EDIÇÃO 113 » ESPECIAIS

Zidane do Poker

Rodrigo Caprioli é o novo Campeão Brasileiro de Poker


Marcelo Souza

A inversão de valores é um dos grandes males da humanidade. No Brasil, principalmente, o sucesso incomoda. Prego que se destaca é martelado. O pecado de ser você mesmo, para o bem ou para mal. 

Após se tornar Campeão Brasileiro de Poker neste ano, durante a cerimônia de premiação, Rodrigo “Zidane” Caprioli deu um discurso um tanto quanto polêmico, em que ele falou sobre sua história se misturar com a do poker brasileiro, de sua entrada em um possível Hall da Fama do Poker brasileiro no futuro e de se considerar um dos melhores jogadores do País. Isso, associado a seu jeito um taciturno nas mesas, lhe rendeu alguns rótulos. 

Foi tachado de arrogante, babaca. Mas acontece que, na maioria das vezes, não estamos preparados para conviver com a verdade. Ela machuca. E quando resolve falar, ele vem com uma enxurrada delas. Sem falsa modéstia. Direto. Verdadeiro.

Primeiro brasileiro a se tornar Super Nova Elite. Doze anos no topo de uma das mais cruéis cadeias alimentares do ecossistema. Único tricampeão do SCOOP. Especialista em poker, não apenas em torneios de no-limit hold’em. Goste ou não dele, a história do poker nacional se confunde, sim, com a história de Zidane. Goste ou não dele, no dicionário do poker, Zidane é sinônimo de sucesso. Goste ou não dele. Ele não importa. Aos 37 anos, ele apenas segue em frente, deixando uma trilha de história e conquistas por onde passa.

 

Marcelo Souza: Como começa sua história no poker?

Rodrigo Caprioli: Ainda bem garoto, aos 10 anos. Jogava Seven Card Stud no Master System, mas como os blefes nunca passavam, eu quebrava (risos). Ainda bem que o dinheiro era fictício. O interesse cresceu mesmo no colegial, uns cinco anos depois. Conheci o Marcelo “Carabina”, campeão do primeiro BSOP da história, em 2006, ficamos muitos amigos e começamos a promover jogos na escola. Isso faz tanto tempo que as fichas, naquela época, já eram fichas, mas de telefone (risos). Nós dois chegamos a ir assistir a estreia de Cartas na Mesa. Praticamente só a tinha a gente no cinema.

 

MS: E no poker profissional?

RC: No ano 2000, o Marcelo e eu já jogávamos hold’em. Quando surgiu o Orkut, a coisa começou a ficar mais séria. Aí veio o Campeonato Paulista de Hold’em (CPH), organizado pelo DC [Devanir Campos, diretor de torneios do BSOP], [Leandro] Brasa e Leo [Bello], também os torneios em um cassino underground que existia em São Paulo (bem no estilo de Cartas na Mesa mesmo, que um cara olhava pela fresta, você deixava seu nome na porta e entrava pra jogar). E a verdade é que, mesmo naquela época, nós já estávamos bem à frente dos outros jogadores. Já tínhamos lido alguns livros e material de poker e também vínhamos da área de exatas (Estatística, eu; Engenharia, ele, na federal). E dali para cá o jogo explodiu, principalmente em São Paulo.



Rodrigo Zidane Caprioli

Os números da carreira de "Zidane" impresssionam



MS: Como surgiu o apelido de Zidane?

RC: É meu apelido desde a faculdade. Por causa da semelhança, já me chamavam assim desde aquela 1998. Hoje, não nos parecemos tanto, ele já não tem tanto cabelo (risos). Mas o pessoal do poker nem sabia. Acontece que quando ganhei meu primeiro torneio, no cassino que citei antes, na mesa final, eu estava bem short, dois ou três blinds, e comecei a ganhar um all-in atrás do outro. O pessoal que estava na torcida ficou louco, aí era “vai, Zidane” pra cá, “vai, Zidane” para lá, e eu achei bem legal. Quando o CPH começou, na ficha de inscrição perguntava sobre apelido, eu adotei o “Zidane” e pegou de vez.

 

MS: E fazendo um paralelo hoje, você seria para o poker brasileiro o que o Zidane é para o futebol?

RC: Ele foi um dos melhores da história. Um dos melhores que eu vi, certamente. Tem as exibições dele memoráveis, como na Copa do Mundo de 1998 contra o Brasil. É um jogador fantástico. E eu também sou um craque dos panos, como ele foi da bola. Então, a resposta da pergunta é sim.

 

 

"Poker é prática. Se você olhar pelo lado de coaching, eu sou autodidata. Nunca fiz. Para falar a verdade, eu nem acredito muito em coaching".

MS: Como é o seu processo para nunca ficar ultrapassado?

