“Um sonho estar aqui há tanto tempo”. Essa é a maneira como eu melhor poderia definir minha estadia em Vegas. É como um surfista morando no Havaí, uma criança na Disney ou um monge no Himalaya – e com todas as vantagens de estar nos Estados Unidos. Claro que tenho verdadeira obsessão pelo Rio de Janeiro, mas procuro ao máximo aproveitar o lado bom de estar aqui. Todo lugar tem seus altos e baixos, mas Las Vegas, para mim, é a cidade que não me deixa sentir falta de nada, pelo menos nesses quarenta dias em que estou aqui.
O trânsito civilizado me permite andar de scooter, o que adoro. A polícia largou do meu pé: só levei mais um “sustinho” quando uma moto da polícia parou do meu lado e me mandou usar a faixa da direita ao passar por um viaduto (a 50cc perde muito velocidade na subida). Outro sonho realizado é poder treinar na “Gold´s Gym”, a melhor academia do mundo para quem gosta de levantar peso. As duas unidades que frequento em Vegas têm uma variedade inacreditável de equipamento, impensável para as academias do Brasil.
Por outro lado, o que pesou bastante contra minha adaptação foi o clima. Não só pelo frio que faz de madrugada (vide artigo passado), mas também pelo ar seco que respiramos. Agora em maio já é possível sair de dia usando bermudas, sem casaco. E de madrugada já consigo usar apenas uma jaqueta e um par de luvas.
Esse clima seco gera um estado de alerta constante do corpo de bombeiros por aqui: a sensação é que Las Vegas vive em chamas. Como não chove nesta cidade – só vi chover uma vez, quinze minutinhos – qualquer ponta de cigarro jogada fora pode desencadear uma catástrofe. O som de sirenes e Carros de Bombeiros rodando pela cidade são constantes. O trabalho de prevenção deve ser muito bom mesmo, porque nunca vi fogo ou qualquer sinal de fumaça pela cidade. Já na Strip, a avenida que concentra os principais cassinos, é o som de outra sirene que chama a atenção, a da ambulância – deve ser normal ataque cardíaco na jogatina... Digo isso porque é um entra-e-sai impressionante de ambulâncias na Strip.
Um fenômeno que percebi, e não deve ser específico de Las Vegas, é que a qualidade da mão-de-obra e de atendimento melhorou significativamente em comparação com 2006 e 2007, quando passei duas semanas aqui. As cenas de filmes mostrando atendentes grosseiros e totalmente desinteressados em manter o emprego eram realidade, mas não tenho visto mais isso. Em restaurantes, cassinos, supermercados, shoppings, etc, vejo empregados extremamente eficientes, e com sorriso na cara. A crise mundial, portanto, tem suas vantagens. Ouvi vários relatos de pessoas que passaram meses a fio sem conseguir trabalho. Outro ponto positivo é que tenho visto uma série de promoções impensáveis em restaurante, lojas de departamento, e até de marcas famosas.
Estou convicto de que a crise é passageira, e de que em alguns anos tudo se normaliza. Falo isso numa coluna de poker porque fiquei realmente impressionado não apenas com o tamanho total da Strip e seu conglomerado de cassinos, mas como com o número de construções em andamento. A impressão que tenho é a de que ou a indústria do jogo ainda tem muito potencial para crescer em Vegas, ou o surto especulativo imobiliário ainda se reflete por aqui, enfim. Ver tantas construções enormes sendo levantadas ao mesmo tempo – sobretudo uma ao lado do Bellagio – me fez ter certeza do que eu já desconfiava: a crise afetou pouco Las Vegas e, por tabela, o poker.
A movimentação na cidade, mesmo em dias de semana e fora de época, é incrível. Quase sempre, as principais cardrooms estão abarrotados de gente. É diversão garantida 24/7. Por aqui, continuo jogando apenas limit. Gosto muito do formato do jogo, e os adversários em sua grande maioria são fracos. Tem sido bastante normal constatar que, em uma mesa de limit com dez jogadores, todos os meus eventuais nove oponentes não terem a menor noção de starting hands. Eles jogam com quaisquer duas cartas do mesmo naipe e não levam em conta posição – de madrugada, a ação fica alucinante.
O jogo transita entre passivo, com calling stations dando fold no river; e ultra-agressivo, com reraises de KJ off préflop e algumas mãos com 5-bet (bet, raise, reraise, re-reraise e re-re-reraise ,) com até cinco pessoas disputando o mesmo pote! Tenho jogado mais de madrugada, especialmente para poder estar presente tanto quanto puder nesses momentos de “tilt coletivo”. Imaginem quatro ou cinco horas da manhã, e uma mesa com três jogadores desesperados para recuperar o que perderam? Tiroteio total! Basta selecionar a hora de coletar as balas que sobram pra você.
Algo muito comentado, e que você pode estar pensando agora, é se vale a pena jogar numa mesa que, por horas a fio, é simplesmente “no-fold´em”. Respondo com outra pergunta: de onde vem o lucro de quem joga “bem” poker? Do erro dos adversários! E isso é um conceito elementar, mas que muita gente esquece. Portanto, se temos um monte de péssimos jogadores na mesa pagando tudo por uma broca ou dando reraise com terceiro par na mão, deve existir uma maneira de ser ganhador nessa mesa.
Uma dessas maneiras é não ser um dos turistas: selecione bem as mãos em que entra, aprenda a largar quando for óbvio que você está vencido ou não tem mais odds para continuar, e por aí vai. Também é importante ter controle emocional, pois algumas mãos em que você entra no flop favorito para ganhar, facilmente se revertem quando há três oponentes pagando tudo até o river. Limit pode literalmente fazer você surtar, caso não esteja claro que o importante é o longo prazo e que você tomará muito mais “rivers” na cabeça do que jogando no-limit.
Certo dia, em menos de duas horas, levei quatro “rivers” em potes imensos. Parei de jogar, pois fiquei totalmente desorientado, mas tenho a consciência de que um evento só se torna doloroso quando seu pensamento o interpreta como sendo algo ruim. Depois, de cabeça fria, vemos que é ótimo que existam jogadores pagando para tentar acertar uma gaveta até o fim. Como vocês sabem, o evento “ruim” acaba sendo visto como parte normal do poker, e quem não sabe lidar com a natureza “emocionante” e as variações não deve jogar poker, seja por diversão ou profissionalmente.
Por mera questão de utilidade pública, deixo aqui duas sugestões de leitura sobre limit: “The Illustrated Guide to Texas Hold´em”, de Dennis Purdy; e “Weighting the Odds in Hold´em Poker”, de King Yao. O primeiro é bem básico, mas muito bem ilustrado, explicando as situações práticas. O outro é mais profundo, bastante elogiado em todos os fóruns ao redor do mundo, inclusive por vários autores consagrados, como David Sklansky e Ed Miller.
Continuo aproveitando cada dia aqui como se fosse o último, buscando paz e me sentindo um privilegiado por poder conhecer Las Vegas a fundo. Nos próximos artigos, continuarei a falar mais sobre esta cidade, com pitadas de poker no meio. Até lá, pessoal!