“Tudo é uma questão de apreciar e observar. Olhar de cima, estar no alto, com um campo de visão privilegiado. Nesse momento, meu ego já não está mais jogando. Eu não ganho nem perco porque o ‘eu’ não existe ali. Não sou ninguém nesse momento, e minhas emoções não distorcem o que eu estou vendo quando estou nos feltros, pois não estou envolvido emocionalmente. Simplesmente estou observando e executando o que é mais lucrativo. Tudo o que faço se resume a viver intensamente o momento. Sinto-me livre. Livre dos pensamentos. Agora minha cabeça tem total liberdade pra criar.”
Só quando entramos nesse “estado de transe” é possível enxergar o poker como uma arte. Apenas assim conseguimos enxergar a imensidão do jogo. E isso vale para a vida, que é perfeita e vibrante. Infelizmente, entretanto, a maioria das pessoas está embotada e identificada unicamente com os problemas pessoais, que quase sempre se tratam de pormenores passageiros. Contudo, nesse estado de seidade, de paz e tranquilidade, notamos uma variedade de opções que não cogitávamos antes, pois já não estamos operando condicionados pela mente apenas, mas com a vastidão da consciência.
Quase todos os jogadores profissionais ou semiprofissionais estão buscando se tornar mais técnicos. Apenas uma irrisória minoria tem, ou passou a ter, uma nova consciência do jogo: são estes que estão com o edge realmente em seu favor. O máximo que um jogador “exclusivamente técnico” pode alcançar é figurar entre os melhores dos piores, porque o seu foco está na técnica, e esta não se adequa a todas as situações. O que se adapta a qualquer coisa – como a água se molda ao bule – é a nossa real presença no jogo.
No Estado de Presença, não precisamos nos “pré-ocupar” com técnicas nem pensar freneticamente onde é possível encaixá-las ao jogo, como se fosse um mero quebra-cabeças. O poker é mais complexo do que isso. Pode-se dizer que o jogador que é muito técnico consegue achar as peças do quebra-cabeças com mais rapidez, só que algumas delas não se encaixam perfeitamente.
Essa é a razão pela qual nosso herói não consegue extrair o máximo de valor de uma mão em uma situação não corriqueira qualquer. O erro consiste em querer encaixar a técnica ao jogo, enquanto o correto seria encarar aquele momento como se fosse único, o qual jamais existirá outro igual, e encaixá-lo na técnica.
Se você estiver jogando de forma consciente, perceberá que você não é mais jogador. Você e o jogo são uma coisa só. Por isso não é preciso pensar em técnica ou em quebra-cabeças, pois as coisas fluem naturalmente, como numa parceria entre você e o jogo.
Ao conseguir essa afinidade com o jogo, o poder de adaptação entra em cena. E se adaptar significa ter criatividade, estar livre para enxergar e projetar a linha que mais lhe dará retorno, sem apego ao que foi lido, assistido ou dito anteriormente. Quando jogamos com a atenção, no momento presente, não agimos somente com a cabeça: jogamos com o corpo inteiro. Cada célula do organismo está focada no jogo. É nesse momento de fluidez que você reconhece o conceito de “edge”.
Muitos jogadores passam bastante tempo em redes sociais ou de bate-papo enquanto estão jogando. A razão disso é que eles não estão querendo jogar, querem somente que aquele momento passe logo, na esperança de outro melhor – seja daqui a duas horas, em um bar com os amigos, daqui a dois meses, quando tiverem dobrado seu bankroll, ou daqui a dois anos, quando talvez sejam profissionais reconhecidos.
Eles entram no “piloto automático” da mente condicionada. Ali, todos os seus movimentos estão reproduzindo um modelo no qual possa operar sozinho. O problema é que “só” usar a programação da mente não é um modo inteligente de jogar. Eles estão sonhando com algo além do jogo, com um degrau para o estimado sucesso no futuro. Entretanto, até que mudem de postura, esse momento nunca chegará. E se por sorte um dia chegar, será algo surpreendentemente vazio e insignificante. Até que fique claro que resultados bons e constantes são fruto de disciplina e de fazer o que se gosta, esses jogadores continuarão sonhando com um dia que nunca vai chegar, pelo menos da maneira como eles imaginam.
Quando eu menciono a palavra técnica, estou me referindo a todo o conhecimento acumulado pelo jogador. E conhecimento é passado, algo já sabido e estruturado na mente. Apesar disso, toda situação de jogo é nova, logo, nenhum conhecimento seria, a priori, aplicável a ela. Quando interagimos com seres humanos, seja nos comunicando ou jogando (que seria outro nível de comunicação), todos os momentos são bem diferentes. Não existe a repetição do agora, portanto, é preciso se adaptar com que se tem no momento presente.
Se você quiser proceder da melhor maneira, terá que agir como uma criança que não tem conhecimento acumulado, e não se apoiar no passado. Responder com condicionamento não acertará o alvo bem no meio. É por isso que as crianças têm uma incrível capacidade de aprender.
Foi precisamente isso o que Einstein quis dizer ao afirmar que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”. Só é possível criar quando se deixa de lado o conhecimento acumulado – essa é grande charada do velho descabelado mostrando a língua. Ele, que revolucionou o mundo com sua criatividade e se tornou um dos maiores gênios da humanidade.
Todos nós temos condições de acessar essa dimensão da consciência, esse “espaço de seidade”, de consciência de todas as coisas que estão acontecendo simultaneamente. É nesse estado que você jogará o seu melhor poker. Só estando inundado por esse sentimento é possível alcançar 110%.
Aconteça o que acontecer, não se obrigue a jogar. Jogue somente quando for realmente se divertir, do mesmo modo como acontecia nas primeiras vezes em que você se sentou e esperou, maravilhado, que o jogo começasse.