Despretensioso. Essa é a palavra que melhor define minhas intenções nestes três meses que devo passar em Las Vegas. Não vim com a intenção de ficar rico, nem espero nada demais do jogo. Pra mim, é sempre melhor quando não crio expectativas, pois eu tiro um peso desnecessário das costas.
Já estive aqui em 2006 e 2007, em períodos de 15 dias cada, com a visão do típico turista que não sai da região dos cassinos. Dessa vez estou com a visão do morador: quero conhecer a cidade de ponta a ponta. A “Strip” ou “Las Vegas Boulevard” (apelido da rua que abriga o conglomerado dos cassinos) é grande, mas a cidade que a envolve é enorme – cerca 600.000 habitantes, fora os turistas, residindo apenas em casas, significa cidade que não acaba mais. Isso mesmo: não existe prédio habitacional por aqui.
Eu mesmo estou em uma casa – que eu chamaria de mansão – há exatos 4 minutos de moto da Strip. Graças a um contato que fiz pelo Orkut (um cara que trabalha para uma escola de inglês que faz intercambio com brasileiros) aluguei um quarto enorme, muito próximo aos locais de jogo. Já que eu não queria o esquema de dividir um quarto de albergue com outras quatro pessoas, esse meu contato me indicou ao dono da escola para alugar um quarto só pra mim, na casa dele. Quem tem mais de trinta anos deve concordar que viajar pra passar perrengue não rola.
Não que na primeira semana eu não tenha passado por algumas dificuldades – é impossível prever os contratempos desse tipo de aventura. O primeiro foi em relação ao tempo: não esperava nem sombra do frio que faz nessa cidade à noite. Estamos no inicio da primavera, e quando vem o pôr-do-sol, a temperatura cai drasticamente para 10 graus (e na madrugada chega a fazer 5 graus). Pra um carioca, isso é a morte! Nas outras vezes, eu havia estado aqui apenas no verão, e fazia 35 graus à noite, com pico de 51 graus de dia. Imagine lidar com essas temperaturas congelantes, rodando de scooter pela cidade!
E o meio de transporte também não era lá as mil maravilhas. Comprei uma scooter 50cc no site “craiglist.com” (o maior classificado online dos EUA) por 450 dólares, com cinco meses de uso somente. Mas tive contratempos com a bateria e o óleo, e parei três vezes na estrada. Andar de moto era um grande sonho meu – eu não andava há mais de dois anos – desde os tempos de Miami, onde morei por seis meses e rodava tudo de moto (lá era uma 150cc). No Rio de Janeiro o transito é praticamente proibitivo, e fazer isso soa quase como suicídio pra mim. O tráfego por essas bandas é super-respeitoso, não porque o americano seja mais educado, mas pelo fato de que a repressão é ostensiva – pelo menos para quem está sobre duas rodas. (risos)
Falo isso porque devo ter entrado para o Guinness Book, com o recorde de paradas consecutivas pela polícia. No primeiro dia com a scooter (terceiro na cidade), errei a faixa para dobrar a esquerda em um cruzamento, e entrei pela do meio, na frente de um carro da polícia, que me parou imediatamente. Depois de colocar a lanterna na minha cara e de alguns discursos sobre quão mau piloto eu era, o policial falou a reconfortante palavra mágica: leave! “Melhor não fazer besteira na terra do Tio Sam”, pensei.
No dia seguinte, voltando do Venetian, e ao invés de pegar a saída principal pela Boulevard, fui pelos fundos, e não sei como, entrei na freeway! Imaginem vocês um louco de scooter 50cc, andando no máximo a 42 milhas por hora, onde o mínimo a que andam é 60. Passei dez minutos andando sem achar um escape, até que obviamente ouvi a sirene da polícia rodoviária. “Are you f. crazy? Wanna die? Get the f. out of here!” Quase agradeci de ouvir isso, e pedi à policial para que me mostrasse como sair daquele inferno. De novo, sem ticket de multa. A essa altura já tava ficando meio paranóico de ver carro da polícia. “Vou andar na linha”, pensei.