RC: Poker é prática. Se você olhar pelo lado de coaching, eu sou autodidata. Nunca fiz. Para falar a verdade, eu nem acredito muito em coaching. E não tem como você saber se a pessoa vai lhe ensinar 100% do que ela sabe. Qual o sentido de ensinar tudo o que você sabe para um adversário? Porque nas mesas somos todos adversários. Você pode ajustar uma coisa ou outra com dicas de caras que são melhores que você em determinada modalidade, mas gosto de pegar informações sozinho e estudar a sua parte matemática para descobrir as melhores linhas. Mas como eu disse, no geral, você aprende jogando. Erra, corrige e acerta no futuro. No Brasil, eu tenho certeza que ninguém gerou tanto rake quanto eu. São milhões de mãos. Sendo uma pessoa inteligente, a experiência se torna a base de tudo.

 

 

MS: Em todos os torneios que acompanho, não me lembro de ver você sem óculos escuros. Você acha que, mesmo com toda sua experiência, seus olhos ainda podem lhe entregar?

RC: Os óculos que eu sempre uso são especiais para joagr poker. Não óculos escuros. Na verdade, ele deixa tudo mais claro e sua visão cansa muito menos. Eu até recomendaria que todos usassem. Mas o principal ponto dos óculos escuros não é exatamente para os outros jogadores pegarem alguma “tell” sua, mas para que eles não percebam para onde você está olhando. Você pode tranquilamente estar olhando fixamente para um jogador e ele não notar. Essa é uma ótima vantagem. Faz muita diferença. Porque, obviamente, se você estiver olhando para uma pessoa, e ela sabe disso, o comportamento dela é direcionado, diferente. Pode mudar algum padrão e até tentar lhe induzir ao erro.

 

MS: Você também quase sempre usa um adereço do Palmeiras nas mesas. É uma superstição?

RC: Eu amo o Palmeiras e, de alguma maneira, sempre levo ele para os panos. Também pelas cores. Eu nunca uso preto, sempre procuro cores vibrantes. E sempre é legal mostrar os Palmeiras para o Brasil e para o mundo.

 

 

MS: Campeão Brasileiro de Poker no mesmo ano em o Palmeiras foi no futebol. Mas para você, poker é esporte, como o futebol ou vôlei?

RC: Para mim, não. É um jogo de habilidade. E ele até exige condicionamento físico e uma série de coisas, mas eu não vejo como esporte pelo seguinte: você pode dar o seu melhor, ser o melhor e não ganhar. E isso no esporte não acontece. Se você for um tenista profissional, você jamais vai perder para um amador, certo? Mas ser ou não esporte é irrelevante. É um jogo baseado em habilidade.

 



Rodrigo Zidane Caprioli

Palmeirense fanático, "Zidane" está sempre vestindo as cores do clube de coração nos feltros



MS: Mas afinal, torneios ao vivo são rentáveis, mesmo com tributação?

RC: Claro, tanto aqui como na Europa. O problema é que, às vezes, a pessoa se deslumbra demais, quer jogar jogos mais caros em que a oscilação é realmente absurda e e o nível é muito alto. Mas se você escolher bem os torneios, notará que há eventos com nível muito fraco, de muitos jogadores recreativos. Mas o ponto maior é controlar muito bem os gastos. Se você vai com o objetivo de lucrar, você tem que ficar nos hotéis mais baratos, economiza na comida, comprar passagem antecedência. E você também não pode ser excludente, ao vivo principalmente. Jogar torneios não lhe impede de jogar cash games. Você deve ter a mentalidade de um jogador de poker, não de um jogador de torneios. E onde há grandes torneios, pode ter certeza que há cash games em que o nível de jogo é bem fraco. O cash ajuda muito a diminuir a variância dos torneios.

 

 

MS: Você se considera o melhor jogador menos conhecido do grande público?

RC: Certamente, eu sou o melhor jogador que ninguém conhece. Mesmo na disputa do ranking, muita gente não me conhecia. Nem sabia quem eu era. Mas os grandes jogadores sabem o quanto eu sou bom, e esse é o reconhecimento que eu busco — e desde que eu comecei a jogar, não tenho dúvidas que, no geral, eu estava entre os dez melhores jogadores e, hoje, eu continuo entre os dez melhores do País. Eu digo no geral, olhando o todo. Tem jogadores do hold’em, principalmente do online, melhores do que eu? Sim. Mas se você pegar cash games, torneios, mixed games, tanto online quanto ao vivo, eu venci em todos eles.

 

 

MS: E o que você acha do uso de softwares no jogo online?

