EDIÇÃO 37 » COLUNA NACIONAL

Fold sem sofrimento

Principalmente se essa for a melhor jogada


Raul Oliveira

Escrever sobre um assunto de que já falei em outro artigo, e sobre o qual diversos jogadores já comentaram a respeito de alguma forma em outras situações, pode não ser fácil, mas em se tratando da jogada que faz toda a diferença, sempre tem mais espaço.

O tema desta coluna é o fold, ou melhor, como encontrar satisfação no fold. Essa pode parecer uma palavra estranha em se tratando de largar suas cartas, mas acho que é um sentimento fundamental para o sucesso no poker. É claro que, quando falo em fold aqui, não me refiro a largar pós-flop diante de uma continuation-bet e muito menos antes do flop: estou falando daqueles folds dolorosos num pote gigante, ou um daqueles em que você e mais dois se envolvem na mão e, no fim, acaba tendo que largar um monstro devido à forma como a mão foi jogada.

Pode parecer engraçado, mas diversos jogadores sentem muito mais prazer em pagar uma mão no river para confirmar o que já pensavam e poder mostrar o azar que tiveram do que simplesmente descartar e ir dormir com uma pequena dúvida.

Para ilustrar melhor, vamos a um exemplo: você dá raise com AA, um jogador paga e o flop vem 8 3 2. Você aposta, ele aumenta e você resolve apenas pagar para dar slowplay. No turn, bate um T, você dá check e ele também. No river, bate um ás para formar sua trinca. Você sai apostando na empolgação e “bum!” – toma um all-in. Pronto, seu torneio está em jogo. E agora? Analisando friamente, você imagina que ou ele está fazendo um move insano ou sua trinca está perdendo. Porém, nessa situação, 90% dos jogadores dariam call sem pensar muito, com aquela sensação de que veriam um flush ou, em algumas circunstâncias ainda mais irritantes, 5-4 do mesmo naipe. Para eles, o fold não traz satisfação, mas sim uma briga com o acaso.

Para um jogador que encara o poker como uma montanha-russa e entende sua variância, essa jogada é bem simples e não deixa grandes sequelas. O problema de quem não dá fold é não ficar satisfeito até ver a derrota com os próprios olhos. O craque larga sem ver, na certeza de ter jogado bem, mesmo sem ter provas reais disso.

Felipe Mojave certa vez escreveu aqui na CardPlayer Brasil que “fold doloroso é fold bom”. Concordo com ele. Naquela ocasião, ele largou uma trinca no river aberto e o oponente acabou mostrando a sequência. Mojave ficou stisfeito, claro. Uma boa dica para nos sentirmos assim é encarar o fold como um mega blefe ou uma linda jogada de maximização de pote. Precisamos sair com a autoestima elevada e confiança em nosso próprio jogo.

Um dos mais interessantes casos de fold sem sofrimento foi o de Josh Arieh na mesa final da WSOP. Ele tinha acertando um flush no river, mas não hesitou em dar fold diante de um all-in. A leitura dele estava realmente correta: o outro jogador tinha um full house. O que mais me chamou atenção foi que ele simplesmente fez jogada certa sem se importar se era um blefe ou um full house. Ele simplesmente sabia que o correto era largar as cartas.

Precisamos de um propósito dentro do poker e temos que executar sempre a melhor jogada. Mas não se engane: isso é um grande desafio. Quando você entender verdadeiramente isso, não importa se a jogada é call, raise ou fold, ou mesmo se você ganhou ou perdeu a mão – o que vale é fazer a jogada correta e se sentir satisfeito toda vez que isso acontecer.

Como diz o meu amigo Christian Toth: fazer sempre a melhor jogada, na vida ou no poker, é a melhor forma de se aproximar de Deus. Até a próxima!




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