As grandes estrelas do poker possuem seus segredos para o sucesso nas mesas. São informações que muitos deles costumam manter ocultas das grandes massas. Uma vez reveladas, elas são capazes até de fazer a vantagem que eles têm sobre os oponentes – o edge – quase desaparecer. Neste especial, você encontrará algumas dessas informações que eles não gostariam que você soubesse. Aproveite.
LIDANDO COM AS INCOVENIÊNCIAS
Assistindo ao filme “Uma Mente Brilhante” (A Beautiful Mind, EUA, 2001), eu me deparei pela primeira vez com a história e com as descobertas do matemático John Nash. Curioso, eu pesquisei um pouco mais sobre ele e aprendi os conceitos do Equilíbrio Nash e do Dilema do Prisioneiro. De qualquer modo, o que me inspirou a escrever esse artigo foi a seguinte cena:
Contexto: Nash e seus amigos de faculdade estão num bar quando veem uma loira estonteante entrar juntamente com algumas amigas morenas menos privilegiadas. Começa o seguinte diálogo:
Nash: Nossa! Alguém mais acha que ela deveria estar se movendo em câmera lenta?
Bender: Ela vai querer um grande casamento. O que você acha?
Saul: Deveríamos duelar por ela com espadas, cavalheiros? Ou com pistolas ao meio-dia?
Hansen: Você não se lembra de nada? Lembre-se das lições de Adam Smith, o pai da economia moderna.
Saul: Sim, sobre a concorrência.
Grupo: A ambição individual serve ao bem comum.
Hansen: Exatamente.
Nielssen: Cada um por si, cavalheiros.
Bender: E aqueles que fracassarem ficarão com as amigas.
Hansen: Eu irei triunfar!
Saul: Você pode levar uma loira na direção da água, mas não pode fazê-la beber.
Hansen: Ah, eu não acredito que ele disse isso.
Saul: Certo, ninguém se mexe. Ela está olhando para cá. E minha nossa, ela está olhando para Nash.
Hansen: Jesus. Certo, ele pode estar por cima agora, mas espere até que abra a boca. Lembrem-se da última vez.
Bender: Ah, sim, essa era uma que merecia ficar gravada nos livros de história.
Nash: Adam Smith estava errado, seus conceitos precisam ser revistos.
Hansen: Do que você está falando?
Nash: Se todos formos em direção à loira, iremos nos bloquear, e nenhum de nós a conseguirá. Então acabaremos tendo que flertar com as amigas, mas todas elas nos darão as costas, já que ninguém gosta ser a segunda opção. Mas, e se nenhum de nós tentar flertar com a loira? Não entraremos no caminho um do outro e não insultaremos as outras garotas. Essa é a única maneira de vencermos. Essa é a única maneira de todos nós transarmos. Adam Smith disse que o melhor resultado vem quando todos no grupo fazem o que é melhor para si, certo? Foi isso que ele disse, não? No entanto, essa afirmação está incompleta. Porque o melhor resultado acontece quando todo mundo do grupo faz aquilo que é melhor para si e para o grupo como um todo.
Hansen: Nash, se você nos está tapeando para pegar a loira para si, você vai para o inferno.
Nash: Dinâmicas governamentais, cavalheiros. Adam Smith estava errado!
Essa cena demonstra que estratégias egoístas não geram tanta prosperidade quanto as benevolentes. Hoje o poker funciona sobre os ditames de Adam Smith, ou seja, nós evoluímos no jogo, procurando fazer o que é melhor para nós mesmos. Contudo, a história nos provou que Nash estava certo e que Smith está ultrapassado. Eu então fiquei pensando e concluí que seria producente para mim ajudar os demais colegas jogadores brasileiros, e resolvi revelar alguns segredos que estavam guardados “a sete chaves”. Nesse artigo, eu vou abrir o jogo e contar algumas coisas que muitos dos grandes profissionais não querem que vocês saibam.
Concentre-se. Faça o possível para conseguir atingir um pico de concentração durante os próximos minutos. O conteúdo das próximas páginas pode aumentar drasticamente os seus lucros. Nós conversaremos sobre uma lei que se aplica a todas as formas de poker e que separa os homens dos meninos: uma informação que não está escrita nos livros e que tem o poder de lhe tornar um vencedor regular nos limites mais altos.
