ogadores e autores de poker quase nunca falam sobre sentimentos de culpa. Eles não parecem importantes em nosso “jogo de macho”. Aliás, a maioria dos autores raramente sente qualquer culpa quanto ao poker. Nós aceitamos sua natureza predatória, exploramos numa boa as fraquezas dos oponentes e dizemos aos leitores para fazerem a mesma coisa.
Um aluno meu de poker, “João”, me mostrou que alguns jogadores precisam de ajuda para lidar com sentimentos de culpa. Eu o ajudei nisso, e a dicas servem para você também:
Sensibilidade Ajuda e Atrapalha
Antes, eu achava que a compreensão de como os oponentes estão pensando e se sentido era um recurso incontestável. João me mostrou que ter sensibilidade para entender as emoções dos adversários tanto ajuda quanto atrapalha. A ajuda é óbvia demais para ser discutida.
Mas o lado negativo foi surpreendente. Ele escreveu: “Não quero sentir a dor deles. [...] Eu notei que, ao vencer alguém, particularmente quando completo um draw ou faço uma jogada mais malandra, mantenho a cabeça abaixada e não consigo olhar nos olhos do adversário”.
Um Exemplo Claro
João certa vez percebeu que “Carlos” estava quase tiltando. Se forçasse a barra, João tiltaria Carlos e ganharia mais em mãos futuras. Isso transformou uma decisão de EV aparentemente negativo em uma opção interessante.
João não tinha as odds corretas, mas percebeu que poderia tiltar Carlos se fizesse uma “jogada idiota” e acertasse a mão. João então deu check-raise no turn, acertou a carta e apostou no river.
Carlos explodiu, ficou vermelho e perguntou enfurecido: “Como você pôde jogar tão mal?”
Um jogador menos sensível não conseguiria fazer essa jogada. Apenas pensaria: “As odds não justificam um call. Vou dar fold”.
Depois dessa jogada, o que João fez para explorar o tilt de Carlos? Nada. Ele foi embora! “Fiquei feliz por ganhar o pote, mas me senti desconfortável demais por tê-lo deixado tão irritado. Simplesmente não consegui ficar ali e encará-lo”.
Basicamente, ele fez com que Carlos colocasse um alvo na testa, mas não conseguiu dar o tiro certeiro!
Você Tem Algum Problema Com Sentimentos de Culpa?
Depois que João me contou isso, percebi que esses sentimentos são mais comuns e mais destrutivos do que eu imaginava. Pessoas sensíveis são mais vulneráveis, mas muitos jogadores aparentemente “durões” permitem que a culpa reduza seus lucros.
Sentimentos de culpa raramente são a única fonte de decisões ruins no poker, mas eles se agregam a outros fatores. Para saber se esses sentimentos estão afetando suas decisões, faça-se algumas perguntas:
1. Você já deu apenas check com uma mão forte no river? Você acertou uma mão no flop ou no turn, apostou agressivamente uma ou duas vezes, mas deu check no river. Em caso afirmativo, por que fez isso? Você pensou: “Ganhei o bastante e não quero ser ganancioso”?
Para preservar sua imagem de “jogador macho alfa”, você pode ter dito a si mesmo que estava sendo gentil. Estava sendo mais esperto do que um oponente que queria dar raise ou check-raise. Mais tarde, você pode ter se autocriticado por ter dado check, mas provavelmente não considerou a culpa uma causa parcial.
2. Você já fez uma aposta muito baixa com o nuts? Esse erro frequentemente ocorre em no-limit e pot-limit. Você tinha o nuts e fez uma aposta menor do que a que provavelmente seria paga. Seu oponente podia até estar comprometido com o pote e quase de all-in, mas você apostou bem menos.
É possível que tenha dito a si mesmo que queria ganhar alguma coisa e achou que ele não pagaria uma aposta maior. Talvez você esteja certo em parte, mas sentimentos de culpa também pesaram na sua decisão.
3. Você evita cash games? O falecido autor Andy Glazer disse que os evitava e preferia torneios, pois não poderia ganhar muito em cash games a não ser que alguém perdesse muito. “Eu me sinto culpado quando alguém continua comprando fichas e talvez tenha que ir sacar dinheiro no caixa eletrônico”. Você evita cash games? Em caso afirmativo, a culpa é uma das razões?
4. Você divide premiações de torneios? Sentimentos de culpa muitas vezes nos fazem tomar decisões ruins nesse sentido. Eu não me refiro a acordos que dão mais dinheiro aos chip leaders – estou falando de quando a situação de cada um é mais ou menos igual.
Às vezes, todos concordam em dividir quando alguns short stacks estão prestes a ser eliminados, o que aumenta a fatia dos sobreviventes. Quem tem mais fichas tenta acordos antes da hora porque se sente culpado por eliminar os short stacks.
Como os chip leaders normalmente saem perdendo, eles costumam ser contra a divisão. E como a decisão tem que ser unanime, os outros podem se unir para pressioná-los. Essa “culpa coletiva” geralmente funciona. Jogadores com mais de metade das fichas já dividiram o prêmio em cinco ou mais partes iguais.
Isso normalmente acontece em torneios pequenos, mas às vezes grandes premiações são divididas. Em um caso recente, 23 jogadores dividiram cerca de $250.000, e o chip leader recebeu apenas $2.000 a mais que o 23º em fichas.
Você já dividiu um prêmio quando deveria receber bem mais do que acabou recebendo? Em caso afirmativo, você pode ter dito a si mesmo: “Os blinds estão tão altos que o jogo virou uma loteria”. Isto está certo em parte, mas quanto mais fichas se tem, maior o EV. Sentimentos de culpa podem ter feito você aceitar menos do que deveria.
5. Você conversa mais do que queria? Alguns jogadores não gostam de distrações, mas se um tagarela fala com eles, eles respondem ou até estendem a conversa para não se sentirem culpados por “terem sido mal educados”. Se você conversa quando preferiria se concentrar no jogo, está cedendo, pelo menos parcialmente, a sentimentos de culpa.
6. Você blefa o bastante? Sentimentos de culpa geralmente fazem com que as pessoas percam boas oportunidades de blefe. O colunista da Card Player Barry Tanenbaum discutiu esse erro em “Bluffing When You Don’t Feel Like It” (“Blefando Quando Você Não Está Afim”, CardPlayer.com, 1º de agosto de 2003).
“Muitos jogadores permitem que os sentimentos […] impeçam que eles blefem corretamente. Eles acham que blefar significa fazer algo que vai contra sua natureza, como furtar ou extraviar. [...] As pessoas odeiam esse sentimento sufocante de culpa. E a maneira mais fácil de não passar por isso é evitando blefar”.
Alguns jogadores deliberadamente aumentam e exploram essa culpa. Eles podem dizer algo ou fazer cara feia para comunicar que “roubar” o pote deles é imoral.
Tolice! Blefar é não apenas legítimo como estrategicamente essencial para se ganhar no poker. Não blefar o bastante lhe custa dinheiro porque reduz o número de potes que você ganha e não lhe dá ação quando você tem uma mão vencedora.
Questões Finais
Se você ainda acha que não tem problemas com sentimentos de culpa, faça-se mais algumas perguntas:
1. Quantos desses erros eu cometo?
2. Com que frequência eu os cometo?
3. Por que eu os cometo?
4. Quanto eles me custam?
Se você percebeu que tem problemas com sentimentos de culpa, na próxima edição eu vou lhe ajudar a solucioná-los. ♠
