EDIÇÃO 32 » COLUNA NACIONAL

Raciocínio e feeling juntos

Decisão Apertada em Torneio Online


Raul Oliveira

Nesta edição, vamos ver duas mãos interessantes que aconteceram comigo nesse último mês. Na primeira, seguindo o padrão das últimas colunas, vou falar sobre uma mão de um sit-n-go heads-up que joguei. Na outra, vou mudar um pouco de foco e contar sobre uma que aconteceu no $1 Milhão Garantido e que causou uma megadiscussão na mesa, e que acho interessante dividir aqui com vocês.

Antes, eu gostaria de aproveitar o espaço para dizer que, depois de muitas idas e vindas, agora é definitivo: meu blog está no ar e terá colunas novas toda quinta-feira, tanto dentro da minha pagina pessoal no Full Tilt (rauloliveira.com), quanto na (universidadedopoker.com). Como sempre, sugestões, comentários e qualquer outro tipo de feedback serão muito bem vindos.

Voltando às mãos, vamos à primeira: na posição small blind em um heads-up (que funciona como o button), dou apenas limp com blinds em 30-60, completando os 60 do big blind com 4 3. No início desta mão eu tinha 1.325 fichas contra 1.675 dele. Como já falei em uma coluna anterior, esse limp é um move bem raro da minha parte e, por isso, tenho sempre que considerar essa informação para a análise futura da mão. Meu adversário, que também reparou nisso e resolveu me testar, fez tudo 150, ou seja, colocou 90 – com esse move, já o coloco muitas vezes em teste para saber se meu limp é forte ou fraco, então resolvo pagar para ver o flop.

O flop vem com K 8 8 e ele dispara 140 num pote de 300 fichas. Eu sigo achando que ele está me testando, então dou call na aposta dele. Aqui prefiro dar call para blefar depois, em vez de dar um raise que possivelmente o faria continuar não acreditando e voltar um reraise por cima, o que me faria entregar uma mão que sigo achando que tenho como levar. No turn aparece um J e ele dá check em um pote de 480. Eu coloco 290 como se estivesse apostando pelo valor na mão.

Um check no turn para ver uma carta grátis no river poderia até ser uma boa jogada, já que eu tinha uma queda para um flush, mas eu teria grandes chances de ser pago mesmo com ace-high caso o flush não batesse e eu resolvesse blefar no river. Por isso, apesar de correr o risco de tomar um check-raise e ter que largar o draw, acho que ainda assim a aposta é a jogada mais lucrativa. Tanto que ele acabou dando fold, e mais uma vez ficou claro o quanto não padronizar o jogo pode ajudar a ganhar fichas de seus adversários.

Na segunda e polêmica mão, a jogada foi a seguinte: numa mesa com oito jogadores no inicio de um torneio de $1 milhão garantido, eu, no small blind, venho com A J, e o UTG abre raise para 300 com blinds em 50-100. A mesa roda em fold até o cutoff, que paga, assim como o button. Eu completo e o big larga. Estávamos em quatro na mão, sendo eu o primeiro a falar. O torneio começava com 20K fichas, e quase todos estavam nessa faixa quando essa mão aconteceu.

O flop vem 6 4 A, me dando top pair, mas nada que me deixe eufórico, então dou check para tentar sentir onde estou. O UTG também dá check, assim como o cutoff. Já o button, como é de praxe, aposta 855 em um pote de 1.300 – uma aposta padrão. Eu resolvo pagar. No turn vem um 4 e, mais uma vez, peço mesa, agora num pote de 3.010 fichas. Meu adversário vem com uma aposta de 1.855. Nessa hora eu paro para pensar em que mãos ele poderia ter para ter dado call pré-flop e estar disparando com esse bordo. AQ é possível; AK, pouco provável, mas poderia ser a mão de um jogador mais conservador; é muito pequena a chance de 66 ou 44 (neste caso, ele estaria com um four); outro AJ nos deixaria empatados; com Ax eu acho difícil ele seguir apostando; pares médios são pouco prováveis; e um blefe não pode ser, pois foi desconsiderado quando ele fez a segunda aposta.

Pensando em todas as hipóteses, resolvo dar call e sentir o river, mas já tendencioso a querer pagá-lo também, claro. A quinta carta é um T, deixando o bordo com 6 4 A 4 T. Eu mais uma vez dou check, e ele vem com uma aposta de 3.895 em um pote de 6.720, e novamente peço tempo. Agora eu já descartava algumas mãos, como AJ e pares médios. Segundo minha leitura, há quatro mãos para ele mostrar: AK, AQ, 66 ou blefe. Só que, depois de pensar um pouco, acabei descartando AQ e AK, já que, na minha cabeça, alguém que só paga pré-flop com essas mãos no button – ou seja, que não aumenta – dificilmente tem o perfil de um jogador que vem com três apostas fortes seguidas. Acho que alguém que joga de conservadora no início não turbina uma mão como essa com quatro jogadores na mesa, principalmente no turn. Então, no meu raciocínio, sobraram duas mãos para ele: 66 e um blefe, e quando meu tempo estava quase esgotando decidi pagar, por feeling mesmo, assumo. Ele apresentou K Q e realmente estava blefando. Logo em seguida ele começou a me metralhar dizendo que o meu call havia sido muito ruim.

Até acho que ele possa questionar meu call do turn, mas não o do river. Quando eu paguei no turn, já tinha em mente pagar no river, pois o cenário dificilmente mudaria. Só um ás ou um valete (cinco outs, ou quatro, caso ele tivesse um ás) me salvariam. Assim, quando dei o call no turn, já imaginava que poderia estar à frente na mão.

A jogada em questão causou bastante polêmica na mesa, com alguns jogadores me defendendo e outros não. Achei-a bem interessante e, apesar de realmente parecer que foi mal jogada, pensei bastante ao longo de todas as streets e, no fim, segui meu instinto de que eu estava à frente. Pela forma agressiva como ele jogou, só consegui enxergar um 66 e nada mais: por isso resolvi pagá-lo. Acho que ele executou um blefe forte, que passaria na maioria das vezes – mas não dessa vez, felizmente. Nesse torneio, acabei andando bastante e caindo em 80º num field de 1.600 jogadores.

Grande abraço a todos.




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