Quase certamente você já se questionou ou ouviu alguém contestar a credibilidade dos livros de poker. A lógica desse tipo pensamento se desenvolveria mais ou menos da seguinte forma: “Não faz sentido os grandes profissionais escreverem livros de poker, pois eles ganham mais dinheiro jogando e, ao qualificar a concorrência, estariam diminuindo seus próprios lucros. E mais: ao revelarem suas técnicas e suas formas de pensar, eles se fragilizam perante seus adversários, tornando seus lucros ainda menores. Portanto, os livros de poker não são escritos com o intuito de ensinar os verdadeiros segredos do poker vencedor, mas, pelo contrário, servem para alienar os jogadores, tornando-os previsíveis e ainda mais fáceis de derrotar”.
Eu mesmo sempre me questionei a tal respeito e somente um ano após minha profissionalização como jogador é que comecei a entender o que de fato se passava com relação à literatura e aos demais métodos de ensino de poker. Eis algumas conclusões a que cheguei.
OS MOTIVOS
Ler é Diferente de Conhecer, Que, Por Sua Vez, É diferente de Dominar
Sim, uma série de pessoas já leu vários livros de poker, e o material com o qual elas tiveram contato possuía qualidade legítima. Contudo, a grande maioria desses leitores não foi capaz de incorporar às suas formas de jogar as informações com as quais tiveram contato – eu estimaria que nove em cada dez leitores de livros de poker se encaixariam nessa categoria. Eles leem, mas não absorvem absolutamente nada do conteúdo e, poucas semanas depois, eles se esquecem de tudo, entupindo suas memórias com bobagens, como histórias de bad beats, grandes blefes ou disputas emocionantes. Em resumo, para essas pessoas, a leitura de livros de poker foi inútil.
Dos dez por cento que não se enquadram na categoria que eu descrevi acima, nove em cada dez leitores apenas passaram a conhecer os conceitos, mas ainda não sabem manejá-los de maneira lucrativa. Nesta categoria estão aqueles tipos que, no final das contas, acabam dizendo que, após a leitura do livro, passaram a jogar mal e se tornaram perdedores (se você se encontra nessa classe, fique tranquilo: você está no caminho certo). A mesma coisa acontece em outros campos de atuação. Suponha que um fã de filmes de Jack Chan quisesse arrumar briga com dez caras maiores do que ele ao mesmo tempo. O que aconteceria? Ele certamente levaria uma surra. Ele sabe como lutar com dez caras ao mesmo tempo, ele viu nos filmes, mas não é capaz de reproduzir aqueles movimentos adequadamente de modo a ter sucesso. Outro exemplo seria o do cara que adora filmes de tribunais e, sem estudar Direito, resolvesse advogar; ele certamente perderia todas as ações que pleiteasse.
Agora, de cada cem leitores, apenas um deles irá realmente dominar aqueles conceitos de modo bastante eficiente para que seu conhecimento possa se converter em lucratividade. Disso podemos tirar nossa primeira conclusão: a democratização da técnica do jogo não afeta de forma drástica o nível das massas de jogadores de modo a preocupar severamente os grandes profissionais.
Técnica Obsoleta
Apenas o Motivo 1 já seria o bastante para que os jogadores profissionais não temessem revelar suas técnicas ao grande público. No entanto, jogadores de poker são cautelosos e não dão passos em falso. Eles ainda assim se protegem daquele 1% dos leitores que irá de fato dominar a informação que foi compartilhada. De que modo? Simples: revelando apenas técnicas obsoletas. Isso quer dizer que, se você souber, entender e dominar tudo que os livros ensinam, ainda assim não será um jogador de nível mundial, mas terá o calibre que os jogadores de nível mundial possuíam há pelo menos cinco anos, o que é respeitável, mas não põe em risco a saúde dos bankrolls dos grandes jogadores de hoje. Eu quero dizer que, mesmo fazendo parte do grupo de 1%, competir com os grandes será o mesmo que correr com uma McLaren do Ayrton Senna nos dias de hoje.
Os Livros Não Entregam o Ouro Tão Facilmente
Como se não bastasse todo o exposto, a maioria dos livros de poker lhe dá o peixe, mas não lhe ensina a pescar. Basicamente, a literatura do poker fica dividida em dois grandes grupos: aqueles que lhe dão fórmulas prontas para jogar, mas não demonstram os fundamentos e os princípios que sustentam as fórmulas e, por isso mesmo, não lhe permitem adequar aquele conhecimento à situação concreta do jogo de forma otimizada; e aqueles que demonstram os princípios de modo chato, exaustivo e nada didático, através de cálculos complexos de EV, gráficos etc.
