EDIÇÃO 65 » ESPECIAIS

A luz e a verdade de Vanessa Selbst


Erik Fast
Os últimos dois anos fizeram bem a Vanessa Selbst. Nesse período, ela conseguiu formar-se em Direito e ainda ultrapassar a marca dos quatro milhões de dólares ganhos em torneios. Como se não bastasse, conquistou seu segundo bracelete da WSOP em eventos abertos, feito que apenas duas mulheres alcançaram até hoje.

Além disso, Selbst está mudando o paradigma do jogo ao conseguir fazer parte do alto escalão do poker sendo assumidamente homossexual. Por tudo isso, vale a pena conhecer um pouco da história de Vanessa Selbst, um dos principais nomes do poker mundial na atualidade, independentemente de sexo ou de orientação sexual.

Jogando Menos, Ganhando Mais
“Sinto como se tudo tivesse mudado muito nos dois últimos anos”, diz Selbst, que viu renascer a vontade de participar de torneios após a vitória no Main Event do NAPT Mohegan Sun, e com a posterior entrada para o time de profissionais do Poker Stars. “Tenho amado de verdade o poker, e me divertido muito viajando e jogando”.

Por ser estudante em tempo integral, Selbst vinha jogando bem menos do que outros profissionais de ponta. Apesar do menor tempo na estrada, ela ainda tem conquistado resultados extraordinariamente consistentes, numa frequência que chama a atenção. “Obviamente, posso dizer que fui muito bem. Nos dois primeiros anos de faculdade, joguei 15 ou 20 torneios”, afirma. “Desde meados de 2010, tenho jogado de maneira mais consistente, mas ainda num volume menor do que o de muita gente. Sou uma pessoa que precisa de tempo livre, e me asseguro de ter esse tempo fora do poker”.

Na verdade, Selbst entende que seu sucesso pode resultar justamente do fato de estar jogando menos. “Acredito que jogo muito melhor se não fizer isso todos os dias, porque não fica parecendo uma obrigação, mas sim diversão. Ao longo de um mês, eu jogo três ou quatro dias na semana, então tiro duas semanas de folga”.

Luz e Verdade
O lema da Universidade de Yale é Lux et Veritas – “luz e verdade” em latim. E parece que Selbst encontrou luz na busca pela sua verdade, precisamente na faculdade de Direito que formou alunos como Bill e Hilary Clinton, além de vários ministros da Suprema Corte Americana. 

Lá, Selbst viu-se envolvida em questões relativas a justiça social, e adquiriu experiência e conhecimentos valiosos em seus anos de estudo. “Foquei em direitos e garantias individuais, e participei de muitos encontros sobre direitos humanos. Em um deles, defendi pessoas na base de Guantânamo, em outro, trabalhei com uma defensora pública junto a presidiários. Participei até de uma ação civil pública contra abusos cometidos por policiais”.

Equilibrar os estudos e a carreira lucrativa no poker era tarefa difícil, que demandava bastante compromisso. “Foi difícil. Principalmente no terceiro ano, quando eu jogava em tempo integral e ia à faculdade em tempo integral. Deixei de me inscrever em matérias que eu gostaria de ter feito. Por outro lado, não consegui jogar vários torneios que eu queria ter jogado, por causa das aulas”.

Vencendo de Novo: Sexualidade e Mídia
Em primeiro de julho de 2012, Selbst conquistou seu segundo bracelete da World Series of Poker, superando 421 jogadores no evento shorthanded de mixed games com buy-in de US$2.500. Pela vitória, ela recebeu de 244 mil dólares. Com esse título, passou a ser segunda mulher (a outra é Jennifer Harman) a vencer dois eventos abertos, não restritos a mulheres. O primeiro bracelete de Selbst, em 2008, tinha sido a última vez em que uma mulher venceu um evento aberto na Série Mundial.

“Ganhar um bracelete nesta última WSOP significou muito para mim. Acho que ter mais de um faz você se destacar na multidão. Hoje em dia, com tantos braceletes sendo concedidos, há quem diga que isso perdeu um pouco do glamour e do prestígio. Então, conseguir dois braceletes definitivamente lhe coloca na elite”.

O bracelete de Selbst foi um das maiores conquistas femininas na WSOP 2012, e a tendência de mulheres fazendo sucesso no poker recebeu bastante atenção da mídia. Ela frequentemente está sob os holofotes, não apenas pela qualidade do seu jogo, mas por causa da sua sexualidade.

“No fim das contas, eu sei que a mídia quer. Fico feliz de poder me sair bem em nome das mulheres. Espero que isso não seja grande coisa e que as pessoas não se preocupem em saber quem é o melhor jogador ou a melhor jogadora”, diz Selbst. “No fim das contas, isso acontece porque as mulheres, historicamente, nunca se saíram tão bem no poker quanto os homens. Espero ver o dia em que não falaremos sobre jogadores homens e jogadoras mulheres, mas apenas em jogadores de poker, apesar de eu saber que ainda não estamos nesse ponto. Não culpo ninguém por essa segregação.”

