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Rafael Caiaffa - Nascido para jogar

Mineiro vence dois eventos do WSOP Circuit e se torna primeiro brasileiro a conquistar dois anéis da World Series.


Marcelo Souza

Se você joga poker com frequência, já deve ter escutado a frase: “Nasceu para o jogo”. Aos 36 anos, o belo-horizontino Rafael Caiaffa personifica essa sentença. 


O atleticano de fala mansa e olhar atento é um ponto fora da curva no meio. Ele não é o engenheiro ou o gerente de uma multinacional que largou tudo para se tornar jogador. Para ele, jogo e cotidiano sempre foram intrínsecos. Dos mais convencionais jogos de baralho ao poker, um pulo. De jovem sonhador a um dos principais nomes do poker brasileiro, uma década — afinal, lendas não se constroem de um dia para outro. Sim, Rafael Caiaffa uma lenda do poker brasileiro. 


Campeão do BSOP, campeão mineiro, campeão brasileiro de Omaha e, agora, campeão do WSOP Circuit, ou melhor, bicampeão. Jogador do Best Poker, do Full Tilt e do Rox Poker. Seu legado, indelével. Seu talento, indiscutível. Suas palavras, verdadeiras – e é o que você vai conferir agora, nesta entrevista exclusiva à Card Player Brasil.



Marcelo Souza: É verdade que o jogo está no DNA da sua família?

Rafael Caiaffa: Eu nasci numa família de jogadores. No berço, reza a lenda, que quando eu estava chorando, eles colocavam um baralho lá dentro para eu parar de chorar. Minha tia e minha mãe que contam isso. Meu avô era o cara que mais gostava de jogar no mundo. Ele tinha rinha de galo, quando era legalizado, um time de futebol que ele fundou, o Pompeia Futebol Clube, que eu inclusive joguei com a camisa no BSOP que ganhei. Ele ia para todo lugar que tinha um jogo de sinuca. E baralho? Eram todos os jogos, poker, pontinho, buraco. A diversão da minha família toda, pai, mãe, tias, primos, era jogos em geral. Não tinha como eu escapar.

Desde que me entendo por gente, ali com sete ou oi to anos, a minha diversão era ficar assistindo o pessoal. Com 12, eu já era fera em todos os jogos, buraco, pontinho e até o poker fechado. As outras crianças da minha idade não tinham nem noção do que eram essas coisas. 


MS: Seu avô então foi sua principal influência?

RC: Sim, ele era dentista, trabalhava demais, e os jogos eram o lazer dele. Todo mundo fala que ele era o mais honesto do meio. E naquela época, em um meio que tinha muito malandro, então ele perdia muito dinheiro. E eu sempre ficava brincando que eu ia jogar para poder buscar o dinheiro do meu avô de volta. Para recuperar o patrimônio da família (risos). Então eu sempre fazia essa brincadeira né? 


MS: E como é sua história com o poker?

RC: Eu jogava vários jogos no Minas Tênis Clube valendo dinheiro. Na época, no início do ano 2000, eu sempre ia para lá jogar buraco ou caxeta. Eu estudava jornalismo, mas minha rotina diária era no clube. E eu estava sempre ganhando.

Em 2005, meu tio Max Dutra, filho do meu avô, me falou que tinha achado uma maneira de ganhar dinheiro na internet jogando poker. Fui para Uberlândia e o início foi um desastre. Perdi meu dinheiro, estourei o cartão de crédito da minha mãe, quebrei. A verdade é que a gente não tinha noção alguma de como jogar Texas Hold´em. Nós vínhamos do poker fechado, mas a gente nasceu para jogo (risos). Começamos a pesquisar, estudar e assim foi.


MS: Então você nunca trabalhou com nada mais além de poker?

RC: Aos 25 anos, eu era exclusivamente um jogador de poker. Entre os 18 e 25, a minha fonte de renda era o jogo, mas não o poker. Quer dizer, eu jogava o poker fechado, assim como buraco, pontinho e cacheta. Mas o baralho sempre foi a minha fonte de renda. 


MS: No ano passado, você anunciou sua aposentadoria como jogador de poker. Qual o significado de aposentadoria para você?