O Que é Decisivo Para Ser Um Super-Vencedor Não é Revelado nos Livros
De fato, nós agora chegamos ao ponto principal desse artigo. O que realmente faz a diferença no poker de alto nível não é a excelência técnica, como mostrarei a seguir, mas sim a maestria psicológica. E a maestria psicológica, além de menosprezada, é tratada apenas superficialmente pelos livros. Antes de partirmos para a dissecação desses aspectos, darei a vocês algumas dicas para lidar de maneira inteligente com esses motivos. Vejamos.
Como se Desvencilhar Desses Problemas
O segredo para driblar o primeiro motivo que expus – ler é diferente de conhecer, que por sua vez, é diferente de dominar – é a fé de que o conhecimento com o qual você está lidando se reverterá em lucros desde que você os domine, e a obstinação de enfrentar as dificuldades de se dominar a técnica do jogo. Coloque na sua cabeça que o processo de dominar a técnica não é fácil; você precisará ler, testar o que aprendeu, contestar as informações, reler, testá-las novamente, discutir com seus amigos, analisar os resultados, procurar nas entrelinhas e encontrar as exceções, ser então brutalmente honesto consigo, ignorando seu próprio ego e superando sua memória seletiva, questionar-se quanto aos seus erros e falhas no processo de aplicação prática da técnica e repetir todo o processo novamente quantas vezes forem necessárias até que você os domine por completo. Lembre que eu disse que não seria fácil: é como se tornar um mestre das artes marciais apenas assistindo a filmes; não é impossível, mas é quase, e apenas os mais obstinados nos treinamentos conseguirão.
Para o segundo motivo, o da técnica obsoleta, você terá de deduzir para onde aqueles conhecimentos evoluíram desde que foram consolidados. Um bom modo de fazer isso é contrastando a técnica já dominada com a forma de jogar dos grandes jogadores de hoje em dia, perguntando-se qual é a peça do quebra-cabeça que está faltando, traçando o ponto de ligação entre a técnica antiga e a nova, sem se deixar iludir pela história de pegar o peixe, mas não saber pescar; ou seja, você precisará descobrir o que está por trás das jogadas, os fundamentos. Por que Phil Ivey ocasionalmente joga com 9♦3♣ do UTG?
Para o terceiro motivo – os livros não entregam o ouro tão facilmente –, você precisará ler as mesmas coisas através de fontes diferentes e somar as informações de modo lógico, para compreender as causas e consequências das jogadas. Por exemplo, leia o que Daniel Negreanu e David Sklansky falam sobre semiblefes e realize uma fusão do que ambos comentaram, de modo a compreender o tema não somente através de uma única perspectiva, mas sim de maneira completa. Particularmente, eu acabei fazendo isso ao reler meus livros ao mesmo tempo. Eu via o que determinado autor falava sobre o pré-flop, então partia para outro autor e verificava o capítulo sobre o jogo antes do flop, depois ia para outro, e assim por diante, com cada um dos fundamentos do jogo.
O Grande Segredo do Poker High-Stakes: A Lei do Menor Tilt de Mike Caro
Bata demais em uma máquina de pinball e as luzes começarão a piscar, os controles pararão de funcionar e você verá escrito na tela a palavra TILT enquanto você perde a bolinha e, junto com ela, a esperança de vencer o jogo. Bem, você sabe, o mesmo acontece com os jogadores de poker. Quando um jogador perde muito ou flerta com o azar repetidas vezes, o cérebro dele subitamente para de funcionar e ele imediatamente se torna um idiota sem a menor capacidade incapaz de tomar decisões. Ele apostará nos momentos errados e fará uma infinidade de outras bobagens, mas se você olhar bem, poderá ver escrito na testa dele a palavra: TILT. Antes de prosseguirmos, me permita contar uma história.
