Já ouvimos por aí que o poker é um jogo de pessoas, que é um jogo de cartas e que é um jogo de informações. Se pararmos para pensar, veremos que o poker é realmente um jogo de cartas, de pessoas e de informações, mas, sobretudo, um jogo de decisões baseadas em cartas, pessoas e informações. Dando continuidade à nossa nova abordagem para iniciantes, nessa coluna falaremos um pouco desse lado mais geral, que envolve o ato de jogar poker.
O poker online simula o poker ao vivo, mas será que essa simulação é perfeita? Já ouvi comentários de amigos próximos que acham meu jogo ao vivo melhor do que meu jogo online. Se formos analisar friamente, no poker ao vivo temos um ambiente altamente propício ao desenvolvimento do jogo. Primeiro, porque estamos vendo os adversários e percebendo tells* que seriam impossíveis de serem percebidas no poker online. Segundo, porque estamos diante de uma única mesa, com toda a nossa atenção e capacidade de raciocínio disponíveis.
Já online, estamos no conforto da nossa casa. Desse modo, várias coisas podem concorrer para que o ambiente não seja o mesmo, exigindo um pouco (ou muito) mais da nossa atenção, comprometendo nossa capacidade de analisar e processar as informações que auxiliarão nossa tomada de decisões. Só para citar exemplos que são comuns no meu dia a dia, posso enumerar: várias mesas abertas em vez de só uma, torneios em diferentes etapas de blinds, às vezes misturados com sit ’n gos de diferentes modalidades, videogame, som, jogo de futebol (às vezes combinados com apostas), cachorros exigindo atenção, telefonemas de amigos, chats diversos, problemas da casa etc. Isso tudo, é claro, rolando paralelamente com o jogo. Pergunto: num ambiente assim, é possível ter o mesmo rendimento que numa mesa ao vivo? A resposta é um não muito claro.
Percebemos então dois diferenciais do poker ao vivo em relação ao poker na Internet: online, não podemos perceber tells dos jogadores e todos na mesa podem se encontrar em ambientes com diferentes níveis de "concentrabilidade", fazendo com que, de cara, uns estejam em posição de maior vantagem por estarem em locais tranquilos e sem perturbações. Logo, quanto mais sossegado estiver seu ambiente, maior é a probabilidade de você conseguir vantagem sobre seus oponentes ao melhorar sua capacidade de decisão. Mas, como essa coluna não é sobre comparações do poker ao vivo com o online, voltemos ao tema central, que é sobre decisões e informações. Agora que você já sabe que, quanto mais próximo seu ambiente online estiver do ao vivo, maior será sua capacidade de processar informações e tomar decisões.
No poker, podemos presenciar algumas situações que envolvem decisões provenientes de avaliações fortes. Avaliações fortes no sentido de envolver valores humanos como a solidariedade, a virtude e compromissos éticos. Podemos nos ver numa mesa de cash game online diante de um grande amigo que sabemos estar passando por dificuldades financeiras, assim como podemos nos ver credores (ou devedores) de alguém que está na nossa mesa. Apesar de essas situações existirem e terem que ser enfrentadas, elas são exceções, e não regra geral. Logo, a grande maioria das situações que nos serão apresentadas gerarão decisões provenientes de avaliações fracas, meramente quantitativas (pot odds, implied odds, ranges, equidade, fold equity e outros). Porém, avaliações fracas que deverão ser embasadas por informações, que por sua vez poderão ou não ter uma boa qualidade. E a qualidade da informação vai estar diretamente ligada a sua capacidade de processá-la. Que capacidade é essa? Obviamente, vai variar de pessoa para pessoa, assim como ela pode ser melhorada, ampliada e desenvolvida com o tempo e a prática. Aumentar o número de mesas de sit ’n go, por exemplo, pode nos apresentar algumas variáveis incompatíveis. Vamos a elas:
Se, por um lado, você aumentar a quantidade de rake gerado (pressupondo que você tenha uma conta com rakeback**), aumentando seus rendimentos, por outro você provavelmente diminuirá seu ROI***, uma vez que terá sua capacidade de processar informações prejudicada em virtude do aumento do número de decisões tomadas por causa da maior quantidade de mesas. Isso também acontece nos cash games e, nesse caso, muitas pessoas usam programas auxiliares como o Poker Tracker e o Hold’em Manager (Conheça também o Poker Assistant - totalmente em português) para descobrir qual o melhor custo/benefício, ou seja, qual a melhor relação de "mesas abertas" x "ganho por hora".
Já em torneios, essa variável é bem difícil de ser determinada, porque não existe uma constante nem de valor de buy-in nem de valor de premiação. Todas as mãos são jogadas em diferentes níveis de blinds, com estruturas diferentes e às vezes até mesmo tempo de blinds e stacks muito diferentes, o que torna a mecânica de muitas mesas bem mais complexa e "punitiva" do que nas outras modalidades citadas. Jogar muitas mesas de torneio reduz drasticamente a capacidade do jogador de buscar informações de qualidade, devido à quantidade de decisões de natureza distinta que ele irá tomar.
Como o foco dos meus artigos e das minhas colunas tem sido sempre torneios, a dica final que deixo para vocês é a seguinte: joguem num ambiente tranquilo, o mais próximo possível de uma mesa ao vivo; prestem o máximo de atenção possível, abusando do direito de usar as anotações de jogadores (notes) disponíveis no programas de poker online; abra poucas mesas, o suficiente para conseguir continuar a fazer as anotações, bem como acessá-las na hora das decisões.
* Tell: São dicas ou pistas que o jogador dá, na maioria das vezes através de linguagem corporal. Sugiro a leitura de “O Livro dos Tells”, de Mike Caro, publicado pela Raise Editora.
** Rakeback: Uma porcentagem da comissão que você paga para a poker room é revertida de volta para a sua conta no final do mês.
*** ROI: Significa return of investiment (retorno do investimento), uma espécie de "rendimento da sua aplicação".