EDIÇÃO 20 » COLUNA NACIONAL

Não coloque seu oponente em uma mão! Parte 2


Christian Kruel

Fala galera da CardPlayer Brasil! Recentemente voltei do EPT Copenhague, onde bastaram 4 horas de jogo para eu sair de AK x AQ num all-in preflop, contra o famoso jogador online “zigmund”.

Então, nem vou perder tempo com este torneio e vou continuar o meu raciocínio da última coluna, em que fiz uma introdução ao conceito de “hand ranges”. Começamos demonstrando de maneira simples que um jogador, ao fazer uma ação, pode e deve estar representando um conjunto limitado de mãos. E, por fim, depois de recomendar um software chamado Poker Stove para auxiliar no cálculo de probabilidades envolvendo “hand ranges”, apresentamos um exemplo de como usar esse conceito para tomar uma decisão pré-flop.

Por ser um conteúdo de extrema importância no poker, retomaremos o tema nesta coluna. Grande parte das pessoas consegue compreender o conceito de ranges e sabe como colocar seu oponente numa gama de mãos possíveis. Entretanto, muitos se confundem sobre o que fazer exatamente, na medida em que novas informações vão surgindo ao longo da mão. Em outras palavras, elas não sabem de que maneira a colocação do oponente num range de mãos possíveis pode – e deve – influenciar suas decisões em cada situação ao longo da mão.

Compreender ranges vai bem além do tradicional “eu ganho do range dele, então dou call!” ou “eu não tenho a equidade correta contra o range dele, então jogo fora!”. Entender a gama possível de mãos de seu oponente deve influenciar todos os aspectos do seu jogo, desde quando blefar até o tamanho das suas apostas pelo valor, às vezes de modo bem sutil.

Este artigo apresentará fundamentos de cálculos de equidade contra um determinado range de mãos e analisará de que maneiras a colocação do oponente num range de mãos possíveis deve influenciar no seu jogo.

Colocando o oponente num range e calculando a equidade
Você está no button com TT numa mesa no-limit hold´em $2-$4, com mais nove pessoas. Seu oponente, um jogador muito tight, abre raise do UTG para $16, e somente você paga. O flop vem K-T-3, e ele vai all-in. Você já jogou com ele diversas vezes e sabe que ele só moveria all-in nesse spot com pelo menos uma trinca. Como você tem par de dez, o range de mãos de seu oponente se resume basicamente a par de reis e par de três. Com 50% (KK) e 50% (33), temos um caso claro de call com pot odds de 2:1, correto?

Errado! O ato de colocar o adversário numa gama possível de mãos não nasce pronto. Ele surge e vai crescendo na medida em que a mão decorre. Ao passo que ganhamos mais informações, podemos ir diminuindo esse range com base nas ações dos nossos oponentes. Um jogador absurdamente tight está muito pouco propenso a abrir raise do UTG com 33 numa mesa com dez pessoas. Poderíamos dizer que ele faria isso em 10% das vezes, enquanto 90% das vezes o faria com KK. Pré-flop, par de três e par de reis são apenas algumas das mãos em que poderíamos colocar nosso oponente, mas a partir do momento em que ele foi all-in no flop, elas passaram a ser as únicas duas com as quais nós passamos a nos preocupar.

Existem dois conceitos importantes nesse exemplo. O primeiro é que, na análise do range do oponente, você deve considerar todas as ações dele na mão, e não apenas o all-in no flop. O segundo é que, após colocar o oponente numa gama de mãos plausíveis, deve-se estabelecer, com base nas suas ações, a possibilidade de ele estar segurando cada uma delas. Chamamos isso de “mensurar o range”, o que pode soar redundante, pois, por definição, o range já é uma espécie de medição.