A Triste História de João
João recentemente se tornou jogador profissional de poker. Há dois meses ele saiu da casa dos pais e foi morar sozinho em um apartamento alugado. Ele vem ganhando de modo consistente há quase um ano e atualmente sua renda é de uns $4.000 reais por mês. Ele comprou uma televisão, um carro, e passou a ter um estilo de vida compatível com a sua nova renda. Certo dia, ele estava jogando um cash game de $1-$2 em uma cardroom e já tinha aumentado o seu cacife inicial de $200 para $500, quando então recebeu a mais bela mão do poker: AA. Ele apostou e apenas um jogador pagou, então o flop trouxe A-K-9 de naipes diferentes. João apostou e seu oponente aumentou. Ele então deu reraise all-in e, enquanto seu adversário pensava se devia pagar ou não, a mente de João se deliciava com os $1.000 reais ele teria em breve. Um quarto de toda a sua renda do mês em apenas mais alguns instantes.
Depois de muitas considerações o seu oponente diz: “Eu acho que a sorte está do meu lado, então vou pagar!” Ele abre JT e, logo no turn, nosso herói vê o inacreditável acontecer: uma dama aparece e a sua imponente trinca de ases vai pelo ralo. Uma discussão se inicia:
[João]: Mas que baralhada! Você me pagou na broca, eu não acredito!
[Oponente]: Baralhada nada, seu moleque, eu tinha 50% de chances de vencer a mão!
[João]: Como assim? Você tá louco?!
[Oponente]: Meu querido, a dama podia aparecer no turn ou não, só havia duas possibilidades: ou bate ou não bate, cinquenta por cento.
O pessoal da mesa cai na gargalhada, e um engraçadinho começa a zombar de João e a fazer piadas. Eis que irrompe um grito na cardroom: REBUY, me dá mais $500 reais em fichas!
De volta ao jogo, algumas mãos depois, ele recebe JJ, aposta e o seu carrasco, o cara dos cinquenta por cento, aumenta. Impaciente, Jon reaumenta all-in e seu oponente argumenta, com um tom sarcástico: “Bem, eu vou pagar a sua aposta com o seu próprio dinheiro”, e mostra AJ. O flop abre A-K-J, enquanto um sorriso maléfico se estampa na face de nosso herói. O turn é uma dama e seu adversário começa a pedir ao dealer um ás. O maldito ás então aparece no river e as piadas voltam a circular a mesa com força total. Roxo de ódio, João se levanta da mesa derrotado e caminha cabisbaixo para fora da cardroom, quando vê um cartaz no caixa que diz: “Aceitamos cartão de crédito na compra de fichas para o cash game”. Algo vibra em seu estômago e o diabinho que mora em seu ombro começa a dizer: “Você vai deixar aquele cara ficar com o seu dinheiro, covardão?” Ele então dá meia volta, e algumas horas depois seu cartão estourou o limite: 10 mil reais.
Isso é o tilt. O nosso amigo, recém profissional do jogo, que ganhava uma média $4.000 reais por mês com o poker, quebrou. E ele não se levantará mais. O desespero em recuperar o prejuízo fará com que ele gerencie mal suas finanças. Ele pedirá um empréstimo no banco e jogará durante horas na internet em um stake menor, até que a sua paciência se esgote e ele acabe subindo os limites e se sente em uma mesa repleta de tubarões. Sua mente fora severamente abalada, e ele vai tiltar novamente em breve. Ele pensará em suicídio, mas, ao fim, apenas voltará a morar na casa dos seus pais. Ele será repreendido pelos pais e ouvirá algo do tipo: “Eu disse que essa história de poker não ia dar certo, poker é sorte”. Algumas semanas depois, sua mãe arrumará um trabalho para ele como auxiliar de escritório e somente daqui a alguns anos ele voltará a jogar, mas nunca mais será a mesma coisa.
A Lei do Menor Tilt
Você achou essa história exagerada? Não se engane: algo parecido aconteceu comigo há dois anos, e pelo menos metade dos amadores que tentam se tornar profissionais do jogo acaba passando por alguma situação similar. É um fato: o tilt certamente já quebrou mais bankrolls do que qualquer outro elemento no poker, incluindo a ausência de técnica.
O tilt é o principal elemento que distingue os bons jogadores dos super ganhadores. Há quase uma década, Mike Caro trouxe a público, num singelo artigo, o mais importante conceito de poker de todos. Acima do Teorema Fundamental do Poker de David Sklansky, do Small-Ball de Daniel Negreanu ou do M de Dan Harrington, está a Lei do Menor Tilt de Mike Caro. Sem mais delongas, ela diz o seguinte:
Entre jogadores similarmente qualificados, vence o jogador mais disciplinado e que tiltar menos.
