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LAPT FLORIPA - O PokerStars traz o LAPT de volta ao Brasil e faz história com um evento brilhante

Em maio de 2008, o Latin American Poker Tour desembarcava no Rio de Janeiro para a sua primeiríssima edição. Naquela época, Jerry Yang era o campeão do Main Event, Alexandre Gomes ainda não tinha um bracelete da WSOP, Barack Obama era um ilustre desconhecido e a única acusação contra o goleiro Bruno era a de tomar um frango ou outro jogando pelo Flamengo. Enfim, algumas coisas mudaram de lá para cá, especialmente no poker.


Bruno Nóbrega de Sousa

O LAPT do Rio foi um torneio muito acima da média em relação ao que vinha acontecendo no Brasil. As presenças ilustres do feltro mundial e o clima de Las Vegas em pleno Hotel Intercontinental pareciam indicar que aquele seria o momento em que o poker deslancharia de vez por aqui e entraria no mapa com força total. Nada disso. “Contratempos operacionais” fizeram com que o PokerStars, com razão, optasse por deixar o Brasil de fora da segunda temporada do seu circuito latino-americano. Foi um baque para o poker nacional e para o próprio site, que precisou abrir mão de realizar um evento live no país que, sozinho, representa metade do seu mercado na América Latina. Mas isso ficou no passado. Em agosto de 2010, o LAPT voltou à terra brasilis, dessa vez em Floripa, e novamente fez história.

O Costão do Santinho, considerado o melhor resort de praia do país, serviu de palco para o retorno do filho pródigo. Pena que o frio intenso só tenha ido embora no último dia do torneio. Por causa do mau tempo, a praia e as piscinas serviram apenas de cenário a ser apreciado durante as refeições e para fazer imaginar como deve ser aquele lugar no verão. Frentes frias à parte, a estrutura era muito boa, com apartamentos duplex, transporte interno 24h e sistema all-inclusive. Mas não era uma brincadeira barata: a diária chega a custar mais de mil reais, mesmo fora da alta temporada.

Mesmo com o frio e com o evento programado para o final de semana do dia dos pais, o PokerStars conseguiu colocar nada menos do que 356 jogadores no Evento Principal do LAPT, incluindo um sujeito dos cafundós da Holanda que confundiu Floripa com Florença, na Itália, e só descobriu que estava a caminho do Brasil depois de ganhar a vaga nos satélites online. E com europeus desavisados, argentinos marrentos e jogadores do interior de Goiás competindo lado a lado, a prize pool chegou a mais de um milhão e meio de reais, sendo R$ 435 mil destinados ao grande campeão.

Assim como na edição do Rio, estrelas como Humberto Brenes e Victor Ramdin deram o ar da graça também na capital catarinense, dessa vez acompanhados pelo atual campeão do Main Event da WSOP, Joe Cada. Entre os medalhões do PokerStars Team Pro estavam ainda o mexicano Angel Guillen e os portenhos “Nacho” Barbero e Leo Fernandez, fora os quatro brasucas da constelação: André Akkari, Alê Gomes, Maridu e Gualter Salles.

E quando a ação começou para valer, caíram na mesma mesa Akkari, Maridu, Angel Guillen, Nacho, Leo Fernandez e Eduardo Parra, 32º lugar no Main Event da WSOP 2010, melhor colocação brasileira até hoje no torneio. Com a famigerada “mesa da morte” pegando fogo, quem botou mais lenha na fogueira foi Angel Guillen, que logo nos primeiros níveis de blinds eliminou André Akkari. Na mão que derrubou o brasileiro, Angel foi blefar e acabou acertando dois pares – Akkari segurava um par de reis e não teve como escapar desse capricho do jogo. Depois da queda, ele foi correndo se inscrever no evento de pot-limit Omaha e, vejam vocês, ficou com o primeiro lugar e R$ 11.000 a mais na conta. Já Angel, o Team Pro mariachi, mesmo fazendo o favor de eliminar “Nacho” Barbero no dia seguinte, sequer conseguiu ficar ITM no Main Event de Floripa. No mesmo instante, eu me lembrei de uma tuitada do filósofo corintiano André Akkari, após o Flamengo eliminar seu time da Taça Libertadores e ser eliminado logo em seguida: “Se for pra fazer isso, deixa nóis!”

Como era de se esperar, o field dessa etapa foi majoritariamente brasileiro. Para se ter uma ideia, dos 185 soldados que chegaram ao Dia 2 da batalha, mais de cem pertenciam ao nosso exército. Apenas para citar alguns, vale lembrar feras como Bruno GT, Diego Brunelli, Leandro “Amarula”, Fabiano Negrelli, Tito Feltrin, Paulo “Santiga” e Rodrigo “Seiji”.