Nesse caso, o “range medido” que estabelecemos para o jogador muito tight foi 10% (33) e 90% (KK). Para calcular nossa equidade contra essa gama, devemos multiplicar nossa equidade pelos “ranges medidos” e somar os resultados. Então, de acordo com a calculadora da Poker Stove, teríamos 4% de equidade contra KK em 90% das vezes e 96% de equidade contra 33 em 10% das vezes. Nossa equidade total seria (0,9)*(0,04) + (0,1)*(0,96) = 0,132, ou cerca de 13%. Ainda que tenhamos pot odds de 2:1, é um caso claro de fold.

Perceba que, se não tivéssemos considerado a ação pré-flop e “medido o range” do jogador tight de forma correta, teríamos feito um cálculo equivocado de 50% de equidade e daríamos um call matematicamente incorreto no all-in do nosso oponente.

Este é o conceito mais básico sobre como tomar decisões com base no range do seu oponente.

Blefes
O ato de blefar vai muito além de apostar sem nada quando temos a certeza que nosso oponente não pagará. De fato, se você só o faz quando está convencido de que seu oponente vai jogar as cartas fora, deve estar blefando muito menos do que deveria...

A decisão de quando blefar deve sempre ter por base o range em que você colocou seu oponente. Ao planejar um blefe, você deve ser capaz de imaginar quais mãos do range dele seriam jogadas fora com uma aposta. É preciso comparar a frequência de fold do seu oponente com o tamanho do pote e o tamanho da sua aposta, para decidir em que ocasiões o blefe será lucrativo.

Suponha que você esteja numa mesa $2-$4 de no-limit hold’em, e abra raise de $15 do cut-off, com 34. Seu oponente, um jogador regular tight-aggressive, paga do small blind. O flop abre 987. Seu primeiro impulso, ainda que não tenha acertado o flop, é dar uma continuation-bet de metade do pote no intuito de roubá-lo, já que o agressor pré-flop foi você. Geralmente essa é uma boa tática, mas – como muitas das boas táticas do poker – são genéricas e suas decisões, em último caso, devem se basear em como você espera que seu oponente jogue cada mão em seu range.

Muitos oponentes tight-aggressive regulares que jogam de maneira sólida têm um range impressionantemente pequeno para dar cold call fora de posição. Eles irão jogar fora a grande maioria das mãos, dar reraise com as mais fortes e pagar com mãos tipo 22-99, 76s-KQs e J9s-KJs.

Você poderá perceber como seu oponente pode ter acertado esse flop. Assume que ele pagará ou aumentará sua aposta com bottom pair ou melhor, ou com qualquer draw com mais de oito outs, ele jogará fora: 22–55 em 100% das vezes e; QJs, KJs, KQs em 75% das vezes (as outras 25% ele terá acertado um draw para flush de copas).

Mesmo sem calcularmos percentuais exatos sobre esses números, vê-se de maneira bem clara que um blefe no flop não será uma jogada lucrativa.

Você pede mesa, o turn abre um 2 e seu oponente pede mesa de novo. Embora estivesse preparado para desistir da mão no flop, você não deve deixar de continuar pensando no range de seu oponente, pois uma oportunidade lucrativa pode ter se apresentado.

Você tem certeza de que seu oponente não perderia uma segunda oportunidade de apostar pelo valor com mãos fortes ou de semiblefar com bons draws. Você sabe que seus pré-requisitos para o call na sua bet de metade do pote continuam os mesmos, mas agora já consegue restringir o range do seu oponente para 33-66, 76s, 86s, T8s e QJs, KJs, KQs (excluíndo copas). São 18 combinações de pocket pair, mas se você contar seu 4 e seu 3, 12 serão jogadas fora. 9 combinações de draws e pares não serão jogadas fora e 9 combinações de draws serão descartadas. No total, de 36 mãos possíveis do novo range de nosso oponente, 21 delas seriam jogadas fora com nossa aposta de metade do pote, tornando-o lucrativo agora.
Note que você pôde se utilizar da estratégia do blefe porque uma grande parte das mãos que seu oponente poderia estar segurando seriam, sob sua perspectiva, “air”. Se você tivesse, por exemplo, AK e não 34, teria muito menos a ganhar fazendo mãos como QJs largarem, tornando essa jogada algo sem sentido.

