O filosofo suíço-alemão Friedrich Nietzsche tem uma frase que diz: “Toda vez que subo uma ladeira na vida, sou perseguido por um cachorro chamado Ego”.
Esse cachorro pode parecer mansinho, mas as aparências enganam. Pois é, cuidado com esse cão e não deixe de tomar vacina anti-rábica, porque ele morde! Vamos encarar a verdade: esse bicho raivoso que morde e machuca somos nós mesmos. Cada vez que realizamos qualquer coisa, temos aquele orgulho e sensação de satisfação, mas sempre existe algo mais – um desejo de sermos “vangloriados” por um trabalho bem feito, certo? Claro, faz bem para a confiança, faz bem para a pele, faz bem para o ego… E aí mora o grande perigo, tanto na vida quanto no poker: para quê a necessidade de elogios se, dentro de nós, sabemos que fizemos algo bem feito? – Ah, porque o tal do Ego precisa. Mas será que isso é bom? Nem sempre...
O ego e o jogador de poker são grandes amigos, pelo menos é o que parece – vivem juntos! E claro, não tem como não ser. Quando você está surfando na crista da onda, ganhando torneios, sendo reconhecido, ou levando potes enormes no cash game, você se sente invencível, e seu ego começa a confirmar isso gritando no seu ouvido: “Você é o cara!”. E aí vêm os posts com “sei-lá-quem está um monstro, ganhou isso, ganhou aquilo, wow, omg!”. Em se tratando de poker então, onde a grana começa a rolar, fica cada vez mais difícil de separar o ego do jogador e o real do surreal. “O cara já me deu reraise três vezes seguidas, não vou deixar, ele sabe quem eu sou?” Então a frieza necessária na mesa é esquecida e a rivalidade se torna algo “pessoal”, porque está lá seu muy amigo, o Ego, gritando no seu ouvido: “Não deixe o cara vencer!”, cegando-o, e fazendo você começar a pensar: “Será que esse tal de ego é tão bom amigo assim?” Hmm, vale a pena reavaliar, não acha? Talvez... Afinal, seu oponente pode muito bem ter recebido AA, KK e QQ em três mãos seguidas e por isso lhe deu três reraises, ou apenas lhe “ownou” três vezes seguidas. Mas a verdade é que isso não importa: nessas horas, o relevante é calar a boca do Ego e não deixar esse cachorro raivoso mordê-lo, e aprender a distinguir entre o real e o surreal, pois nada como o no-limit hold´em para sacudir o ego e colocar todo “super-homem” no seu devido lugar.
Outro dia escutei uma história sobre um campeonato de gamão que o Gus Hansen jogou na Europa e ganhou, e no final ele não levou o troféu. Aí chamaram o Gus e falaram: “Ei, você esqueceu seu troféu!”, e ele respondeu: “Não esqueci não, deixei de propósito; o que vou fazer com isso?”. WOW! Mas, se pensar bem, ele tem toda razão. Afinal de contas, ele já ganhou, já sabe disso, então para quê troféu? Talvez seja bonito colocar de enfeite na estante de casa, mas o que importa mesmo é saber que ganhou, e isso deveria ser o suficiente.
Interessante... O próprio Christian Toth diz que ensinava aos seus alunos de xadrez a largarem seus troféus para trás porque isso não os faria bem, até que realmente dominassem o jogo ou a si mesmos (ou seja, nunca!).
Mas vai, nem todo mundo pode ser tão bem resolvido a ponto de largar o troféu para trás (eu não sou, acho bonitinho e quero guardar!). Mas os jogadores que fazem isso demonstram uma característica bem clara: são vencedores de forma natural, não forçada, porque sabem deixar o ego do lado de fora da mesa nos momentos cruciais, e nunca se acham “melhores” do que os outros nem julgam alguém “pior” do que eles só porque já “ganhou isso ou aquilo”. Esse aspecto certamente os ajuda em todos os quesitos da vida, não só no jogo, porque quem somos nas mesas reflete quem somos na vida, e não tem como separar. E o indivíduo que entra para jogar – e ganhar ou perder, não importa – sem dar ouvidos ao seu ego gritando que você é “melhor” do que os outros, e vive tentando gritar mais alto do que sua mente em estado de controle e foco, com certeza vai chegar mais longe, tanto no jogo quanto na vida. Sabe por quê? Porque ele não está lutando pelos motivos errados, e sim pelos certos, então será sempre vitorioso, tanto ganhando quanto perdendo. Quem está no comando é o próprio jogador e sua mente, e não o seu ego faminto por elogios ou glória. E isso é uma grande chave para todo vencedor: saber ganhar pelos motivos certos.
Mas calma, não confunda ego com autoconfiança. É muito importante ter confiança em si mesmo (talvez das coisas mais importantes que um jogador possa ter) e acreditar, sabendo de seus limites, é claro, porque não ser realista é um fator demonstrativo de que seu ego está falando mais alto que sua razão (e, se estiver, mande-o calar a boca). Fazer tudo com confiança vai ajudá-lo a realizar o que quer que seja de forma muito mais bem feita – e certamente mais prazerosa. Mas se conseguirmos esquecer nossos egos por um momento, e focarmos nos objetivos verdadeiros com a mente limpa e tranqüila, certamente vamos obter muito mais do que queremos, de forma muito mais verdadeira e bem sucedida – e certamente muito mais feliz!
Mas por que estou falando do ego? Porque o meu já me fez sofrer muito, e a cada dia enxergo melhor o quanto ele é burro e geralmente não tem as melhores intenções, nem quer me levar a lugar algum, pois não quer o meu bem. Mesmo assim, volta e meia ele ainda insiste em gritar no meu ouvido, e às vezes dá uma baita vontade de escutar... Grrrr!
Porém, com a WSOP rolando, acho importante lembrar daquilo que me ajuda no meu dia-a-dia e no meu jogo, e talvez ajude a você também: deixe seu ego de lado, porque ele é o tipo de amigo que parece ser “ultra-cool”, mas no final só quer nos levar para o mau caminho...
Por isso acho importante sempre jogarmos poker (e vivermos a vida!) com muita confiança, boa auto-estima, acreditando no melhor, mas sempre sabendo que tudo – TUDO – pode acontecer, tanto para o lado bom quanto para o lado ruim. Isso sim é extraordinário, pois o mais importante é a jornada, e não o destino em si. Se trilharmos o caminho de olhos bem abertos e prestando atenção à estrada e em nós mesmos; se respirarmos e mantivermos a cabeça limpa e tranqüila, acreditando no nosso instinto, escutando nossa razão e vivendo dentro de nossas realidades, sem acharmos que um é “melhor” ou “pior” que o outro, sem julgamentos e sem dar ouvidos ao ego que tanto quer gritar, uma hora ele desiste e fica mudo, e a jornada será muito melhor e mais proveitosa para todos. Além disso, não correremos o risco de sermos mordidos por nós mesmos...
GL e nos vemos pelas mesas do PokerStars,
Maridu.