Encabeçando os brazucas no Dia 2, com 105.900 fichas, estava Felipe Mojave, que protagonizou um dos calls mais heroicos da história do circuito. Depois de acertar um par de três em um flop cujo bordo final teve A-J-3-6-J, ele trocou chumbo quente com Thiago Guedes e acabou pagando o all-in do oponente. Para espanto geral, quem caiu da cadeira foi Thiago e seu Q-T off, depois que Mojave apresentou 7-3. (A coluna de Felipe Mojave deste mês traz todos os detalhes dessa mão insana).

Ainda no Dia 2 aconteceu o estouro da bolha. Quando o jogo hand-for-hand começou, uma turba formada por jogadores e jornalistas se aglomerou em volta da mesa de Wallacy Marçal, que foi all-in de 4.500 fichas quando os blinds estavam em 2.500-5.000 com antes de 500. Para a decepção de muitos, Wallacy dobrou com A-K contra J-J quando o river trouxe um... ás! (Já viram esse filme antes?) Ainda short-stacked, ele foi all-in com K-T, e os blinds deram call e depois check-check, mas o king high do brasileiro foi o bastante para que ele dobrasse mais uma vez. “Vai estourar agora!”, gritou alguém apontando para a mesa da TV. Foi o bastante para que o entorno da feature table ficasse “crowdeado” de gente querendo ver o triste fim do bubble boy. E finalmente aconteceu: Alexandre Fracari empurrou todas as suas 40.000 fichas com par de valetes, mas o costarriquenho Francisco Azocar deu call com A-T. O ás matador veio logo no flop e fez a alegria dos 48 jogadores que respiraram aliviados por ficar in the money. Antes que eu me esqueça, Wallacy Marçal ainda viu outras três eliminações antes de chegar sua vez de se levantar da mesa e ir pegar seu dinheiro no caixa.

O plano inicial era de que o dia só terminasse quando restassem 24 sobreviventes, mas o lento ritmo de quedas fez com que a organização do evento mudasse de ideia e encerrasse os trabalhos ao final do Nível 19 (blinds de 4.000-8.000 e antes de 500), depois de quase 15 horas de jogo. Com isso, 36 sobreviventes voltariam às mesas para a disputa do terceiro dia do LAPT. Dentre eles, “Guillis” Garcia, Alê Braga, Cristiane Dias, Alexandre Martins, Cláudio Baptista e o ex-jogador do Atlético Paranaense e da seleção alemã Paulo Rink, que conseguiria uma surpreendente 29º colocação.

A essa altura, enquanto a liderança oscilava entre o canadense Rudy Blondeau e o austríaco Matthias Habernig, um brasileiro discretamente trilhava seu caminho rumo à mesa final. Rodrigo Scartezzini fazia um torneio com altos e baixos, como vários outros jogadores ainda na disputa. Até aí, tudo normal, não fosse pelo fato de aquele instante representar para ele um momento de superação pessoal e de celebração da vida. No começo do ano, Rodrigo foi diagnosticado com um câncer. Com indicação de repouso durante o tratamento, ele encontrou no poker uma forma de desviar a atenção daquela situação extrema, e o jogo acabou se tornando uma terapia alternativa. “Engraçado que escrevi no Facebook que eu queria que esse ano acabasse logo. Mas de repente ganhei um satélite no PokerStars, vim jogar meu primeiro torneio live e ainda fiz mesa final. É uma sensação indescritível”, pondera Rodrigo, que conclui: “A lição que eu tiro de tudo isso é a de que não dá para desistir nunca, porque uma hora bate” (risos).
Pouco antes da definição da FT, uma recuperação impressionante fez a torcida brasileira acordar. Tendo apenas 40.000 fichas quando os blinds estavam em 12.000-24.000-3.000, Pedro Verlasco foi all-in. E dobrou. Na próxima mão, all-in com A-J e dois calls. Com um valete no river e os adversários sem nada, o que se viu foi um triple-up brasuca e a vibração total da torcida. Na mão seguinte, o terceiro all-in consecutivo e mais um call. Outro A-J, agora contra 8-8. O flop trouxe um valete salvador para Pedro, que subiu de 40.000 para 800.000 em apenas três mãos. A cada dobrada, a torcida brasileira fazia uma grande festa. Pena que Pedro Verlasco acabaria caindo em 9º lugar, eliminado por Matthias Habernig, que conquistava uma liderança maciça e despontava como grande favorito para vencer o LAPT Floripa, cuja mesa final teve:


