EDIÇÃO 117 » COLUNA INTERNACIONAL

Como eu pude ser tão idiota?

Os melhores jogadores de poker sentem-se idiotas com frequência


Alan Schoonmaker
Your Money & Your Brain (Seu Dinheiro & Seu Cérebro) é um livro fantástico que começa com o título deste artigo. E continua: “Em momento de fúria, se você nunca gritou consigo próprio essa sentença, então você não é um investidor. Não dever haver nada em todo espectro do esforço humano que faz tanta inteligente se sentir tão estúpida quanto investimentos”.

Eu concordo com quase tudo da frase, exceto que nada faz as pessoas se sentirem tão estúpidas. Os melhores jogadores de poker sentem-se idiotas com frequência. Claro, nós não somos idiotas. Somos inteligentes. Pessoas analíticas. Estudamos estratégias e psicologia. Analisamos nossos erros. Então juramos que faremos melhor e, bem, repetimos os mesmos erros bobos. O que há de errado com a gente? A resposta é supreendentemente simples: anos de evolução criaram cérebros que são primariamente emocionais, não lógicos.

Todos os jogadores — incluindo você, eu e os melhores jogadores do mundo — ocasionalmente são ilógicos. Meus livros, principalmente Seu Pior Inimigo no Poker [disponibilizado no Brasil pela Raise Editora], analisam nossas tendências autodestrutivas. Mas antes de eu ler o livro que citei no primeiro parágrafo, eu não entendia por que somos tão irracionais. Eu ainda não entendo o cérebro humano tão bem, mas esse livro me ajudou muito a melhor minha maneira de pensar, escrever e jogar poker.

Devido à minha especialidade em psicologia corporativa, eu nunca estudei seriamente como o cérebro agre. Na verdade, antes de toda essa tecnologia que temos hoje, nem mesmo os neurocientistas podiam precisar qual parte do cérebro controla várias de nossas atividades mentais e de processamento de informação. Hoje, sabemos bastante, mas o futuro ainda modificará muito esse “bastante”.

Aqui vão duas descobertas recentes:

“A atividade cerebral de alguém cujo investimento está dando bastante lucro é indistinguível da de alguém que está ‘chapado’ pelo uso de cocaína ou morfina”.
“Perdas financeiras são processadas nas mesmas áreas do cérebro que reagem a um perigo de morte”.

Essas duas descobertas explicam parcialmente por que recompensas e perdas de curto prazo têm muito mais impacto sobre nossas ações do que aquelas de longo prazo. Milhares de especialistas apoiaram essas conclusões, mas ninguém explicava com precisão por que os efeitos de curto prazo são tão fortes.



Por que eu deveria me importar?

Você pode estar pensando: “E daí? Não me importo como meu cérebro funciona. Eu apenas quero jogar melhor e ganhar mais dinheiro”.

Você deveria, sim, se importar porque o subtítulo do livro é How the New Science of Neuroeconomics Can Help Make You Rich (Como a Nova Ciência da Neuroeconomia Pode Ajudá-lo a Fica Rico). Isso para investidores que querem ganhar mais dinheiro. Sabendo que o poker é uma forma de investimento, saber como o seu cérebro funciona pode colocar fichas no seu stack e dinheiro no seu bolso. Quando você entende por que você comete erros, você está menos suscetível a repeti-los. 

Conhecimento não garante sucesso

Nós naturalmente esperamos que os jogadores com mais conhecimento consigam os melhores resultados. Sim, conhecimento e resultados estão correlacionados, mas essa correlação está longe de ser perfeita. Saber sobre as nuances do jogo não garante que você aplicará bem seu conhecimento. Nós todos ouvimos relatos de jogadores que falam bem, mas jogam como idiotas — não por acaso, temos vários autores de poker “quebrados”.

O livro dá um exemplo de um bom autor, mas um jogador idiota: “Harry Max Markowitz ganhou o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas muito pelas descobertas matemáticas que ele não foi capaz de aplicar quando era jovem em seus investimentos”.