No terceiro dia de scooter, em plena luz do dia, e numa rua relativamente pequena se comparada às enormes avenidas principais de Vegas, não consegui enxergar direito o sinal vermelho em um cruzamento. Atravessei. E logo ouvi buzinas de carros enfurecidos... “Errei de novo!” Então olhei para todos os lados e não vi polícia – “ufa!” Um minuto depois, um carro comum liga a sirene – “não acredito!” Parado pela terceira vez pela polícia, em três dias! O policial logo mostrou o distintivo de detetive, fez um interrogatório imenso, mas dessa vez tava mais tranquilo. Claro que não falei pra ele que já tava ficando acostumado com essa situação (risos). De novo não tomei multa, e fui embora.
Não entendia o porquê de não ter sido multado nem uma vez. A explicação que vários me deram foi a de que Las Vegas não era exatamente uma cidade que vive de arrecadação de multas, como são inúmeras espalhadas pelos EUA. E faz todo sentido, porque todas essas três infrações que cometi, ainda que leves, seriam perfeitamente passíveis de multa. Em Miami fui parado cinco vezes em seis meses, com duas multas. Em três dias aqui, eu já tava na contava três paradas, e mais uma por vir...
Exatamente uma semana depois, voltando da academia, faminto, parei num Pizza Hut perto de casa. A scooter aqui em Vegas é muito visada por ladrões, já que não tem exigência de placa. É só o malandro roubar e vender, sem necessidade de registro no “DETRAN” daqui. Tive contato com dois brasileiros que tiveram suas scooters roubadas, então eu trato de acorrentar bem a minha. Para isso, eu estava rodando o estacionamento tentando encontrar um lugar onde pudesse deixá-la, já que um poste pequeno não serviria, pois bastaria levantar a scooter e colocá-la numa pick-up.
Depois de encontrar um lugar e encostar a moto, adivinhem o que aparece, do nada, atrás de mim? Um carro da polícia! – “Você está portando armas ou drogas? No!”. – “Já foi preso antes? No!”. – “Posso lhe revistar? Sure”. – Ponha suas mãos no carro! Ok. Com uma mão só, o sujeito puxou as minhas duas mãos para traz e me revistou, enquanto o outro policial olhava e outra viatura chegava. Não entendendo o que estava acontecendo, perguntei: “Por acaso fiz algo errado?”. Ao que me responderam: “Você estava numa moto, com um comportamento suspeito nesse estacionamento”...
Nem adianta discutir com os caras. Ele pediu minha identidade, mostrei meu passaporte italiano. Então ele foi verificar se eu tinha antecedentes criminais, e me liberou em seguida. O “engraçado” dessa história é que dessa vez eu não tinha feito nada de errado, e eles estavam pensando que eu iria assaltar a loja ou algo do gênero! O figurino certamente deve ter ajudado, já que eu estava com duas jaquetas enormes e espaçosas, duas luvas e usando óculos escuros.
O fato positivo disso tudo é que a cidade toda é muito segura, e prefiro ficar paranóico em não fazer nada de errado por medo da polícia do que ter medo de ser assaltado o tempo todo no Rio. E me sinto muito feliz e privilegiado de poder estar numa cidade fascinante, em que é impossível sentir tédio.
Com relação ao poker, nem se fala. Nas melhores cardrooms, como as do Bellagio, Ceasers, Venetian ou MGM, tem mais mesas rolando que em São Paulo inteira, por exemplo. Sem contar que encontro nelas o que estava querendo jogar por aqui, LIMIT.
Em uma Full Table de NL, encontramos no máximo um ou dois jogadores que podemos classificar como ultrapato. Na LIMIT, são no mínimo cinco... O nível é infinitamente pior, e muitos entram querendo jogar muitas mãos e perder pouco. Também acho muito mais divertido de se jogar do que o NL, já que chego as vezes a ficar horas a fio sem jogar uma mão sequer. Já no limit, é possível entrar em MUITO mais mãos, além de ser um jogo mais matemático. Mas atenção, a “baixa” variação é uma ilusão: canso de ver turista entrando e quebrando com uma hora de jogo.
Um amigo meu que passa cinco meses por ano em Vegas, e provou por A+B que vale a pena jogar limit – tô caindo dentro pra ver no que dá. Pouca gente o conhece, mas ele é ganhador consistente e só joga limit. Vou pegando o jeito dessa modalidade em particular, e curtindo muito a cidade. Além de ir coletando assuntos para os próximos artigos sobre Vegas. See ya!