EDIÇÃO 22 » FIQUE POR DENTRO

Filosofia do Poker: Em Meio ao Caos


David Apostolico

Em O Livro dos Cinco Anéis, Miyamoto Musashi escreve com profundidade sobre sua exploração a respeito de dois elementos essenciais de tradições marciais e estratégicas. De acordo com a tradução de Thomas Cleary, “o primeiro desses princípios básicos é manter calma e clareza interiores mesmo em meio ao caos violento; o segundo é não se esquecer da possibilidade de desordem em tempos de ordem”.

Acho que esses elementos têm aplicação significativa ao no-limit hold’em. Vamos analisá-los um por um. Nesta coluna, examinaremos o primeiro elemento, deixando a análise do segundo para a próxima edição.
Todos nós reconhecemos a necessidade de manter a calma e a mente clara, não importa o que aconteça no feltro. No poker o que importa é tomar as decisões certas, e nós precisamos permanecer objetivos e racionais. Além disso, não queremos deixar escapar tells. Contudo, acho que esse elemento vai um pouco além. Nós em geral acreditamos que estamos equilibrados, mas tiramos conclusões precipitadas. Eu vejo jogadores tomarem grandes decisões sem levar em consideração todos os fatores. Permita-me dar um exemplo recente de uma jogada relativamente simples que eu acho que ilustra essa conclusão.

Recentemente, eu estava jogando um torneio com dois jogadores que eu conhecia relativamente bem. Eles tinham apenas uma vaga familiaridade um com o outro. O Jogador A era sólido e tight, e conseguia dar fold com facilidade. O Jogador B era loose e acelerava o jogo, e gostava de criar caos. Os dois se enfrentaram em uma mão fundamental. “B” abriu aumentando um valor modesto de posição final. “A” pagou do big blind, e eles viram o flop em heads-up. As três primeiras cartas foram Q-8-2. O jogador A pediu mesa, permitindo que o Jogador B fizesse uma continuation bet. “A” então deu check-raise. “B” estudou durante cerca de um minuto antes de ir all-in — criando o caos máximo para o Jogador A. Eu tinha quase certeza de que “B” não tinha nada. Também sei que “A” tipicamente descartaria top pair na grande maioria dos casos. “B” tinha mais fichas que “A”, e este teria bastantes fichas restantes caso desse fold. Ainda assim, não demorou muito para que o Jogador A efetuasse o pagamento. Ele permaneceu calmo e não reagiu imediatamente, revertendo sua tendência habitual de fold. Pude ver que ele já tinha formado uma opinião sobre o Jogador B. “A” mostrou Q-10, enquanto “B” revelou A-4. A mão do Jogador A prevaleceu. Esse não é um call que “A” fizesse tipicamente nesse estágio do torneio. Mesmo assim, ao manter o equilíbrio, ele foi capaz de ver através do caos.

Embora esse seja um exemplo bastante simples, acho que as lições são grandes. É natural para a maioria de nós evitar o caos. Nosso instinto de defesa nos diz para correr. Esse instinto provavelmente nos ajuda na mesa de poker em muitas situações. Não vale a pena ser cínico. Ainda assim, se sempre evitarmos o caos, vamos nos tornar um alvo fácil. Permanecer calmo de modo a poder raciocinar sobre tudo é de importância crítica em qualquer situação. Não tire conclusões precipitadas. Lembre-se que os oponentes querem criar confusão.

Nesse mesmíssimo torneio, fiz uma jogada quando estávamos apenas em três jogadores. O button desistiu, o small blind entrou de limp e eu pedi mesa do big blind com 10-8. O flop veio 10-8-2. O small iniciou as apostas e eu demorei contemplando o que fazer. Ambos tínhamos muitas fichas, então eu queria maximizar meus lucros aqui. Eu me lembrei de uma mão que tinha ocorrido cerca de uma hora antes, na qual eu tinha tentado enganar esse mesmo oponente, e ele tinha pagado de maneira relutante. Achei que, se eu apenas pagasse, ele poderia encerrar a ação. Então fui all-in, na esperança de convencê-lo de que eu estava blefando. Ele pagou instantaneamente, e mostrou 8-7. Ele ficou chocado ao ver minha mão, pois achava que eu estava atacando sem nada. O draw dele era muito difícil e minha mão prevaleceu. Tenho que acreditar que, se ele tivesse refletido, em vez de reagir rapidamente, poderia ter chegado a uma conclusão diferente. Poderia ter percebido que eu estava usando a mão anterior para enganá-lo aqui. Talvez não, mas a lição continua a mesma. Permaneça calmo e racional em vez de reativo em meio ao caos.

David Apostolico é autor de vários livros de poker, inclusive O Poker e A Arte da Guerra. Ele está disponível para aulas, e você pode contatá-lo em thepokerwriter@aol.com.




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