Há pouco tempo, em uma das aulas que aplicava com um dos melhores jogadores de cash game brasileiro, ele me pediu pra citar algumas de suas piores falhas. Dentre as que eu mencionei, uma mudou seu jogo significativamente, dali em diante: “Você tem sido dominado pelo medo e não tem enxergando todas as oportunidades em fazer movimentos lucrativos (+EV)”, disse a ele. “Os motivos são os bloqueios causados pelo medo. Isso faz com que você não confie em sua leitura e acabe sendo explorado por jogadores. Eles reconhecem que você só é capaz de pagar com um range muito restrito de mãos em determinadas linhas. Esse medo, em grande parte, se deve ao peso psicológico do dinheiro”. Defensivamente, ele argumentou que, por ter um bankroll grande, não sofria tanta influência quando se tratava de dinheiro. Então, filtrei sem seu Hold’em Manager algumas mãos que ilustravam o meu pensamento e perguntei qual seria a postura dele se estivesse jogando por dinheiro fictício. Imediatamente, ele riu e percebeu que existiam fortes bloqueios em seu jogo, e que precisaria agir como se estivesse jogando sem valer nada.
Um dos grandes desafios, senão o maior, que o jogador de poker tem que superar é a relação com o dinheiro. Este é um dos grandes causadores da inconsciência no jogo, e arrisco a dizer que jogadores considerados medianos, hoje, poderiam estar figurando entre os melhores se não tivessem uma relação pouco saudável com o dinheiro.
A instabilidade é uma coisa real no poker. Um gráfico nunca é constante e crescente, e o controle emocional perante essa insegurança contínua é o que pode nos levar a ter uma vantagem considerável entre os demais. Quanto mais destemido – e ao mesmo tempo responsável – maior a chance de sucesso. O equilíbrio entre desapego e respeito ao dinheiro é a fórmula perfeita para o sucesso no poker.
É da natureza da vida que todas as coisas sejam instáveis e efêmeras. No poker, não é diferente. A maioria dos jogadores fica se lamentando pelas fases ruins com pensamentos que os dominam como: “Eu estou ganhando bem nos últimos três dias, mas estou longe de recuperar o prejuízo da última semana”, ou projetando o futuro compulsivamente, “acho que realmente sou muito bom e acredito que, em um ano, estarei jogando regulamente nas mesas NL 1000”. Esses jogadores não costumam ser bem sucedidos e passam por grandes decepções porque são defrontados a todo o momento com a instabilidade intempestiva e natural do poker.
Se a cada mão existem pequenas variações no montante de dinheiro, é normal que também haja períodos instáveis – curtos, médios e longos. Até mesmo o gráfico mais lucrativo do mundo não é uma linha diagonal reta que tende ao infinito, então é óbvio que um jogador que vive sobre esses pensamentos terá constantemente momentos de conflitos emocionais. Ele acumulará sempre memórias negativas, que irão assombrar sua carreira, ou se frustrará com suas altas expectativas que nunca serão preenchidas.
Quando o jogador se identifica com formas mentais e emocionais, seja desejando algo do futuro ou temendo a perda, ele acaba se esquecendo da essência do próprio jogo, e nesse período é perdida a conexão com o presente, pelas duas motivações principais do ego: o desejo e o temor. Então, todos os desejos, medos e pensamentos, assim como todas as ações e reações acabam tendo relação direta com o estado de paz do jogador, e a sua falsa motivação é incapaz de trazer contentamento enquanto ele está nos feltros, já que o momento presente foi sabotado pela busca de um prazer ilusório. Alguns jogadores podem até mesmo forçar emoções para substituir esse contentamento – jogam de maneira extremamente loose ou até entram em um profundo estado de tilt, causando um rombo no bankroll ao ficar empurrando all-ins freneticamente. Dessa maneira, mesmo que o jogador consiga ganhar dinheiro, mais cedo ou mais tarde, ele estará infeliz, outra vez, porque não demorará até que novas preocupações apareçam tomando toda a sua atenção.
Outro problema que envolve os jogadores de poker e, muito provavelmente, também acionistas da bolsa de valores é o que chamo de “vício de crescimento”. O foco dessas pessoas é sempre no resultado, e elas sempre estão esperando que o gráfico ou o valor do patrimônio deles aumente. É isso que eles acreditam que os tornarão felizes, mas como dito a felicidade sempre é momentânea nesses casos. A ambição não tem fim. E pela própria natureza do poker e do mercado financeiro é impossível não passar por períodos de estagnação ou perdas. Então, essas pessoas passam por momentos profissionais terríveis, nos quais se desgastam psicologicamente. O reflexo disso é um desempenho muito aquém do que se estivesse jogando apenas pelo prazer de jogar.
Jogar poker não deveria ser uma atividade estressante, mas, por todos darem tanta importância ao dinheiro, acaba sendo. Logo, o ego é que trabalha a serviço deles, e sempre que existir sinal de esforço e stress é porque o ego está operando. O mesmo vale para as reações negativas diante dos obstáculos.
Então, identifique esses sinais; pare, pense e reflita, porque é hora de mudar a postura e compreender o que se passa internamente antes de qualquer coisa que esteja do lado de fora.