RC: Essa é uma pergunta interessante. Eu li a sua entrevista com o Fedor Holz [edição 110 da Card Player Brasil], e é exatamente o que ele falou. Ele passava várias horas jogando, milhares horas por ano, uma rotina desgastante. Agora, ele joga cinco ou seis vezes menos. Ele não depende mais de ganhar dinheiro nas mesas. Não que eu tenha uma condição financeira tão estável quanto a dele, o cara ganhou quase 20 milhões de dólares nos dois últimos anos, mas eu trabalho em outros negócios. Não dependo mais do poker e, hoje, tenho o luxo de jogar quando eu quero. A verdade é que eu gosto de jogar — e eu não desaprendi a jogar. Hoje eu não estudo mais. Eu acho que é importante? Claro. Mas eu não jogo online. Como eu jogo ao vivo, acredito muito na minha intuição, no meu feeling e, claro, também tenho sorte. Ela faz parte do jogo. 


MS: É comum jogadores da nova geração desdenharem de caras da velha guarda, como você. Na verdade, não o desdém propriamente dito, mas dizer que são jogadores desatualizados e que não conseguem bater o jogo mais. Seus resultados falam por você, mas o que você pensa sobre isso?

RC: Esses caras são do online, e o jogo online é totalmente diferente do jogo ao vivo. O pessoal acha que por a amostragem do ao vivo ser bem menor, a variância será muito maior. Bem, eu não concordo. O jogo ao vivo lhe dá muito mais ferramentas para vencer, principalmente porque na maior parte do tempo, você está jogando contra jogadores recreativos. Além disso, ao vivo, você joga uma mesa apenas, mais concentrado, olhando para o cara, pegando tells. Isso faz toda diferença. O João Simão, que é um grande amigo, não concordava comigo, mas ele mudou de opinião. 


MS: E como é essa sua relação com o João Simão?

RC: O João está ligado diretamente à minha evolução técnica. Na verdade, são três pessoas que tenho que citar que participaram desse processo. Primeiro é o Max Dutra, meu tio. Ele me apresentou ao jogo e me ensinou todo tipo de coisa. Coisas dos bastidores, de como que cativar um adversário, de conversar com o cara no intervalo e tirar informação. O outro é o Mateus Pimenta, um cara que é meu parceiro na vida, de poker e nos negócios. Ele é fora de série. E voltando a pergunta, o João.

O João é muito fora da curva. Para mim, ele é o melhor jogador do Brasil. O raciocínio dele está muito à frente dos demais. Ele é um cara que só de me ver jogar, apontou e consertou a maioria das minhas falhas. Ele sabe ensinar e ver o jogo com poucos. Não é por acaso que quem faz o curso dele muda da água para o vinho. Ele me ajudou demais.


MS: Falando sobre o Mateus Pimenta, ele tem opiniões muito fortes sobre o poker online, eu diria até polêmicas. O que você pensa sobre isso?

RC: Eu larguei o online definitivamente já há uns três ou quatro anos. Se eu jogar um torneio por ano é muito. O problema d online é que é um jogo muito mecânico. Os softwares de auxílio, por exemplo, eles deveriam ser banidos, em minha opinião. Eles acabaram com a criatividade do jogo. Não estou desmerecendo ninguém, muito pelo contrário, o jogo atingiu um nível que é tubarão contra tubarão. E onde só tem tubarão, quem vai abastecer o ecossistema? 

Outro ponto é a questão da legitimidade. Você pode estar jogando contra um robô e não saber. Já solucionaram o limit hold´em, certo? A que ponto estão nos outros jogos? Não dá para saber. E é como o Mateus diz, tem gente que consegue invadir a NASA, a CIA, eles não vão conseguir fraudar um site de poker?  Eu não jogo mais porque não me sinto bem — e também porque não consigo ganhar mais (risos).


MS: Mas e se um site de poker quisesse lhe patrocinar? Você aceitaria?

RC: Talvez. Eu seria muito mais exigente do que já fui. Já tive contrato com Best Poker, com o Rox Poker e com o Full Tilt Poker. Foram três experiências excelentes, mas hoje eu jamais aceitaria as mesmas condições aceitei na época. Hoje, eu valorizo muito mais o meu jogo, o meu nome. Na época, eu queria crescer como jogador, estar na na mídia. Hoje não preciso mais disso. 


MS: Voltando ao vivo, se você se sentar com qualquer jogador de topo do Brasil ou do mundo, você acha que estará em desvantagem ou poderá enfrentá-lo de igual para igual?