Você deve estar pensando: “Quanta baboseira, até agora não li nada que realmente fizesse a diferença, afinal, o que há de tão grandioso nisso?” Permita-me demonstrar.
Imagine um jogador de double-or-nothing que disputa 100 torneios de $50 dólares por dia, cinco dias por semana e quatro semanas por mês. Ao final de um mês, ele joga 2.000 torneios DoN e fecha no zero a zero. Agora, vamos supor que ele ocasionalmente entre em tilt ou se desconcentre e, por conta disso, acabe perdendo um ou outro DoN que ele venceria se estivesse em seu estado normal. Uma boa estimativa é que ele perca um a cada vinte torneios que joga por conta disso. Agora vejamos quanto dinheiro isso significa.
Bem, se ele joga 2.000 torneios por mês, então 1/20 disso ele perde por causa do tilt: isso significa que, ao longo de um mês, perde 100 DoNs por causa do tilt. Como cada DoN ganho representa $100 de lucro, há $10.000 dólares por mês que ele está deixando de ganhar simplesmente por causa da Lei do Menor Tilt. Observe que o que faz diferença entre um jogador que ganha $0 dólares por mês e outro que ganha $10.000 não é um abismo de habilidade técnica, como seria razoável supor, mas sim a capacidade de tiltar menos. Espantoso, não?
Pois é, e o mesmo se aplica aos cash games, aos torneios e a qualquer outra modalidade de poker. Finalmente você pode compreender por que a lei do menor tilt é o que diferencia os grandes jogadores das superestrelas do jogo. Se você leu e compreendeu profundamente os conceitos de uns seis bons livros de poker, eu fico feliz em lhe dizer que você ainda não é uma pessoa extremamente rica apenas por causa da incapacidade de resistir ao tilt. Em uma única expressão: falta a você dureza mental. Essa é a verdade que não está nos livros.
Um novo exemplo. Pensemos nos cash games high-stakes. A mais cara mesa do mundo fica no Bellagio, na Bobby’s Room, carinhosamente apelidada de Big Game. Nela se sentam todos os dias jogadores de renome mundial, como Phil Ivey, Daniel Negreanu, Doyle Brunson, Johnny Chan, entre outros. Quão melhores do que seus concorrentes nessa mesa esses jogadores são? Ivey é considerado o melhor jogador do mundo, mas quão melhor do que Daniel Negreanu ele é? Digo que não muito, e provavelmente seria um exagero dizer que a habilidade de um sobrepuja a do outro em 2%. A mesma lógica se aplica aos demais concorrentes desse acirrado cash game. Então, será que essa mesa é de fato lucrativa para alguém? E em caso afirmativo, de onde vem o lucro?
Bem, a resposta é: sim, há lucro a ser extraído nessa mesa, e eles são provenientes de dois caminhos. O primeiro é dos milionários amadores que de vez em quando se sentam à mesa à procura de diversão e de um desafio, e o segundo é da Lei do Menor Tilt. Todos que estão sentados à mesa vão, em algum ponto, tiltar e doar dinheiro para os demais. Assim, em algum momento todos eles terão prejuízo real (não por causa da variância, que não conta em termos de longo prazo) e, ao final de um ano de jogo, lucrará mais aquele que tiltar menos. Phil Ivey é o maior jogador da história, talvez não por conta da sua habilidade incomparável (ele provavelmente não é o jogador mais habilidoso do mundo), mas sim por ser o que menos tilta entre as grandes estrelas do jogo.
Agora que nós compreendemos a Lei do Menor Tilt e as suas implicações, vamos colocar nossas cabeças para pensar e encontrar uma forma de tiltar menos e, com isso, ganhar mais dinheiro. Bem, eu tenho algumas dicas para você.
Experiência: A experiência dissolve as anormalidades do jogo (bad beats, bad runs, falta de sorte em geral, etc.) em um oceano de normalidade. Ela nos ensina a aceitar a variância e a não nos deixar levar pelas maldades do baralho. Além disso, com a experiência, nós aprendemos que perder dinheiro não é o fim do mundo. Jogadores experientes são mais resistentes à pressão por bons resultados, fazendo com que seja necessário muito mais agruras para eles tiltarem do que os demais, e isso implica em uma frequência de tilt muito menor.
