EDIÇÃO 16 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

A minha mão inesquecível!

Quase engasguei com amendoim


Rafael Caiaffa

Recebi alguns e-mails de jogadores iniciantes, perguntando qual a mão de poker que eu joguei e que mais me marcou. Posso dizer que já são quase três anos me dedicando ao Texas Hold´em e, durante esse tempo, joguei diversas mesas finais pelo Brasil, importantes torneios pela América do Sul e, por fim, participei esse ano de alguns eventos da WSOP onde, inclusive, me torneio o melhor brasileiro da historia do Main Event. Sem contar os torneios online, que jogo quase diariamente. Ou seja, são muitas mãos que me marcaram! Mas é claro que existe uma especial, que jamais vou esquecer. Vamos a ela:

Por incrível que pareça, ela não aconteceu em nenhum dos eventos citados acima. Quis o destino que ela fosse realizada aqui mesmo, em Belo Horizonte. Eu estava jogando cash game, blinds 5-10 e definitivamente não estava num bom dia. Eu estava com 7K (reais) na mesa, mas havia entrado, no total, com 10K.

Já era madrugada, fim da sessão. Muitos ali estavam perdendo e tentavam recuperar de qualquer jeito. Um deles era Aylton – sujeito bacana, que joga muito bem e que já vi ganhar mais vezes do que perder. Nesse dia, ele estava sendo castigado pelo baralho e, em busca da forra, subia muitas mãos. Ele deu raise em UTG para 150 reais (acredite, foi um raise pré-flop totalmente dentro dos padrões do cash de BH).

A principio, a idéia era foldar meu 87o, mas ao ver quatro calls antes de ação chegar em mim, e pelo fato de eu estar no dealer, resolvi dar pagar também (costumo dizer que no cash game daqui, jogo as mãos com implied odds infinitas!). Com mais cinco adversários na mesa, garanto que se eu acertasse o bordo, ganharia muito dinheiro. E o flop foi razoavelmente bom para mim: 6-9-K, duas cartas de paus, me deixando com duas pontas para seqüência.

Outra peculiaridade do cash de BH é a maneira como as pessoas jogam pós-flop. Poucos jogadores nesse cash fazem continuation-bet sem acertar o flop e, por isso, quando Aylton apostou 500 reais, já imaginei logo que ele tivesse AK. Um jogador pagou a aposta e eu imediatamente dei call, para tentar minha seqüência e ganhar um enorme pote que nessa altura tinha 2400 reais.

O turn trouxe uma Q de copas e Aylton saiu apostando mais 1000 reais. O jogador que tinha nos acompanhado no flop correu, e após pensar um pouco resolvi dar mais esse call. Mas agora eu tinha pensado em mais algumas alternativas.

Eu acredito muito em minhas leituras, e elas indicavam que Aylton realmente tinha AK. Se virasse T ou 5 eu fazia seqüência, e provavelmente ganharia dele uma value bet de pelo menos 1500 reais. Se batesse uma carta de paus, ele poderia imaginar que eu fui para o flush, e eu poderia blefar forte. Por fim, se viesse um J, um simples 10 em minha mão me daria seqüência e eu também poderia blefar e ganhar um bom pote. Mas só uma observação: eu faria essa jogada porque sei que Aylton poderia correr se batesse algumas dessas cartas, já que o considero um bom jogador e eu sei que eu tenho uma imagem muito sólida!

O river trouxe um J e o bordo apresentava 6-9-J-Q-K. O pote continha 4.400 reais, e quando Aylton deu mesa eu rapidamente anunciei meu all-in, de pouco mais de 5 mil reais. Eu sou muito frio para jogar e garanto que estava tranqüilo enquanto Aylton pensava, afinal, eu sabia que ele não poderia pagar meu all-in com AK.

Mas, para meu desespero, Aylton anunciou que ia pensar com as cartas abertas (permitido pelas regras da casa) e me mostrou 99. Ele tinha feito uma trinca no flop! Confesso que quando vi aquela trinca eu perdi o ar. Numa atitude impensada, levantei da mesa e comecei a comer um amendoim (que eu nem gosto). Eu realmente mudei de cor! Se ele desse call, eu teria um prejuízo de 10 mil reais naquela noite.

Ele estava com uma postura de quem ia pagar minha aposta, e foi nessa hora que eu percebi que tinha que fazer alguma coisa para que ele corresse. Olhei para ele e falei: “Que é isso... você trincou no flop, hein!?”. Aylton me respondeu: “Caiaffa, sei que você esta blefando. Você estava para o flush e não virou. Seu all-in não faz sentido”. E eu disse: “Se eu tiver alguma carta de paus na mão não vale. Eu não estava para o flush”. Acho até que me compliquei com minha resposta, mas ele sabe que eu jogo de maneira sólida e ele me fez a seguinte proposta: “Caiaffa, acho que vou te pagar. Aliás, vou te dar uma chance. Retire seu all-in da mesa e vamos dividir o pote, porque não quero te tomar tudo”.

Nessa hora, o mais sensato era aceitar depressa a proposta e dividir o pote, mas eu cresci com aquela proposta dele e respondi: “Não aceito, Aylton. Quero que você pague”. Ele retrucou: “Mas eu sei que você esta blefando. Vamos dividir?”. E eu encerrei o assunto dizendo: “Pode pagar a aposta Aylton...” Ele foldou, eu mostrei meu 87o e me deu um alivio que vocês não imaginam! Ganhei moral no jogo e ainda consegui sair com lucro de cerca de 2K naquela noite.




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