O ano era 1941. Imaginem só: 1941! O Brasil não tinha nenhuma Copa do Mundo; Elvis Presley cursava a primeira série numa escolinha do Mississipi. Enquanto isso, os bigodes de Hitler e de Stalin governavam, absolutos, a Alemanha e a União Soviética. Realmente, pode-se dizer uma época estranha. Perguntará o leitor, sempre curioso: “E o poker? E o poker?” Calma, amigos, que chego lá. Neste mesmo ano de 1941, em que os notáveis bigodes dirigiam potências internacionais, era assinado o Decreto-Lei nº 3.688 no Brasil.
Pois bem. Sete décadas depois, em 2010, tanto o bigode nazista de Hitler, quanto o comunista de Stalin, já entraram para a lata de lixo da história. Mas ainda vive, firme e forte, o Decreto nº 3.688. Que vitalidade! Que vitalidade! Prestes a comemorar o seu aniversário de 70 anos, ele já enterrou canalhas como Hitler e Stalin, heróis como Kennedy e Churchill, e outros tantos chefes de Estado.
Este número obscuro – 3.688 – é o da lei que impede a prática dos jogos de azar no Brasil. “Mas poker não é jogo de azar!”, há de notar o leitor. “É jogo de habilidade!” Bem colocado, bem colocado. Alguns reacionários, porém, não pensam assim. Em tempo já retifico: reacionários e ignorantes. Muitos deles são deputados, senadores, governadores – exatamente aqueles sujeitos que deveriam ser as cabeças mais iluminadas do nosso país.
Mas não se enganem, amigos: apesar de salubérrimo, o 3.688 é um cadáver político. “Como assim?”, dirá o leitor, confuso. Ao que responderei, seco e objetivo: “Um salubérrimo cadáver”. Apesar de apresentar vigorosos sinais vitais, o 3.688 tem seus dias contados. Digo isso pelo seguinte motivo: a história nos ensinou que a razão humana, cedo ou tarde, triunfa sobre a ignorância. E o Decreto-Lei nº 3.688, ao não excluir o poker da categoria de jogos de azar, é o exemplo máximo, a personificação perfeita, uma carta magna da estupidez humana.
Nesta coluna da CardPlayer Brasil, já escrevi que, até o século passado, o jogador de poker tinha síndrome de vira-lata. Quando passava a carrocinha, cada um de nós tremia; tínhamos medo de sermos laçados. Hoje, não mais. O jogador de poker virou estrela de Hollywood, virou astro do rock, virou gênio do esporte. E aqui, no Brasil, estamos trilhando o mesmo caminho. Mas ainda há muito a fazer.
Alguns dias atrás, tive uma conversa interessante. Uma amiga me chamou para o bar. “Não dá”, respondi. “Vou jogar poker hoje”. E ela, risonhamente: “Que medo de você!” Vejam vocês: como se eu fosse um gângster, ela ficou com medo de mim! Importante ressaltar que o “medo” sorridente dela denunciou, também, uma certa admiração. Ela imaginou que eu fosse um tipo perigoso, que jogava cartas com caubóis armados, numa sala escura e esfumaçada.
Volto à política. Eis que o ilustre senador Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) aparece, no ano passado, com o Projeto de Lei nº 255/09. Dir-se-ia um irmão caçula do 3.688. A intenção de Garibaldi é criminalizar os jogos de azar na internet. Se o projeto for aprovado, o brasileiro não poderá jogar poker live, tampouco online, na pátria mãe.
Enquanto o poker é caçado por reacionários a pontapés e pauladas, como se fosse uma ratazana obesa, os verdadeiros jogos de azar são promovidos pelo Estado. Como a Mega Sena, a Lotomania, etc. etc. É o tipo de coisa que só poderia acontecer, para citar Zé Simão, no “país da piada pronta”. Muitos anos já se passaram. E ainda vivemos a ressaca de 1941.