Respiração: A respiração é uma das principais pontes que ligam nossa mente consciente à inconsciente. Assim como os batimentos cardíacos, a respiração é comandada pelo subconsciente. Contudo, nós podemos modificá-la de forma consciente de acordo com a nossa vontade. Por meio de exercícios respiratórios, é possível controlar de forma eficiente nossa mente e nossas emoções, de modo a sermos mais serenos e, portanto, menos suscetíveis ao tilt. Existe uma infinidade de exercícios respiratórios, e cada um com seu propósito e eficiência; então, eu recomendo que você os pesquise e escolha aquele que for mais eficiente para você.
Exercícios Físicos: O exercício físico proporciona sensações de prazer, autocontrole e, quando praticado regularmente, pode até mesmo ajudar a controlar dependências tanto químicas quanto psíquicas. Dessa forma, ao praticar exercícios físicos, estamos melhorando a nossa saúde e contribuindo para a prevenção e redução dos níveis do stress, nos tornando mais calmos e mais resistentes ao descontrole emocional.
Exercícios de Relaxamento: Seja através da ioga, da meditação, da massagem, da acupuntura ou de qualquer outra forma, o relaxamento do corpo se reflete na mente e vice-versa. Quanto mais tensos estivermos, mais fácil e frequentemente cairemos no tilt, e não é isso que nós queremos, certo? Então, se você quiser ser um grande vencedor do jogo, engula seu ceticismo e procure algum tipo de exercício de relaxamento: o investimento certamente vai valer a pena.
Alimentação: Daniel Negreanu comentou, de passagem, que comidas pesadas fazem a sua mente ficar lenta. Tristemente, os organizadores dos torneios colocam à disposição dos jogadores apenas alguns poucos minutos para uma refeição. As filas dos fast foods próximos ao local do torneio logo se entopem de jogadores famintos, que se entopem de hambúrgueres, pizzas e hot-dogs. Ao invés de fazer isso, configure você mesmo uma refeição leve e vigorosa para salvar seu estômago durante o almoço. Eu não posso lhe dizer quantas vezes vi os jogadores quebrarem logo depois do break, por estarem com suas mentes em um estado letárgico. Vale também uma ressalva àqueles que consomem cafeína e/ou álcool em excesso. Ambas as substâncias lhe tornam mais temperamental ou, em outras palavras, mais “tiltável”.
Durma Bem e Jogue Descansado: Algum tempo atrás, eu lancei o desfio de transformar $50 em $5.000 em 24 horas e fracassei. Um pouco antes de o desafio começar, estava tudo pronto: eu tinha acabado de acordar e as progressões dos lucros eram realistas; eu iria jogar durante duas horas em torneios DoN de $5, em 25 mesas ao mesmo tempo, o que me faria chegar a algo entre $100 e $150 dólares, então partiria para os de $10 no mesmo ritmo e, em mais três horas, eu chegaria a algo entre $300 e $400; com mais três horas nos torneios de $20, chegaria nos $600 ou $700, então partiria para os de $50, onde ficaria seis horas e chegaria a algo em torno de $2.000; então, finalmente, partiria para os de $100 durante o restante do tempo, até atingir os $5.000. Eu já tinha executado cada uma dessas etapas individualmente antes, e matematicamente era bastante plausível o meu sucesso. No entanto, a prática foi desastrosa. Até a oitava hora de jogo, eu consegui bater todas as metas, e estava indo até muito bem. Eu cheguei a $700 e então parti para os DoNs de $50. Contudo, o cansaço começou a obliterar a minha habilidade, eu já não tinha mais vantagem sobre meus adversários e comecei a empatar, ou seja, a não lucrar mais. Lutei por mais duas ou três horas e comecei a perder, até que finalmente tive que me entregar e aceitar o meu fracasso. Essa experiência me provou os efeitos avassaladores do cansaço. Então, aprenda com o meu erro. Durma bem e jogue apenas enquanto seu vigor estiver no auge.
Programação Neuro-Linguística: A PNL é um ramo ainda novo da psicologia que possui algumas abordagens surpreendentemente interessantes e eficientes. Nela há uma série de propostas e exercícios simples capazes de modificar seu temperamento de modo incrível, tal como na hipnose, mas de forma menos agressiva, e o melhor: você pode fazer sozinho. Estude um pouco a respeito disso na internet, pois também vale a pena.
