Olá gente, tudo bem? Infelizmente, tudo que é bom chega ao fim. E por mais que tenha durado (e nossa, como durou!), os dois meses de “realizar sonhos” em Vegas durante a esperada WSOP acabou. Mas não sem deixar alguns sonhos realizados, especialmente pelo Alexandre “Allingomes” Gomes, o primeiro brasileiro – e agora jogador do Team PokerStars Pro – a ganhar um bracelete da World Series para o nosso país. Título mundial, junto com o prêmio de mais de US$700K. Parabéns, Alê! Fato histórico que será lembrado para sempre, e comemorado ainda por um bom tempo!
Eu não posso reclamar da WSOP, que, para mim, foi boa em todos os sentidos, especialmente em termos de aprendizado. E como a Série Mundial ainda está fresca na cabeça, resolvi falar sobre ela. Dos sete eventos que eu joguei, fiquei ITM em três, sendo dois bastante “deep” (terminando em 35o lugar em ambos). Na minha outra coluna escrevi sobre o Ladies Event, que foi uma terrível decepção, já que eu tinha verdadeiras chances de fazer algo acontecer, mas um erro me custou muito caro. Já no evento 2K NLH não tinha como escapar, e eu tinha que cair do jeito que caí. Então, resolvi escrever sobre algumas jogadas que considero corretas que infelizmente não deram tão certo, mas, acima de tudo, gostaria de comentar sobre uma das lições mais importantes que tive nessa WSOP, a qual serviu para me mostrar mais uma vez como o comportamento na mesa é importante – não só na mesa, mas na vida!
No evento 2K NLH aconteceu uma situação que alguns devem conhecer, mas comigo nunca tinha ocorrido. Foi o seguinte: restavam 103 jogadores e a grana era em 100 pessoas, ou seja, momento tenso e de agredir para fazer fichas. Minha imagem era boa. Eu havia mostrado duas mãos fortes e quando ainda havia 115 pessoas eu estava mais agressiva e dando mais reraises pré-flop do que de costume. Enfim, vamos à situação.
Com blinds em 1K-2K e antes de 200, o UTG fez tudo 9K, ficando com 33K. A mesa rodou em fold e eu, com 57K no small blind, vi duas damas vermelhas. Em qualquer parte de um torneio essa situação é mais complicada do que parece, porque eu geralmente não quero jogar um pote gigantesco, fora de posição, com QQ. Porém, em momento de bolha, também não tenho intenções de largar, pois sei que as pessoas estão mais propensas a não se arriscar sem ter entrado na grana, mesmo com um raise tão grande do UTG. Portanto, não fiz firula e imediatamente anunciei “all-in”. O que poderia ter sido feito diferente nesse caso? Reraise para 25K e foldar diante de um all-in? Jamais. Se for para fazer isso, prefiro largar QQ pré-flop em vez de transformar uma mão legítima em um blefe depois de investir parte significativa do meu stack no pote. Nesse caso de bolha, acho que prefiro deixar a decisão para o oponente, sabendo que, se ele foldar, minha taxa de take-down pré-flop é razoável e meu stack aumenta em 13.800; além disso, se ele entrar no tanque por 1 segundo, isso significa que estou na frente e quero o call; se eu tomar o insta-call, devo estar perdendo mas não estarei fora, pois não só tenho mais fichas do que ele, como também sempre tenho dois milagrosos outs. Assim, no minuto que ele parou para pensar depois que eu anunciei meu all-in (na verdade, o all-in dele) eu sabia que era um Ás grande, provavelmente AK, e queria o call. Finalmente ele falou “I call” e mostrou seu AK. Momento tenso. Estávamos no hand-for-hand, então juntou bastante gente em volta, e o K bateu logo no flop – perdi esse pote monstro num momento importante. Jogada certa que deu errado, mas não vi saída nesse caso. Fiz o que sempre faço quando perco um pote: bati na mesa e falei “nice hand”, e no que eu estava sentando novamente, o oponente, que tinha ganhado a mão, virou pra mim e falou: – “How can you be so stupid to put me all-in there with queens? Are you crazy?” (Como você pode ser tão burra de me colocar all-in com um par de damas? Você é maluca?)
ALÔU? Não acreditei naquilo! Nem eu, nem ninguém em volta! Foi algo que me deixou em completo estado de choque! Falei: – “What? I said nice hand!” (O quê? Eu disse bela mão!). E ele insistiu: – “You must be crazy to put me all-in. You are retarded!”(Você deve ser maluca para me colocar em all-in! Você é retardada!).
