Antes de começar o artigo, eu gostaria de agradecer a toda a equipe da CardPlayer Brasil, especialmente ao Bruno Nóbrega, que não só veio pessoalmente de BH para o Rio, como me aturou um dia inteiro para fazer a reportagem de capa da edição passada, matéria essa que eu não apenas gostei, como também estranhei o fato de eles terem publicado exatamente o que eu falei durante a entrevista. Isso pode parecer redundante, mas normalmente acontece exatamente o contrario. Então fica aqui meu abraço para toda a equipe da CardPlayer Brasil.
Agora, dando seguimento à série sobre sit ’n gos heads-up, vou relatar duas mãos bem interessantes e com um foco diferente das últimas colunas, em que contei mais sobre leitura de blefes em circunstâncias nas quais eu conseguia, pela forma como meu adversário jogou, peneirar bem sua mão até chegar à conclusão que o call era a melhor jogada, já que teria grandes chances de a jogada dele ser um blefe.
Hoje, o foco das duas mãos é apostar pelo valor. Como vocês sabem, value bets são situações em que nós, com mãos medianas, seguimos apostando, mesmo sabendo que com aquelas cartas teríamos pouca chance de sermos pagos por uma mão pior, mas que, devido à leitura que fizemos sobre como o adversário estava nos lendo, vimos valor nas apostas. Isso pode nos render bastantes fichas em circunstâncias nas quais normalmente daríamos check. Vamos a elas.
Jogada #1
Na primeira mão, eu no small blind, com pingo 50-100, venho com Q♦ 5♠ e dou limp. Nesse blind, um raise puro muitas vezes toma all-in de volta e eu não queria deixá-lo à vontade dando fold, por isso optei pelo limp pré-flop.
O vilão dá check e o flop vem Q♠ 2♣ J♦, excelente para mim. O vilão dá check e eu aposto o padrão: meio pote, $100. Ele paga e no turn um 6♣ não muda muito o cenário. Ele dá check de novo e eu aposto novamente meio pote, $200. Ele mais uma vez paga e no river aparece aquele tradicional A♦. O vilão dá check novamente e eu paro para pensar com que mãos ele teria jogado dessa forma até aqui. Descarto a dama logo de cara, já que teríamos ido all-in provavelmente no flop ou com certeza no turn; uma queda seria possível, mas não é tão provável, por ele ser um bom jogador e estar fora de posição para ficar dando check-call; ás é muito improvável, já que, depois do meu limp pré-flop, com um ás na mão ele teria dado raise. Então, a partir dessa análise, fica quase certo para mim que ele tem o valete na mão e que, se ele realmente for isso, o river para mim foi o melhor possível.
Pode parecer estranho, mas o ás faz com que ele não acredite na minha aposta do river, já que a tendência aqui é que, com a dama ou com valete, eu dê apenas check, então um all-in soaria para ele como blefe ou um KT que completou a sequência no river. Como eu também só dei limp pré-flop, um ás também se torna improvável na minha mão, e isso tudo dificulta bastante a leitura dele. Como eu queria que parecesse um blefe, optei pelo all-in. Uma aposta menor iria assustar mais um valete. Apesar de ser mais facilmente paga, a bet menor induz uma leitura diferente da de um blefe. O vilão era um jogador regular de heads-up e isso me ajudou ainda mais na jogada. Depois do meu all-in, ele pediu time e no último segundo deu call com T♠ J♥, fazendo com que eu ganhasse a disputa.
Jogada #2
Agora, em outro sit ‘n go heads-up, estou no big blind com A♦ Q♠, o que significa que eu sou o último a falar pré-flop e o primeiro a falar depois do flop. Os blinds estavam em 15-30, o vilão deu raise para 75 e eu resolvi só completar. Normalmente, eu voltaria reraise aqui, mas como o elemento surpresa no poker conta muito, resolvi só dar call dessa vez. O flop veio 2-3-2 rainbow, eu dou check e o vilão aposta meio pote, $75. Eu, que com certeza gostei desse flop, volto $180 para ter o comando da mão. É claro que fazendo esse aumento eu possibilito que ele me dê mais um raise e dificulte muito minha decisão, mas ainda assim optei pelo raise. O vilão paga. Esse call dele aqui já nos diz alguma coisa: ou ele tem uma mão monstro e está me pescando, ou tem alguma mão com valor de showdown que pensa que pode ser vencedora, já que nesse bordo ele também não está acreditando em mim. No turn, bate um 7 e eu sigo achando que tenho a melhor mão. O pote agora contém $510, eu tenho $1.300 para trás, e ele $1.190. Como eu o estou colocando em duas cartas altas, sigo com uma aposta de $280 para ser pago. Ele pagou sem hesitar muito, e diante desse call dele eu já tenho certeza de que estou ganhando com AQ ou sendo fisgado por um AA ou KK, mas estou bem mais tendencioso a acreditar que estou na frente. No river, bate um 8, o que a principio é outra carta boa para mim. Nessa hora o pote tem $1.070, eu tenho $1.020 para trás e o vilão, $910.
Como já estou decidido na mão, falta definir o valor da bet. Pressupondo que ele tem uma high card pior e que quero fazer parecer um blefe, venho com uma bet alta de $780, quase all-in, tentando de alguma forma induzi-lo a erro. E ele nem pensa muito e dá insta-call com AT, praticamente me dando o HU de bandeja.
O principal que quero passar nessas mãos é que o mais importante no hold’em é você colocar seu adversário num range de mãos e jogar de acordo com disso, não importa se sua mão não é tão boa quanto parece ou se ela é forte demais: o que importa é jogar em função das cartas dos seus adversários.