Fé e Paz Espiritual: É um fato que pessoas de fé ou com paz espiritual perdem menos a cabeça do que as demais. Pense nos monges budistas, nos rabinos e nos líderes religiosos: será que eles tiltariam com a mesma frequência que você? Certamente não. Obviamente, eu não estou dizendo para você se tornar um mestre religioso, mas fique em paz com a sua espiritualidade e você se tornará mais sereno, e seu temperamento, menos afetável.
Onde Entra a Habilidade Técnica Nesta História?
Uma série de pensamentos deve estar passando pela sua cabeça nesse momento, e um deles deve ser: “Se a Lei do Menor Tilt é tão poderosa, e sua regência tão ampla, onde a técnica entra nessa história? Jogar bem, então, não é importante?” Essa pergunta tem muito cabimento e uma resposta ponderada se faz necessária.
Apesar de tudo que dissemos, há espaço para a habilidade no poker, e ela influi diretamente na sua lucratividade, afinal, é ela que determinará o quanto você ganha ou deixa de ganhar em todo o resto do tempo em que estiver jogando e não estiver tiltado. Aliás, até mesmo estando tiltado, a sua habilidade influenciará. O tilt e outros desequilíbrios emocionais afetam o jogo através da redução da sua habilidade técnica. Contudo, se você joga bem, quando estiver tiltado, talvez passe a jogar de forma mediana e não perdedora, se você for realmente muito bom tecnicamente: mesmo tiltado, você será melhor do que seus oponentes. Digo mais: a confiança na técnica faz com que você entre menos em tilt, pois você será menos surpreendido de modo tão avassalador a ponto de mexer com a sua racionalidade.
O que acontece é que, quanto melhor você jogar, mais difícil e demorada será a sua evolução, e menos resultados práticos você conseguirá obter graças a novos conhecimentos. Quando se está começando, cada conhecimento é revolucionário, e suas aplicabilidades são imediatas. No entanto, com o tempo, você já tem domínio dos fundamentos do jogo, assim como seus adversários, e tudo que lhe resta é o aprimoramento dos detalhes, que, com o passar do tempo, serão cada vez mais minuciosos e raros. Não se tratará de dar fold em A-3 quando se está no UTG, mas sim de aplicar um overbet pelo valor no river quando se tem o nuts contra jogadores agressivos que possuem uma gama de call ampla e desbalanceada. Assim, quanto melhor se é, mais importante é a Lei do Menor Tilt em detrimento da excelência técnica, e vice-versa.
Os Outros Também Tiltam
Outro contraponto que convém destacar é que seus oponentes também tiltam – e a Lei do Menor Tilt se aplica constantemente a todos os jogadores. Aprender a explorar os erros graves de seus oponentes tiltados é outra rota onde há muito dinheiro disponível. É preciso identificar quando os jogadores ficam emocionalmente abalados, assim como é também interessante induzi-los ao tilt. Mas tome cuidado, pois mesmo uma fera irracional pode lhe machucar se você não souber como se portar diante da situação. Evite jogadas subjetivas e extravagantes; em vez disso, procure tomar decisões diretas fazendo o óbvio, ou seja, aposte com as suas boas mãos, especule com as marginais e desista das ruins. Tiltar é tornar-se incapaz de enxergar aquilo que está bem à frente do nariz e passar a utilizar um martelo para lidar com parafusos.
Cuidado Com Seu Ego
A grande maioria dos leitores deve ter se impressionado com o que foi dito até aqui, mas, na prática, muitos irão ignorar todas as informações desse texto. O ego dessas pessoas as obrigará a crer que proteger a sua psique do tilt através de meditação, alimentação, ou qualquer outro meio, não passa de frescura. Todos nós cremos sermos mais fortes do que de fato somos, e que somos diferentes de todo o resto do mundo. Entretanto, é preciso espezinhar tal sentimento, pois ele não é inteligente. Inteligência é a capacidade de solucionar problemas e de se adaptar a situações novas, e se julgar o “fortão” vai de encontro a isso. Portanto, solucione seus problemas com o tilt e se adapte a essa nova realidade: para se jogar bem poker, é preciso manter a mente sadia.