Olha, não estava prestes a discutir com um desconhecido nervosinho o meu nível de burrice (todos nós sabemos que sou bem “ihn-óhn”, mas ele não tinha prova suficiente disso ainda!). Mas, “pelamordideus”, como é que alguém ganha um pote gigantesco desses num momento crucial do torneio e ainda xinga o oponente? E numa jogada tão básica de bolha? Juro que senti uma raiva como nunca senti de alguém numa mesa de poker, e posso dizer que não fui só eu – a mesa inteira e todos que estavam em volta acompanhando a mão (inclusive três amigos meus que ainda estavam no torneio) sacudiram a cabeça e ficaram horrorizados com a atitude feia do oponente. E sabe o que o cara conseguiu com esse infeliz comentário sem o menor tato ou etiqueta de mesa? Conseguiu se tornar o carrasco do torneio, e ele mesmo pendurou em volta do pescoço um sinal vermelho escrito “WANTED DEAD OR ALIVE” (“procurado vivo ou morto”). Uma atitude tão feia perante o jogo, especialmente depois de ganhar, não desperta grandes amizades, isso eu posso garantir. Falei pra ele, numa calma só: – “Se eu sei perder como homem, você não deveria ganhar feito uma menina”, e voltei para o meu short stack quieta, porém querendo sangue – horrível a sensação.
Não sou nenhum exemplo de “cidadã-modelo”, mas sei que certas coisas não se deve fazer numa mesa de poker, como xingar um oponente ou o dealer quando perder uma mão, dar aulas (até porque não sei nada), gritar, comemorar excessivamente (aliás, nunca comemoro porque sempre que ganho algo sei que é porque alguém está perdendo, portanto prefiro puxar as fichas em silêncio), mas nunca tinha parado para pensar em não xingar alguém quando se ganha um pote! Já vi muito perdedor amargo, mas vencedor amargo... Como assim?
Bom, a bolha estourou em três mãos, e com meus bravos 14K consegui entrar na grana e ainda reerguer meu stack para 150K, à custa do próprio cidadão, que me devolveu tudo com juros! Cada raise que ele dava, tomava reraise de alguém, e dava para sentir que o comportamento horrível do cara tinha afetado a mesa inteira. Será que existe “karma”? Deve existir, porque algumas órbitas depois, já ITM, eu tirei metade do stack dele com QQ vs. KJ, e duas mãos seguintes terminei o serviço e o eliminei quando quebrei seu AA com K♣Q♣ num flush lindo que veio no turn. Claro que não posso justificar meu flush contra o par de ases dele somente com base em “karma”, mas que dá gosto de pensar que também ajudou, ah, isso dá!
Enfim, nesse torneio acabei caindo em 35o quando o UTG fez tudo 20K, eu dei reraise para 52K com A♣K♣ no small, e o big blind, que não tinha nada a ver com a história, foi de all-in. Ele estava me dando 3-1 com 30% de equidade no call e tinha mais fichas que eu. Mesmo sabendo que nessa situação ele tem AA 65% das vezes, KK 30% e QQ 5%, matematicamente, eu tinha que fazer o call. Sofri, chorei, mas dei call, e era mesmo um par de ases. O bordo “tijolou” e GG ME – levei pouco mais de 10K. Foi triste, mas fazer o quê? Foldar? Hmm... Avaliei muito e, com o tamanho do pote, não vi como poderia fazer isso com os blinds em 4K-8K e antes em 800. Ficaria com 11 big blinds, short demais para fazer algo significativo acontecer. A meu ver, se eu desse fold nessa situação, não estaria jogando para ganhar, pois transformaria meu AK num blefe e jogaria contra a matemática (o que, na minha humilde opinião, é sempre –EV. Sigh...) Um acerto que deu errado numa situação quase impossível de se livrar. Grrrr!
Mas com tudo isso dito, e satisfeita com a forma com que joguei esse torneio, mesmo tendo dado errado, a lição mais valiosa que aprendi foi a importância de sempre se comportar com educação e etiqueta nas mesas de poker para não irritar ninguém – especialmente os Deuses do Poker, que tudo vêem e tudo sabem. Porque no poker como na vida: é “toma lá, da cá!”.
Nos vemos pelas mesas do PokerStars!