RC: Com certeza eu estarei em desvantagem. Se você pegar a mesa final do High Roller do WSOP Circuit, tenho certeza que o Padilha e o Luiz Duarte jogam melhor que eu. Só que eu sou nascido e criado em mesa de jogo. Eu tenho os meus recursos e acho que poucas pessoas fazem uso disso como eu faço nas mesas.


MS: Você foi o primeiro brasileiro a conseguir um grande resultado no Main Event da WSOP, um 55º lugar em 2008. Agora, você conseguiu dois anéis no WSOP Circuit. Qual a diferença do Caiaffa daquela época para o dos dias atuais?

RC: Hoje, eu estou preparado para ganhar. Naquela época, eu senti uma pressão que hoje eu não sentiria. Não só a pressão financeira, mas psicológica, física. Eu cheguei ao meu limite. Cometi erros que eu não cometeria mais. E não digo apenas erros técnicos, mas de concentração, postura. Hoje, eu não sinto pressão alguma quando jogo. E acho que isso foi fundamental para chegar lá em São Paulo e vencer dois torneios. Quero dizer, eu poderia ter conseguido dois grandes resultados e não vencer nenhum, ficando em segundo e quinto, por exemplo, mas a vitória veio, porque hoje estou pronto para vencer.  


MS: Sempre que chega a retas finais de torneios, você não faz qualquer tipo de acordo, não importa a premiação, seu stack ou quem é o adversário. Por que isso?

RC: O motivo é curioso e não é nada que a maioria pensa. Isso começou nas mesas de cash game. Quem me conhece, sabe que eu jogava cash game ao vivo por três ou quatro vezes na semana — e eu sempre fazia acordos com qualquer um, bater o river duas ou três vezes. Eu era um cara parceiro. Mas o que começou a acontecer? Passei a perder minha vantagem no jogo, porque os caras começavam a me pagar sabendo que ia acontecer um acordo. Por exemplo, no Omaha, eu dava um all-in blefando no river, o cara pagava com o par do meio e uma broca, e antes mesmo de ver as minhas cartas já soltava: “Vamos bater o river três vezes”. Um dia, isso aconteceu duas vezes contra o mesmo jogador. Desde então, eu prometi para mim que independentemente do valor, do tipo de jogo, torneio ou cash, eu não faria acordo nem com a minha mãe (risos). E acaba que isso se torna uma vantagem dentro dos torneios. Quando você faz acordos, isso tira a pressão do dinheiro dos seus adversários, e para quem quer cravar, o acordo é uma coisa ruim. 


MS: O que vale mais no poker para você, o dinheiro ou a vitória?

RC: No WSOP Circuit foi 100% a conquista. 100% anel. E acho que talvez isso tenha ajudado a conquistar os dois primeiros lugares. Eu não olhei quanto pagava, não sabia quanto pagava para o primeiro, segundo ou terceiro. Obviamente, quando eu era profissional, eu jogava mais preocupado com o dinheiro. Na minha condição hoje, claro que o dinheiro é importante, mas a conquista é incomparável.


MS: Para você, é importante deixar um legado no poker?

RC: Acho que é uma coisa natural. Tudo que eu conquistei foi naturalmente. Desde quando comecei a jogar, em 2005, sempre tive bons resultados e, naturalmente, meu nome começou a ficar forte. É gratificante. Até para as minhas filhas, meus netos, que, no futuro, poderão falar de mim com orgulho, que fiz alguma coisa dentro do poker e para o poker.


MS: E qual a importância da sua família para você ter alcançado o que você alcançou?

RC: Minha esposa Luciana e minhas filhas, Bela e Mila, são meu porto seguro, minhas fontes de energia. Quando comecei a namorar a Lu, o poker não era bem visto, mas ela ficou ao meu lado, me bancou contra tudo e contra todos. Nós tivemos vários momentos difíceis, mas ela sempre esteve ao meu lado. Quanto às meninas, desde que elas nasceram, eu já era profissional de poker. Então elas começaram a viver com isso desde cedo. E elas adoram. Elas assistem quando podem, elas torcem, vibram, mandam mensagens. Elas são fundamentais para mim. Sem elas, não sou nada. 


MS: Algum recado em especial?

RC: Queria agradecer a toda a minha família. Eles torcem demais. Minha madrinha é fanática. Meus pais são sensacionais também, e hoje eles podem falar que possuem um filho que é campeão mundial. 




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