Se um vencedor do Nobel falhou em sua área, não pense que apenas aprender poker irá automaticamente ajudá-lo. Se você não entende como você pensa e sente, é bem improvável que você aplicará bem o seu conhecimento.

Infelizmente, o mesmo princípio aplica-se à neurociência.  Aprender como o seu cérebro opera não irá melhorar suas decisões automaticamente. É preciso treinar o seu cérebro para sobrepujar as forças irracionais que estão nele.

Treinar o cérebro é uma nova ciência, mas uma arte antiga. Meu amigo, Preston Oade, me enviou um e-mail mostrando que monges Budistas podem controlar e modular algumas reações do nosso cérebro. Alguns jogadores de poker já estão fazendo esse treinamento mental e seus resultados são claros.

Jogadores de poker são irracionais para maximizar o lucro

Esse é o primeiro e mais importante princípio, mas pode ser muito difícil de aceitar isso. Por séculos, as pessoas acreditaram em uma criatura mítica: “O Homem Racional”. Seu instinto sempre foi maximizar sua utilidade [em economia, basicamente, utilidade é a capacidade que objetos ou serviços possuem em satisfazer uma ou mais necessidades]. Ele sempre analisava cuidadosamente suas alternativas e sempre selecionava a aquela que produzia os melhores resultados. Como sofremos lavagem cerebral desde a infância, isso é como as pessoas agem e pensam normalmente.

Na verdade, eles não pensam e agem dessa maneira. Através da neurociência, estamos vagarosamente aprendendo isso. Insistir que essa criatura é racional é extremamente irracional. Isso esconde as gigantescas evidências que todos os seres humanos têm decisões autodestrutivas. Como podemos ver toda violência do mundo no noticiário e alegar que pessoas são racionais?

As pesquisas das quais falei antes ajudam a entender por que as pessoas são irracionais com frequência. O prazer e a dor relacionados ao vício em drogas e aos perigos de morte esmagam nossa racionalidade. Pessoas viciadas e em perigo não olham calmamente em volta e procuram por alternativas, muito menos pensam nas consequências de longo prazo. Eles querem imediatamente prazer ou alívio.

No poker, a diferença entre “utilidade” e “lucros” é ignorada (ou mal interpretada). Economistas discutem com frequência esses termos. Os experts em poker apenas pegaram emprestado o princípio de maximizar e presumiram que os jogadores queriam ganhar o máximo de dinheiro possível.

Bem, isso não é verdade para investidores e é menos ainda para jogadores de poker. O mercado de ações e tantos outros investimentos têm tendências ascendentes e mesmo investidores menos habilidosos podem vencer no longo prazo. No poker, também por causa do rake, apenas entre 10 e 15% dos jogadores vencem no longo prazo. Como podemos dizer que jogadores de poker são “maximizadores” de lucro se até 90% deles serão perdedores?

Além disso, todos os jogadores, mesmo os melhores, agem de modo irracional às vezes. Eles mostram isso de várias maneiras nas mesas: sendo criativos demais quando não precisam, ficando furioso, atacando seus “inimigos”, aliviando o tédio com outras atividades, principalmente em celulares e tablets, e por aí vai. Qualquer um que alega ser sempre racional está sendo simplesmente irracional, negando uma realidade óbvia.

Um passo essencial para jogar melhor é entender como, quando e por que você outras pessoas são irracionais. É muito mais importante entender você do que os outros, mas a maioria de nós focamos em nossos adversários, não em nós mesmo. Nós reconhecemos seus pensamentos irracionais, sentimentos e ações muito melhor do que os nossos. Vejam que eu disse “nós”, não “você”, porque eu também ajo irracionalmente muito mais do que eu deveria, assim como você.

Toda emoção gera erros

Antes de ler o livro que falei, de maneira geral, eu focava em emoções e reações negativas, como raiva, medo e tilt. A verdade é que outras emoções, como ganância, confiança, arrependimento e mesmo felicidade devem ser igualmente analisadas. Em artigos futuros, discutirei como isso pode causar grandes erros e como reduzir seus efeitos destrutivos.


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