O primeiro a ir chorar as pitangas foi o canadense ultra-agressivo Rudy Blandeau, que durante boa parte do torneio tinha um stack monstro à sua frente. Muita gente, aliás, acreditava que ele seria um dos protagonistas do heads-up decisivo, mas depois de ter um par de ases quebrado por Alexandre Richard com J-9, Rudy ficou short e logo depois foi all-in, pago por Alexandre, seu carrasco. Dessa vez, um confronto entre Q-5 e A-8 em que ninguém acertou nada foi o fim da linha para esse promissor jogador.
Logo depois cairia Rodrigo Scartezzini, e da maneira mais sofrida: vendo seu par de ases ser quebrado por par de noves que trincou adivinhem onde? No river, claro. Independente disso, parabéns a Rodrigo, que chegou à FT pilotando um stack que praticamente em nenhum momento chegou a ser deep o bastante a ponto de lhe dar maior flexibilidade de ação.

Na sequência, outro brasileiro deu adeus ao LAPT. Dessa vez, ninguém menos do que o pastor André Scaff, que marcou presença também por gritar “é o filho do rei!” sempre que puxava um pote importante. Bem, ele acabou vendo seu rebanho de fichas se perder, depois de um juízo final entre seu T 9 contra o Q J de Matthias Habernig. O simpático pastor acabou deixando o torneio num divino 6º lugar, saudado pelo público.

A eliminação de Robson Kozan na 5ª colocação também foi de doer. Depois de ir all-in com um honestíssimo par de valetes, Alexandre Richard achou que era hora de baralhar e deu call com par de cincos. Até o turn, a justiça imperava na mão, mas o river – sempre ele –, como um gatuno à espreita numa esquina escura, houve de trazer um cinco e roubar todas as chances de vitória de Robson.
Quando Matthias Habernig mandou Miguel Velasco embora em 4º lugar, o sentimento foi dúbio: de um lado, alívio por restar um gringo a menos na disputa, do outro, extrema preocupação com o fato de o austríaco ter ficado com um stack gigantesco, de 4.900.000 fichas contra 1.100.000 de cada um dos brasileiros restantes: Alexandre Richard e Dayan Vardanega.

Seria um confronto entre dois Davis e um Golias. Primeiro, Alexandre Richard colocou todas as fichas no centro da mesa com K 9 e tomou o call mais rápido da sua vida – péssimo sinal – quando o jovem jogador europeu pagou com A J. Abertas as cinco cartas do bordo, o ace high de Matthias Habernig fez as fichas do brasileiro falarem alemão.

Agora a torcida era toda por Dayan Vardanega. Ele, que ganhou a vaga para o LAPT em um sorteio realizado durante uma edição do Floripa Open, chegou a virar o jogo e ter 5 milhões de fichas contra 2 milhões de Matthias. Parecia que seria dessa vez nossa primeira vitória no Latin American Poker Tour, afinal, tudo conspirava a favor: a torcida, o fator casa, a camisa amarela na mesa final, a liderança em fichas, tudo – só faltou combinar isso com o adversário. Numa reação espetacular, Matthias minou o stack de Dayan até transformar a desvantagem em liderança, e a liderança em vitória.

Na mão que definiu o torneio, o brasileiro dá raise pré-flop e toma call. No flop, A 7 10. Dayan dá outro raise, mas toma outro call. Uma Q bate no turn, Dayan pede mesa. Matthias aposta forte, vê Dayan ir all-in e então dá insta-call. No showdown, a tragédia: A-7 para o brasileiro, A-10 para o gringo – ambos tinham acertado dois pares no flop, e o river dessa vez não trouxe reviravoltas. Estava decidido o LAPT de Floripa, com a vitória do excelente Matthias Habernig, que esteve boa parte do tempo entre os líderes e confirmou sua vitória após uma demonstração de técnica, paciência e frieza, qualidades típicas dos grandes jogadores de poker.

Sim, ficou uma pontinha de decepção com resultado, mas isso são coisas do esporte. O saldo geral do evento oferecido pelo PokerStars e organizado pelo competente pessoal da Overbet Eventos é que a etapa brasileira do Latin American Poker Tour representa mais um marco para o poker nacional. Esperamos que todo esse sucesso sirva de vitrine para muitos outros eventos dessa natureza aqui no Brasil. Nós merecemos isso. Depois do LAPT de Floripa, deixamos de ser uma promessa do poker – somos realidade.




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