Há algumas figuras que são recorrentes nesta coluna, como o fiel leitor já deve ter notado. Por exemplo, a ratazana obesa. Ora ela é acossada a pontapés, ora a pauladas. Normalmente por um londrino. E no metrô. É quase uma obsessão minha. Começo a escrever um texto e, súbito, lá vem a imagem da ratazana à minha cabeça. Não tem escape. O Duque de Wellington é outro que, com frequência, visita este espaço. Há uma frase sua (“Se você acredita nisso, acredita em tudo”) que cito com uma insistência quase doentia. E que dizer, então, da carrocinha? Sempre digo que, até o século passado, o jogador de poker tremia ao avistar o cruel veículo. Era o medo de ser laçado e virar sabão, como um velho perdigueiro. Foi preciso que um Akkari entrasse para o time do PokerStars, que um Alê Gomes cravasse a WSOP, para que a nossa síndrome de vira-lata fosse curada.
E eis que penso na Sopa Campbell’s, de Andy Warhol, o gênio da arte pop. Nunca escrevi sobre o célebre caldo de tomate aqui na CardPlayer Brasil. E, realmente, eu não tinha motivo algum para fazê-lo. Hoje, tenho. Ou, por outra: tornou-se indispensável, quase vital, uma questão de vida ou morte falar da Sopa Campbell’s neste artigo. Não tenho escape – assim como não tive nas tantas vezes em que escrevi sobre a ratazana obesa. Sem a sopa, não há o texto. Simples assim.
Acontece que encontrei, ainda ontem, um grande amigo na mesa de poker: Escobar, o espanhol. (Eis outra figura habitual e indispensável desta coluna, Escobar). Ele levantou-se da mesa e cumprimentou-me com uma efusão comovente. Desde que a Espanha fora campeã mundial, seus hábitos estavam ficando cada vez mais excêntricos. Agora, ele usava um bigode que lembrava um guidão de bicicleta. Como o Salvador Dalí. Depois de um longo abraço, Escobar perguntou-me: “Tienes Facebook, Padrun?” Como não conseguisse dizer Pedrão, ele chamava-me de Padrun. “Sim”, respondi. O espanhol, então, baixou a voz e veio com a proposta irrecusável. “Apueste cenzinho que usted no acierta el campeon de fãs de Facebook”, falou. “E te doy cinco oportunidades!” Para me atiçar, Escobar puxou uma garoupa da carteira. Depois de uma breve hesitação, aceitei a aposta.
“Barack Obama”, disparei de primeira. Se o presidente dos Estados Unidos é o homem mais poderoso do mundo, poderia ser o mais popular também. “No!”, respondeu Escobar, numa agitação quase infantil. Aquele catalão pilantra estava seguro de que tomaria o meu dinheiro. Mas eu tinha bons palpites em mente.
“Lady Gaga”, arrisquei. “Errou de novo, Padrun!” Com três balas no gatilho, eu ainda não tinha motivos para me preocupar. Se a música e a política não tinham funcionado, minha maior chance era o esporte. A dúvida ficou era entre Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Acabei mandando os dois tiros de uma só vez. “Messi ou Cristiano Ronaldo”. Como bom torcedor do Barcelona, Escobar não perdeu a chance de detonar o português. “Ronaldo és un cabeça de bagre!”, disse. “Leo és un gênio, pero no és el mais popular de Facebook”. Moralmente derrotado, só me restava uma tentativa. Arrisquei todas as fichas num palpite audacioso.
“Sopa Campbell’s”. E meu algoz desandou numa gargalhada hedionda, enquanto puxava a nota de cem reais. Ele, então, tirou seu iPhone do bolso e abriu um site com a lista do Top 5. Não havia uma celebridade no topo do ranking, como eu imaginara. O líder absoluto era o Texas Hold’em Poker, com 27 milhões de fãs, seguido pelo Facebook (25 mi), Michael Jackson (23 mi), Lady Gaga (22 mi) e Family Guy (20 mi). Não satisfeito em levar o meu dinheiro, Escobar ainda fez questão revelar que a sopa tinha modestos 25 mil fãs. “Que chute terrible!”, disse ele, acariciando o próprio bigode com a minha nota de cem. Como Andy Warhol na capa da Esquire, afoguei-me na sopa de tomate
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