RC: Obviamente é importante. Não vou dizer que é o diferencial, mas acho que você está em desvantagem se não usar — por mais que eu não concorde. Acho que não deveria ser algo permitido. Ao vivo, você não tem informação das últimas dez mil mãos que você jogou com uma pessoa, quanto ele deu raise, quanto ele fez um 3-bet. Mas uma vez que é permitido, você tem que usar, senão fica em desvantagem. 

 

 

MS: Você se sente injustiçado pela mídia?

RC: Algumas mídias são um pouco direcionadas, patrocinadas. Então, de certa forma, sim. Mas eu também nunca busquei. Meu negócio sempre foi poker. Deixo o marketing para outros. Tem gente aí que divulga muita coisa que não é verdadeira e vende uma imagem que não existe.

 

MS: Podemos dizer então que seu título brasileiro foi um tapa na nossa cara, a imprensa, principalmente para algumas pessoas que você tem relação conturbada?

RC: Não. Meu objetivo nunca foi provar nada a ninguém. Não preciso disso. Eu sei do meu potencial. Sabia que a sorte iria contar muito. Não dá nem para dizer ganhei porque sou mais hábil que os outros concorrentes. Todos que estavam na disputa mereciam. Mas meu objetivo é sempre ser o primeiro. Como eu disse em meu discurso na cerimônia de premiação, o objetivo é sempre chegar no topo. E parece que meu discurso não agradou muito. Sei que eu não era o predileto da turma, mas o título está aí.


MS: O que você pensa sobre algumas pessoas lhe acharem arrogante?

RC: Cada um pensa o que quer, certo? Definitivamente, eu não sou arrogante. Eu simplesmente não faço muita questão de puxar o saco de ninguém ou agradar quem não me agrada. Também não sou falso também. Falo o que penso. Meus amigos estão aí de prova. Às vezes, uma fala mais firme ou uma atitude fora do padrão pode ser interpretada como arrogância. Como eu não sou uma pessoa naturalmente carismática, as pessoas acabam fazendo esse tipo de julgamento.

 

MS: Em seu discurso, você também falou que já passou da hora da criação de um “Hall da Fama Brasileiro do Poker” e que você deveria estar nele. Você acha importante esse legado?

RC: Claro. Acho que todos que fizeram parte da história do poker brasileiro, de uma maneira positiva, merecem o devido reconhecimento. Existem outros que vieram antes de mim, como o CK (Christian Kruel) e o Raul, os pioneiros. Mas eu também estava lá desde os primórdios, e sigo jogando em alto nível há 12 ou 13 anos.

 



Rodrigo Zidane Caprioli

"Zidane" é um velho conhecido dos pódios do BSOP



MS: Você é uma pessoa extremamente calma na mesa. Afinal, o Zidane sai de si alguma vez, entra no famoso estado de tilt?

RC: Ao vivo, a chance é zero de isso acontecer. Mas tudo é prática. Muito tempo de experiência. Obviamente, quando você está começando, suas emoções afloram mais, tanto as boas como as ruins. Às vezes, pode acontecer online, é difícil, mas acontece. A verdade é que ao vivo você tem muito tempo para recuperar, esquecer, perceber rapidamente que você jogou de maneira perfeita, mas o baralho aprontou. E mesmo quando erro, foco para que isso não aconteça novamente. Errar é humano e ninguém está imune a isso.

 

MS: Quanto ao título brasileiro, você pretendia ser campeão desde o início ou foi só consequência do trabalho?

RC: Na verdade, nem um nem outro. Nunca foi algo que passou pela minha cabeça. Nunca foi um objetivo. Este foi o primeiro ano que corri todo o circuito do BSOP. Até porque, eu jogo mais cash games do que torneios. Tenho até muito bons resultados em torneios, mas prefiro o cash, por ter uma variância menor, ser menos frustrante. Eu só fui ver que valia a pena lutar pelo ranking lá para a terceira etapa, que o prêmio era muito bom. Até então, eu viajava só para jogar cash. Isso poderia ter sido resultado diretamente no meu desempenho no ranking, já que deixei de jogar vários torneios por causa do cash. Na primeira etapa, por exemplo, só joguei um torneio, porque o BSOP coincidiu com o TCOOP (Turbo Championship of Online Poker). Se você olhar minhas pontuações, vai ver que depois que comecei a focar no ranking, eu consegui pontuar em pelo menos dois torneios por etapa. 

 

 

MS: É verdade que antes do BSOP Millions foi para a Europa focado em treinar? Esse seria o motivo de você ter arrebentado na última etapa do ano?

