Quando eu ainda trabalhava de verdade para me sustentar, fiz uma série de cursos de administração. Eu me lembro de ficar irritado com a simplicidade dos exemplos utilizados para ilustrar assuntos complexos. Era enfurecedor ver a freqüência com que os palestrantes saíam pelo caminho mais fácil.
Por exemplo, se o tema fosse traçar metas, eles geralmente falavam sobre vendedores. “Você vendeu X produtos esse ano; sua meta para o próximo ano é X vezes 10%”. Tudo bem, realmente é fácil traçar metas para vendedores. Mas e os advogados de patentes, os programadores de informática ou os caras que contratam agências de propaganda?
Eu prometi a mim mesmo que, quando escrevesse um livro de administração, atacaria os temas difíceis e os exemplos árduos. Eu acabei escrevendo um livro de poker em vez disso, mas escolhi intencionalmente exemplos marginais para ilustrar minhas conclusões. Eu quis que os leitores vissem ilustrações que beirassem ao extremo.
Vários exemplos foram discutidos em fóruns da Internet, com pessoas bastante sábias discordando de minhas respostas. Um em particular é interessante, e eu quero analisá-lo mais a fundo do que em meu livro. Ele se encontra na página 136 de Advanced Limit Hold’em Strategy, no capítulo intitulado “Post-Flop Planning” (Planejamento Pós-Flop).
O que diz o livro: Você tem 9♠7♠ em posição final e paga as apostas de dois limpers de posição central. Ambos os blinds entram no pote. O flop vem A♠8♠5♣, dando a você um flush draw e uma queda para gaveta. A mesa roda em check. Contra jogadores medianos, você deve apostar, na esperança de todos desistirem, dois ou mais pagarem ou, se você não acertar seu draw, ver uma carta grátis no turn. Se houver jogadores habilidosos ou agressivos na mão, peça mesa e veja a carta grátis agora que ela lhe está sendo oferecida. Não é interessante sofrer um check-raise e apostar no turn, em especial se o move vem de um dos blinds e derruba os jogadores remanescentes.
Eu incluí esse exemplo por outra razão. Se você apostar, provavelmente se dará bem, pois há poucas maneiras de a mão se sair mal. Você tem 12 outs e ficará feliz se duas pessoas pagarem sua aposta, ou pode ver uma carta grátis no turn. Mas, embora tudo dê certo na maioria das vezes, você ainda estaria “baralhando” ao pensar que as poucas coisas ruins (se deparar com um check-raise e ficar mano a mano, enfrentar um check-raise e triplicar a aposta, alguém apostar no turn) não acontecerão. Claramente, você precisa melhorar para ganhar. Opte pela carta grátis agora. Você pode até mesmo conseguir outra.
Argumentos a favor de apostar: Muitos jogadores acreditam que apostar é automático porque:
1. Você conseguirá sua mão 48,2% das vezes. Além disso, se enfrentar um check-raise e pagar (a pior das hipóteses), ficando com apenas um oponente, ainda terá dinheiro justo para ganhar a mão.
2. O pote contém cinco bets e meia. Qualquer chance de que todos desistam mais do que compensa a pequena equidade porventura perdida pela aposta feita.
3. Se alguém aumentar e dois ou mais oponentes continuarem na mão, você ganha EV, pois vencerá em quase 50% das vezes.
Essas são certamente excelentes razões para se apostar. E são particularmente animadores porque essa mão tem 12 outs, que aparentemente ganha quase metade das vezes. Se houvesse apenas oito outs, a maioria dos jogadores concordaria que pedir mesa no flop seria mais razoável.
Argumentos a favor de pedir mesa: Não obstante, há questões que devem ser ponderadas:
• Por que jogar de maneira diferente contra oponentes habilidosos ou agressivos?
• Essa mão tem realmente 12 outs?
• Você faria uma jogada que resultaria em uma carta grátis?
• Como a mão e a sessão irão se desenvolver?
Por que jogar de maneira diferente contra oponentes habilidosos ou agressivos? Tais oponentes tendem a não respeitar uma bet feita pelo button em um bordo com ás quando não houve aumento pré-flop. Eles não irão apenas concluir (corretamente) que você está tentando roubar o pote, como também terão a habilidade e a inclinação de revidar, fazendo check-raise com várias mãos para tentar tomar o controle do pote. Os blinds são particularmente propensos a ver sua aposta como uma oportunidade de eliminar outros jogadores, representar um ás e ganhar o pote no turn ou river. Além disso, você verá com freqüência o caso patológico, em que sofre um check-raise, jogando contra um oponente, e aposta no turn, e raramente (ou nunca) verá todo mundo desistir de forma amigável diante de seu semi-blefe. Eis por que o exemplo distingue oponentes medianos dos agressivos ou habilidosos.
Essa mão tem realmente 12 outs? Bem, 12 cartas podem formar sua mão, mas apenas 6 lhe darão o nuts. Mesmo que o turn traga uma carta de espadas, você pode já estar derrotado, e certamente está suscetível a redraws. É muito diferente de quando se tem K♠Q♠ com um flop contendo A♠10♦5♠. Nessa hipótese, quaisquer de seus 12 outs lhe darão o melhor jogo (e você deve apostar sempre). Embora monte sua mão 48% das vezes, não ganhará com tanta freqüência, pois pode haver draws melhores e também redraws.
Você faria uma jogada que resultaria em uma carta grátis? Se, digamos, o big blind tivesse apostado e os dois limpers tivessem desistido, muitos jogadores aumentariam aqui para ter uma carta grátis. Fazer essa jogada custa uma aposta inteira agora, mas economiza metade de uma bet no turn, quando se espera que a mesa rode em check. Bem, como ninguém apostou, pedir mesa economiza meia aposta agora e lhe dá um draw de graça. Como você não poderá ganhar sem melhorar (contra oponentes espertos), ver a carta grátis lhe dá odds infinitas para formar sua mão.
Como a mão e a sessão irão se desenvolver? Se você pedir mesa, a carta do turn montará sua mão quase um quarto das vezes. Jogadores agressivos ou habilidosos irão apostar no turn, pretendendo roubar o pote, mesmo sem nada. Pode-se aumentar, fazendo com que eles fiquem mais espertos quanto a futuros roubos de potes no turn quando você tiver pedido mesa do button, o que só lhe beneficia. Ademais, se aquele que apostou tiver uma mão, ele não lhe achará que você possui algo tão forte quanto a que acabou de formar, pois a maior parte dos jogadores apostaria com draws fortes no flop. Assim, mesmo excelentes leitores de cartas irão lhe pagar com freqüência quando você acertar sua pedida. Eles irão ficar confusos, o que lhe ajudará no futuro.
Conclusão: Certamente, esse é um exemplo marginal que favorece a aposta. Se a mão fosse mais forte, apostar seria a ação automática, e se fosse bem mais fraca, pedir mesa seria a opção mais clara. Você não perderá muitos ganhos ignorando meu conselho e apostando sempre nessa situação. Mas, pedindo mesa diante de jogadores que lêem mãos bem, diagnosticar as situações e ter a coragem de tirar vantagem delas são coisas que irão lhe dar outras vantagens, economizar seu dinheiro quando você perder, dar-lhe dinheiro extra com freqüência quando sua queda bater e talvez lhe garantir algumas cartas grátis mais tarde na sessão. ♠