam em outro patamar. Aproveitam qualquer chance de fazer seus adversários largarem uma mão melhor – são mestres nessa arte. Parecem iniciantes fazendo besteira, mas no fundo sabem exatamente como proceder.

Constantemente eles tentam roubar um pote sem nada, portanto, com freqüência você vai ver alguém dando call com par de três, mesmo com cinco cartas maiores que a sua no bordo. Eles percebem que o adversário de alto nível pode estar tentando passar um blefe. É difícil de explicar num artigo, mas muitas vezes um par de três é tão seguro quando uma trinca de reis.

Vou tentar dar um exemplo rápido.

Eu tenho 33. Um jogador de alto nível me dá raise e eu pago em posição. O flop vem K-6-7. O cara aposta pesado e eu pago. No turn bate um 8. Ele aposta mais pesado ainda e eu continuo dando call. No river bate um 5 e ele vai de all-in. Easy fold?  NUNCA! Mesmo tendo 33.

Partindo do princípio de que meu adversário é um grande jogador, se ele tivesse AK, pararia de apostar no river. Afinal, com K-5-6-7-8 na mesa e vendo que paguei todas as suas apostas desde o início, ele certamente só daria check.
Sem contar que eu poderia ter trincado no flop e estar só cozinhando em boa posição. Mesmo com uma trinca no K ele só pediria mesa, com medo da clara seqüência, e apenas pagaria minha aposta no river – jamais daria all-in.

Se ele tivesse AA, a mesma coisa. Para um jogador de alto nível, não faz sentido ir de all-in num bordo desses. Ele só seria pago perdendo, e não ganharia mais nada se estivesse ganhando. É o que a gente chama de “aposta sem valor”, algo que os grandes jogadores não fazem.

Então, com que cartas ele agiria dessa forma? Na minha opinião, considerando o all-in no final, só vejo duas possibilidades:

a) 99 (ou improváveis 9T). Testou no flop, mesmo com o K na mesa. Depois ficou pelo straight draw no turn e apostou mais pesado ainda. Então acertou a seqüência no river e está tentando maximizar o ganho nesta mão, por isso o all-in.

b) Sem nada. Absolutamente nada. Um blefe Homérico tentando levar a mão com um AQ, por exemplo.

Não vejo outra mão que justificasse essa seqüência de ações e apostas. Com qualquer outra, ele não iria de all-in no river.

Portanto, se eu estivesse trincado no K, ou somente com um mísero par de três, ficaria na mesma situação. Em ambos os casos eu ganharia do blefe e perderia para seqüência, não faria diferença. Daí você vê um call de 33 e pensa, “que call!” – Lindo para uns, estranho para outros e ridículo para muitos.

Poker de alto nível é assim: os grandes jogadores parecem iniciantes, mas sabem exatamente o que estão fazendo. Não pense que eles são imbecis sortudos. Não chegue a conclusões erradas nem tente imitá-los até saber exatamente o que está fazendo.

Eles parecem iniciantes. Mas só parecem.

Igor “Federal” Trafane




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