Com frequência, as mulheres recebem um tratamento diferente no poker. Prova disso é que a ESPN costuma dar à última mulher a cair em cada Main Event. Em 2007, Maria Ho, amiga de Selbst, recebeu essa honraria, mas ao ser questionada sobre isso anos depois, Ho declarou: “Jamais tentei ser a última mulher do torneio. Eu tentava ser a última pessoa com fichas no torneio”.

Selbst parece pensar de forma similar, buscando conquistas não como uma mulher que joga, mas como qualquer pessoa que joga poker. “Estou feliz por ter me saído bem o bastante para ser lembrada em uma conversa na qual as pessoas falem sobre os jogadores (de ambos os sexos) que fizeram mais sucesso nos últimos tempos. É uma honra ser uma das poucas mulheres lembradas.”

Homossexual, Dentro e Fora dos Feltros
Selbst reconhece que, apesar de estar mais preocupada em jogar poker, ela presta atenção no modo como é apresentada na mídia, em relação à sexualidade. Ela é homossexual assumida e, estando no front da comunidade do poker, busca tirar vantagem da atenção que vem recebendo.

“Como sou vista é realmente importante para mim. Pouca gente assume a sexualidade publicamente sem se encaixar nos estereótipos. Eu não me visto de forma tradicionalmente feminina, mas posso mostrar às pessoas que estou confortável sendo assim, que posso me vestir da maneira que quiser e agir da maneira que quiser, e que está tudo bem. Você ainda não vê esse tipo de referência com tanta frequência na mídia”.

Durante a primeira vitória de Selbst no NAPT Mohegan Sun, a mesa final foi transmitida pela ESPN. Nesses programas, frequentemente a torcida dos jogadores é mostrada, identificando namoradas, esposas etc. Selbst conversou pessoalmente com os produtores sobre isso. “Eu disse a eles que gostaria que não amenizassem, colocando ‘amiga da Vanessa Selbst’ ao mostrar minha namorada, Miranda. Eles mandaram bem e publicaram que ela era minha namorada, e me mostraram dando um beijo nela depois da vitória. Aquilo significou muito para mim, ainda mais por poder colocar a ESPN naquela posição”.

“A Conversa Está Mudando”

Há muito tempo, o poker era considerado território masculino, apesar de o jogo colocar ambos os sexos é pé de igualdade. No tempo em que os apostadores de beira de estrada arriscavam alto em salas esfumaçadas do Texas, não havia como imaginar 936 mulheres pagando mil dólares para participar do Ladies Champioship na WSOP 2012, em Las Vegas.

“É uma cultura sexista, que dificulta o sucesso não apenas de mulheres, mas de qualquer pessoa que não seja tradicionalmente masculino”, observa Selbst. “Merece uma análise o porquê de eu ter tido sucesso, já que sou mais masculina do que outras mulheres, e também a razão pela qual gays mais femininos não se sentem confortáveis no meio do poker. Não é nada específico que alguém faz, mas certamente é uma atitude geral. Poker tem sido, tradicionalmente, jogo de homem”.

Selbst afirma que essas manifestações de sexismo continuam existindo vistas no poker, ainda que as coisas estejam melhorando. “Mesmo por acidente as pessoas comentam, até na World Series. Quem faz o comentário costuma ser compreensível, e nobre ao corrigir seu comportamento”, diz Selbst. “Mas eles acabam deixando claro que aquele é um jogo de homem, como ao dizer ‘que vença o melhor’, antes de o torneio começar, ou por não ter vestiários femininos em lugar nenhum próximo à área de jogo, sugerindo que as mulheres não pertencem àquele lugar. Mas isso está melhorando, com certeza”.

Selbst se saiu bem no Main Event deste ano, terminando na 73ª colocação dentre 5.598 inscritos. Várias outras jogadores também chegaram longe, como Elizabeth Hille (11ª) e Gaele Bauman (10ª). Durante o torneio, ela percebeu indícios da evolução em relação às mulheres no poker.  “Foi reconfortante ver tanta gente empolgada com o sucesso feminino no Main Event. Eu perguntava às pessoas para quem elas estavam torcendo, e todo mundo dizia que ficaria feliz se tivesse uma mulher na mesa final. Ver mais gente pensando assim mostra que a conversa está mudando”.

Como tudo o que é complicado, as atitudes em relação ao sexo e à sexualidade no mundo do poker não mudarão da noite para o dia. Mas com uma campeã como Vanessa Selbst servindo de referência, é certo que a comunidade do poker vai progredir também nesse sentido.




NESTA EDIÇÃO



A CardPlayer Brasil™ é um produto da Raise Editora. © 2007-2024. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.

Lançada em Julho de 2007, a Card Player Brasil reúne o melhor conteúdo das edições Americana e Européia. Matérias exclusivas sobre o poker no Brasil e na América Latina, time de colunistas nacionais composto pelos jogadores mais renomados do Brasil. A revista é voltada para pessoas conectadas às mais modernas tendências mundiais de comportamento e consumo.


contato@cardplayer.com.br
31 3225-2123
LEIA TAMBÉM!×