Saber quando pagar um all-in pré-flop é fundamental para o sucesso de quem joga poker. Trata-se de uma habilidade utilizada principalmente por quem joga sit-and-go, em que os pingos estão sempre pressionando as pilhas de todos os jogadores na mesa. Mas se aplica também, com freqüência, a inúmeros torneios, sejam freezeout ou com rebuy, deep stack ou não. E até mesmo em cash games, nos quais muitos jogadores (profissionais inclusos) deliberadamente optam por jogar short stack.
Por ser uma decisão forçada para quem quer jogar poker, e por ser puramente matemática, deve-se dedicar um tempo mínimo estudando suas nuances (se você acha que tem o feeling do Doyle Bronson, este artigo certamente não é para você). Ná página 206 de seu livro No-Limit Hold’em: Theory and Practice (2006), que em breve será publicado em português pela Raise Editora, David Sklansky fala que, “muitos jogadores têm uma compreensão grosseira e intuitiva sobre quais mãos valem a pena jogar ou não, mas, na verdade, esse entendimento geralmente é apenas grosseiro.” (tradução livre)
Para o cash game é pura questão de pot odds, então não é necessário nenhum programa especial para saber se você deve ou não dar call contra um all-in do oponente. Já em multi-table tournaments e sit-and-go´s a história é completamente diferente. A porcentagem que se deve ganhar um confronto contra um range de mãos do oponente é somada (e dividida, e multiplicada, e diminuída, etc) a outros fatores, como o número de jogadores no torneio, a zona de premiação e o escalonamento dos prêmios. Para colocar todos esses dados em um multi-table – por incrível que pareça – não existem ainda programas para avaliar se dar call contra um all-in pré-flop é correto ou não.
Por exemplo: imagine que temos um torneio com buy-in de $55, 1200 jogadores inscritos, e os 162 mais bem colocados ficarão in the money. Restam 280 competidores ainda luta ainda, e você recebe um all-in de presente contra seu big blind. Você paga ou dá fold? Isso vai depender de diversos fatores, como as cartas que você tem na mão, qual a estimativa de range para o push do adversário (porcentagem de mãos que o oponente vai de all-in), valor do pingo, sua pilha de fichas e o average, qual a escala de premiação do torneio, dentre vários outros fatores. Seria um cálculo matemático bem mais complexo do que os elogiados programas de sit-and-go que temos disponíveis, mas perfeitamente possível de ser desenvolvido.
Para sit-and-go temos diversos programas, e no primeiro artigo dessa série sobre softwares de poker falei sobre o SNGEGT, dando ênfase sobre qual a expectativa ao dar all-in. Agora vamos discorrer um pouco sobre algo mais difícil ainda: pagar um all-in. Vou falar de outros dois programas da mesma família, igualmente excelentes – e gratuitos.
HEADS-UP TRAINER e SNG QUIZ
O heads-up trainer é o mais simples de todos. Você joga inúmeros heads-ups contra a máquina, com pingo nas alturas e, para ambos os lados, só vale dar fold ou all-in. Parece ser bem simplista, mas treinar contra a máquina faz um bem imenso para seu jogo, justamente na situação que mais vale premiação, o heads-up decisivo. Ainda gera polêmica a possibilidade de uma máquina poder ganhar dos melhores jogadores de poker do mundo, mas caso você não seja um dos melhores do mundo, aconselho que treine um pouco com o software.
No segundo software, o SNG QUIZ, você programa um teste em que serão simulados vinte cenários diferentes, nos quais é preciso responder se o correto é dar push ou call. Seleciona-se o número de jogadores (2 a 4), o tipo de pergunta (apenas sobre push ou apenas sobre call, ou os dois misturados ), o valor dos pingos, o numero total de fichas e o grau de dificuldade. No diagrama a seguir foi dado push com AJo, e o programa considerou correto – repare que 14/20 significa 14 acertos a cada 20 questões, onde a cor vermelha indica erro e a verde denota acerto.
O range para pagar o all-in está em 5%, 11% e 4%. O programa classifica como correto o push. Algo que deve ser ressaltado é que, mesmo com o software considerando o all-in como tendo expectativa positiva, isso não quer dizer que outras jogadas, como um raise de 1000 fichas, sejam incorretas. O programa está analisando apenas se o all-in e o fold estão corretos.
Repare que todas essas situações podem ser reproduzidas no SNGEGT (vide edição anterior), e mais, é possível modificá-las à vontade, colocando mais ou menos jogadores, alterando posições, pilhas de fichas, ranges, etc.
Recomendo programar o SNG QUIZ da seguinte forma:
Difficulty – Hard (está fora de questão não exigir o melhor possível da máquina)
Quiz Mode – Random (se você quiser estudar o call ou o push separadamente, basta modificar a opção)
Number of Players – 2, 3 ou 4 (aconselho sem o random, para sempre direcionar um quiz com o mesmo numero de jogadores)
Position, Size do Big Blind e Size dos Stacks – Random
Chips in Game – Preferência pessoal (coloque o que mais se aproxima da contagem total de fichas do site que você costuma jogar).
Fazer esse exercício, principalmente na situação mais difícil, que é pagar (ou a arte de foldar), é fundamental para saber jogar não apenas sit-and-go , mas poker em geral. Gosto muito desse tipo de estudo, porque é um demonstrativo puramente matemático. Sabe-se que boa parte dos jogadores se apaixona pelo poker por causa de estudos mais complexos, mas esse setor “simples” precisa ser muito bem entendido por quem quer ganhar uma vantagem extra sobre os oponentes.
Assim como aconteceu comigo, se você nunca respondeu aos quizzes, vai ficar surpreso e perplexo ao se deparar com questões como a do diagrama 3. O fold com 9-9 é correto, mesmo com você sendo o short stack do torneio, e com o range de 28% das mãos utilizadas no all-in do adversário sendo muito inferior ao seu par de noves (A2+, 22+, K6s+, K9off+, Q9s+, QJoff+, J10s). Observe também que não temos o range de call do BB (a pilha de 4300), porque o computador está assumindo que a margem de fold dele nessa mão é de 100%.
Porém, se modificarmos o pingo para 200-400 com ante de 25, como demonstrado no SNGEGT (diagram 4), veremos que o call possui expectativa positiva: aumentou o pingo, vale mais a pena arriscar a eliminação para tentar acumular logo mais fichas.
Assim, constatamos que esse estudo conjunto é um dos vários exemplos possíveis dessa valiosa ferramenta, verdadeiramente imprescindivel para quem quer ser vencedor não só em sit-and-go, mas também nas outras áreas mencionadas inicialmente.
Na próxima edição: Poker Office.