EDIÇÃO 40 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Quando Eles Estão Jogando Damas

Jogando xadrez, por assim dizer, para ganhar uma mão


John Vorhaus

Se eu lhe dissesse que estou escrevendo essa coluna de um apartamento mobiliado em Manágua, Nicarágua, você provavelmente diria: “Bem, esse é JV, viajando o mundo novamente. Onde foi da última vez? Moscou? Bucareste? Katmandu?” E se eu lhe dissesse que estou coordenando os roteiristas de um programa de televisão local, você provavelmente diria: “Claro, tudo bem. O que isso tem a ver com poker?” OK, eis o quê: durante minha estadia em Manágua, eu descobri que – literalmente – o único jogo da cidade é um de no-limit hold’em com blinds de $1-$2 e buy-in mínimo de $50, que começa tarde e é intermitente, no Aces Poker Club, um recinto com duas mesas não muito longe de onde estou hospedado. É uma pena que o jogo comece tão tarde, pois eu não dou o melhor de mim tarde da noite, e caminhar na rua de volta para casa é um tanto quanto perigoso em Manágua, onde, conforme me descreveu um morador local: “Ao caminhar, você está sempre a 10 minutos de ser assassinado”. Mas eu não vim aqui para discutir coisas mórbidas. Eu quero conversar sobre uma mão que joguei aqui, e mostrar como é bom quando você está jogando xadrez e todo mundo à sua volta está apenas jogando damas.

Uma característica desse jogo é o Mississippi straddle, uma aposta opcional do button, que pode variar de $4 (duas vezes o big blind) até quanto seu coraçãozinho mandar. No momento desse incidente, estávamos em cinco. Eu era UTG quando um button disparou um inveterado Mississippi straddle. Eu tinha perdido muitas fichas para ele recentemente ao entrar de limp com um par de valetes e pagar o continuation-shove do short stack dele. Nós, portanto, não éramos melhores amigos.

Eu não tenho problema em reconhecer os sinais do tilt (por já ter experimentado a sensação algumas vezes), e me ocorreu que o Sr. Mississippi já estava na metade do caminho. Com uma provocaçãozinha da minha parte, eu pensei, ele poderia tiltar. Eu então disse a mim mesmo que, da próxima vez que ele postasse um straddle de $6 (a soma padrão dele), eu aumentaria para $30 com qualquer lixo – uma “grandstand overbet” – e então mostraria meu blefe, apenas para mostrá-lo que ele não era capaz de prever o que eu faria diante dos straddles dele, e talvez fazê-lo parar com isso.



Ou, como aconteceu, talvez fazer a cabeça dele explodir.

Bem, os deuses do poker cooperaram e me deram 5-2 offsuit, a mão perfeita para o meu plano. O Sr. M. postou um straddle de $6. O small blind deu call, mas eu não me preocupei muito com ele, que já havia mostrado altas tendências de limp-fold e tinha apenas $34 restantes depois desse call. A ação voltou até mim. Eu aumentei para $30, conforme o planejado. O Sr. M. pensou, pensou e pagou. O small blind deu raise all-in, então eu tinha que pagar mais $4. Eis quando as coisas ficaram interessantes.

Eu estava meio à deriva, certo? Eu não poderia dar fold por $4 quando o pote tinha mais de $90. Mas 5-2 offsuit não era favorita contra nenhuma mão, muito menos contra duas, e não havia como o Sr. M. dar fold. Portanto, eu sabia que tinha de pagar e esperar o melhor. Eu ainda queria mostrar meu lixo, apenas para desestabilizar o jogo, mas não queria gastar mais dinheiro nessa aventura irresponsável. Por nenhum motivo em particular – atuando, na verdade, ou talvez apenas praticando meu espanhol – eu perguntei ao dealer se o raise all-in do small blind havia reaberto as apostas. Obviamente, a resposta era não, já que ele não chegou nem perto de metade da minha aposta, o critério padrão para se reabrir as apostas. Mas, adivinhe só? Ele reabriu.

Simplesmente havia uma estranha regra da casa no Aces Poker Club. Sempre que um jogador for all-in com qualquer valor, os demais jogadores têm a opção de dar call ou reaumentar all-in também. Que loucura, não? Bem, não era o momento de discutir as sutilezas do protocolo: eu vi uma oportunidade e, atuando um pouco mais só por diversão ou prática, empurrei all-in cobrindo o estoque do Sr. M de mais $100. Como eu sabia que ele não pagaria? Porque o small blind estava all-in, o que significava que ele satisfaria a curiosidade acerca da minha mão – “Eu sabia que ele tinha um monstro!” – sem precisar investir mais dinheiro. Muitas pessoas nessa situação dariam fold com confiança – certamente jogadores de certo, hm, calibre, como esse cara. Como era de se esperar, ele deu fold, me deixando com pot odds de cerca de 2-1 e uma mão que, embora fosse claramente um lixo, era apenas underdog de 3-2 contra a mão do small blind, que era A-J.



O fato de eu ter formado um straight no river não vem ao caso. Ninguém na mesa entendeu por que eu arriscaria $34 para tentar a sorte com 5-2. Afinal, eu aumentei e depois reaumentei com essa mão. Quão louco eu fui? Pense num investimento para a imagem! E é isso que eu quero dizer quando falo que às vezes você está jogando xadrez enquanto os outros jogam damas. O Sr. M não apenas esperou que eu mostrasse uma mão real aqui, como não entendeu meu raciocínio ao dar raise com lixo e depois reraise com lixo. Qualquer jogador são, imagina-se, daria apenas call no reraise de $4 a mais e esperaria pelo melhor. Obviamente, eu não poderia ter feito isso, pois tinha a oportunidade de afastar o Sr. M. Quem diabos quer enfrentar dois oponentes com 5-2 offsuit quando pode fazer um deles desistir de graça?

Então, qual foi minha imagem depois disso? Eles acharam que eu era louco? Talvez... ou talvez tenham simplesmente achado que eu estava pensando no jogo de maneira totalmente diferente. Então agora, de repente, eu era aquele cara, o cara irritante e surpreendente que ninguém conseguia compreender. Isso se chama “equidade de tilt”, amigos, e a minha vai durar enquanto eu frequentar esse clube. Minha reputação está construída. Embora eu geralmente diga “Eles não conseguem entender sua estratégia se você não tiver uma”, nesse caso eu claramente tinha. OK, eu me aventurei irresponsavelmente pré-flop e fui pego com a boca na botija. Mas eu acho que meu plano daí em diante foi muito bom, especialmente ao logo reconhecer e explorar a oportunidade de dar reshove e isolar o jogador all-in. Essa oportunidade não deveria existir, e não existiria na maioria das cardrooms, mas esse é um lugar chamado Nicarágua, que não é normal, então eu vi uma oportunidade e corri atrás.

Nicarágua é como minha segunda casa atualmente. Eu passei boa parte do verão aqui, e espero voltar periodicamente ao longo do outono. E, acredite, sempre que eu for ao Aces Poker Club, serei conhecido e falado como o cara que deve ser louco, ou que deve estar jogando xadrez quando todo mundo está jogando damas.

John Vorhaus é escritor profissional e autor de livros de poker. Ele pode ser encontrado no ciberespaço no endereço radarenterprizes.com. Foto: Gerard Brewer.




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