Os Melhores do Mundo
Você lê notícias de poker e vê jogadores milionários passando horas jogando golfe, recebendo massagens ou se divertindo em festas e extravagâncias tão grandes que parecem um sonho, então você pensa: “Poxa, isso é que é vida, eles são tão ‘fodas’ no jogo e ganharam tanto dinheiro que não precisam estudar ou se preparar, eles apenas curtem a vida seis dias por semana, e no sétimo vão ao cassino ganhar tranquilamente mais alguns milhões para sustentar esse estilo de vida”.
Você está certo e errado quando pensa isso. De fato eles estão curtindo a vida porque têm muito dinheiro. No entanto, eles só têm muito dinheiro porque, justamente, curtem a vida. É paradoxal, mas causa e consequência se misturam nesses casos. Eles não são simplesmente folgados: eles agem assim porque precisam; sem isso eles tiltariam mais frequentemente e seriam perdedores. De fato, essa é a preparação deles para jogar os mais altos limites do mundo.
Todos os jogadores dessas mesas são similarmente qualificados, e não há como eles evoluírem o modo de jogar de forma tão absurda a ponto de esmagar a concorrência. Quanto mais alto se está, mais difícil vai ficando a escalada, ou seja, eles precisariam de anos de estudo intensivo para superar tecnicamente seu rivais em um ou dois por cento. Nesses jogos de alto nível, não são os melhores que vencem, mas sim os que tiltam menos, ponto.
Adotando a Melhor Abordagem Para o Jogo
Para chegar ao auge da sua capacidade e extrair o máximo da lucratividade que o pano verde disponibiliza, é preciso, creio eu, adotar uma rotina que mistura treinamento teórico, treinamento prático, incremento de dureza mental (por causa da Lei do Menor Tilt) e jogar em busca do lucro. Inicialmente, dando mais ênfase aos estudos e treinamentos e, posteriormente, com a evolução do jogador, dedicando-se mais ao incremento mental e à busca do lucro. Eu poderia apostar que as grandes estrelas do jogo investem 80% do tempo delas no desenvolvimento da dureza mental, 10% na evolução técnica e 10% em jogar para ganhar dinheiro. Por outro lado, um jogador aspirante a profissional deveria dedicar 80% do seu tempo ao estudo e à evolução técnica, 10% ao acréscimo de dureza mental e 10% ao jogo prático em busca do dinheiro.
Contudo, seja qual for o seu nível técnico, dedique sempre uma parte do seu tempo à dureza mental, pois no final, ela vai acabar lhe pagando grandes dividendos. Perceba que o dinheiro de verdade está no final da sua evolução no jogo, e não no início. Jogar para ganhar dinheiro antes de se chegar aos stakes médios de $50 e $100 é, na verdade, jogar dinheiro fora no final das contas. Tenha isso em mente e siga o seu caminho até onde seu destino lhe permitir: enxergue a estrada como um todo e planeje-se da melhor forma possível, sem negligenciar a Lei do Menor Tilt, para não ser devorado por ela.
O Tilt e Suas Facetas
Existe uma infinidade de formas e intensidades de tilt. Há o micro-tilt, que leva o jogador a tomar decisões erradas por pequeno período de tempo, talvez uma ou duas mãos apenas. Há o tilt suave, porém prolongado, que faz com que a qualidade do jogador seja reduzida durante semanas e até meses. Há também diversas intensidades de tilt, desde aquele que apenas reduz a sua habilidade de se concentrar até o que leva o jogador à completa demência. Todos os jogadores tiltam, e perceber que se está tiltado é crucial, assim como também é importante compreender o como o tilt lhe afeta. Existem pessoas que se tornam imprudentes e outras que se tornam tímidas; há aqueles que não se importam com o risco e os que se acovardam. Enfim, o primeiro passo para gerenciar o tilt é compreendê-lo a fundo.
O Tilt se Manifesta de Forma Imperceptível
Cuidado! Descobrir o tilt no momento em que ele acontece é uma das tarefas mais difíceis, pois essa investigação exige uma meticulosa auto-análise – processo mental que fica reduzido, e muitas vezes exaurido quando se está tiltado. Para tanto, é preciso criarmos o hábito de sempre nos auto-investigar, nos questionando de forma cruel e objetiva quanto ao nosso rendimento. Um bom modo de se fazer isso é respondendo à seguinte pergunta: “Nas últimas 100 mãos, eu utilizei todos os recursos teóricos que conheço ou joguei de forma displicente, fazendo uso de apenas uma parte daquilo que sei sobre poker?”