RC: Não acho que arrebentei em Millions. Meu desempenho foi até um pouco a baixo do que eu esperava. Especialmente ali de começo, que faltou um pouquinho de sorte. O que acabou fazendo diferença para mim foi o pot-limit Omaha, que fiz cinco ITMs em todos os cinco torneios. Mas se você olhasse logicamente, eu não estava em primeiro, mas eu era o favorito, pelo tipo de grade do Millions, que era composta de muitos torneios turbos, em que meu desempenho foi muito superior durante o ano em relação aos meus concorrentes. E, sim, o treino na Europa foi bastante valido. Fiquei bastante tempo ali sozinho, concentrado, meditando e me exercitando fisicamente e mentalmente. Nas mesas, eu procurei os torneios que seriam semelhantes aos do Millions — e fui muito bem. Não peguei nenhum resultado gigante porque faltou ganhar um flip aqui e outro ali, mas fiz muitos ITMS lá.  Quase ganhei um anel do WSOP Circuit em Berlim, em um torneio KO. Fui bem na Repúplica Tcheca, em Paris. Então, eu cheguei muito bem preparado para o BSOP Millions, em que eu sabia que minha vantagem contra o field era bem grande.

 

MS: Em 2017 teremos o Zidane na briga pelo bicampeonato?

RC: Sim, com certeza. E acho que é muito difícil eu não estar brigando pelo topo no final do ano. Mil fatores podem decidir o ranking. Um flip que você perde em uma reta final, um Main Event que um adversário crava ou fica em segundo e outros detalhes. Mas, no ano que vem, vou jogar tudo desde o início. Não será surpresa vocês me verem no top 5 do ranking geral e do de Omaha.

 

MS: Qual a lição que fica com o título?

RC: Que o poker é divertido. Eu amo o poker e amo a competição. Foi uma rotina louca. Muita adrenalina. Muitas contas, estratégias, decidir qual torneio jogar, saber quando se segurar para entrar ITM. A competição foi muito acirrada. Todos eram muito bons, o que deixou tudo ainda mais divertido. No ano que vem, espero estar repetindo tudo isso de novo.

 

A corrida do título


Rodrigo Zidane Caprioli

"Federal", presidente da CBTH, entrega bracelete de campeão a "Zidane"



Rodrigo “Zidane” teve um desempenho irrepreensível durante o a Temporada 2016 do BSOP. Ele pontuou em todas as etapas. Foram 26 ITMs, sendo oito apenas no BSOP Millions. Além disso, ele fez 15 mesas finais e conquistou 04 títulos. Pela vitória, ele recebeu os buy-ins de todos os Eventos Principais do BSOP 2017, um pacote completo para o PokerStars Championship Bahamas (antigo PCA), que inclui passagem aérea e acomodação, com direito a um acompanhante e inscrição para o Main Event, e mais R$ 200 mil em prêmios, incluindo uma motocicleta Indian Scout, avaliada em R$ 55.000.

 


Etapa Torneio Posição Pontuação
1 - São Paulo (SP) NLH Turbo Bounty 125
2 - Foz do Iguaçu (PR) NLH Turbo 4 Blinds 260
3 - Rio Quente (GO) PL Omaha Dealers Choice (4/5 Cards) 125
3 - Rio Quente (GO) NLH Turbo Super Knockout 180
4 - Punta del Este (URU) NLH Turbo Super Knockout 150
4 - Punta del Este (URU) Main Event 71° 80
4 - Punta del Este (URU) NLH Turbo Super Knockout 60
5 - São Paulo (SP) PL Omaha 21° 40
5 - São Paulo (SP) NLH Turbo Super Knockout 150
5 - São Paulo (SP) 8-Game Mix 180
5 - São Paulo (SP) NLH Turbo 4 Blinds 215
5 - São Paulo (SP) NLH Last Chance Deepstack Turbo 33° 50
6 - Natal (RN) NLH Turbo Super Knockout 180
6 - Natal (RN) NLH Last Chance Deepstack Turbo 42° 40
7 - Balneário Camboriú (SC) PL Omaha 180
7 - Balneário Camboriú (SC) Main Event 35° 80
7 - Balneário Camboriú (SC) Main Event Light Turbo 125
7 - Balneário Camboriú (SC) NLH Last Chance Deepstack Turbo 23° 40
8 - São Paulo (SP) NLH 1M GTD 357° 40
8 - São Paulo (SP) PL Omaha 5k - 6-Handed 16° 40
8 - São Paulo (SP) PL Omaha Turbo Knockout 18° 40
8 - São Paulo (SP) PL Omaha Turbo Knockout 19° 40
8 - São Paulo (SP) NLH Survivor 40
8 - São Paulo (SP) PL Omaha 30° 40
8 - São Paulo (SP) NLH Turbo 150
8 - São Paulo (SP) PL Omaha Turbo Knockout 260
      2.910 (total)


Resultado Final - BSOP 2016

1. Rodrigo Caprioli – 2.910

2. Luis Kamei – 2.791

3. Affif Prado – 2.770

4. Kelvin Kerber – 2.705

5. Bruno Kawauti – 2.294




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