Apostando pelo Valor
Assim como os blefes, as value bets devem mirar mãos específicas do range do seu oponente. Ao presumir que ele tem alguma habilidade para leitura de mãos, o processo de apostar pelo valor no river, por exemplo, deve ser algo como “Eu quero que ele pague com X. Então apostarei $Y para ele pagar me colocando com Z”.

Suponha que você, do button, abra raise de $30 com A5 numa mesa $5-$10 de heads-up no-limit hold´em. Seu oponente paga e, nesse momento, o range dele ainda é muito grande, apesar de você poder descartar mãos como 92o (teria dado fold) ou KK (teria dado raise). O flop abre KTT, e ele pede mesa. Você aposta $45, ele paga.

Agora nós temos mais informações para trabalhar. Embora seu oponente seja capaz de blefar sobre sua aposta no flop com um raise, você nunca o viu fazer isso dando call no flop e apostando no turn ou no river, sobretudo fora de posição. Então, podemos assumir que seu range muito frequentemente será Ax (ele sabe que você tem um range grande de raise pré-flop em posição, assim como um range grande para dar continuation bet com esse flop, e pode assumir corretamente que Ax está na frente do seu range), Kx, QJ, Q9, AT-T8 (ele provavelmente largaria um Tx menor pré-flop), 22-88 e, ocasionalmente, pares maiores, ainda que com eles o reraise fosse mais provável.

No turn abre outro K, que é uma grande carta para você: os dois pares da mesa muito frequentemente serão maiores que um provável par na mão do seu oponente, o K faz com que seja menos provável que seu oponente tenha outro K, e você passará a empatar com os Ax que antes o batiam. Ele pede mesa e você também.

O river vira um 2 e ele pede mesa novamente, fazendo com que você possa, mais uma vez, restringir o range dele. Você está praticamente certo de que ele com apostaria uma quadra ou um full house, bem como com pares menores em blefes. Isso o deixaria com Ax, QJ, Q9 e em alguns casos raros com AA, QQ, JJ no seu range.

Esta parece uma boa situação para apostar, haja vista que você será batido poucas vezes. A questão é: quanto? Para determinar isso, é necessário considerar quais serão suas mãos-alvo (neste exemplo, QJ e Q9). Como apostar para que seu oponente pague com Q-high nesse spot? Ele precisa pensar que você está blefando com uma mão pior. Logo, é preciso fazer uma aposta que seja interpretada por ele como um blefe.

Este é um ponto importante porque muitos jogadores cometem um erro de avaliação comum ao apostar nesses spots, colocando muito quando blefam e pouco quando apostam pelo valor. Esse é um padrão de apostar muito intuitivo e óbvio demais. Fuja dele porque seus oponentes poderão explorá-lo com facilidade.

Eu não estou dizendo para você fazer uma aposta enorme aqui... Isso vai depender do seu oponente. Estou falando que o range de call dele é que deve determinar o tamanho da sua aposta, e não a força da sua própria mão. Se o oponente paga com Q-high uma aposta de metade do pote com uma frequência três vezes maior do que pagaria uma aposta do tamanho do pote, então aposte meio-pote. Se essa frequência for menor, opte pela aposta maior. Assim você maximiza sua equidade contra essas mãos.

Conclusão

Embora muito jogadores tenham uma vaga noção sobre como pensar o range de seus oponentes, vários não conseguem entender que as informações adquiridas ao longo da mão devem ser confrontadas a cada momento na tomada de decisões. É com esperança que deixo esses exemplos, no intuito de ajudá-los futuramente em processos decisórios do jogo. Na próxima coluna falaremos um pouco mais sobre o tema.

Próxima parada: LAPT Punta! Vejo vocês na www.universidadedopoker.com

Christian Kruel
Full Tilt Poker PRO




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