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João Bauer - Coroação Tardia de um Rei


Marcelo Souza
Falar de justiça no poker é um assunto delicado, uma vez que os jogadores não têm controle sobre uma importante variável: as cartas que serão viradas. Os profissionais sempre dizem que no longo prazo essa variável é irrelevante. Mas o que é o longo prazo? Difícil precisar. O fato é que existem acontecimentos que nos fazer crer que ele, o longo prazo, realmente existe. O ano de 2015 foi uma prova disso.

João Dorneles, o “Joao Bauer”, nunca precisou provar nada a ninguém. Em seu currículo, mesas finais de LAPT, WSOP e BSOP; títulos e mais títulos dos grandes torneios e séries online, e o reconhecimento da comunidade. Ainda assim, faltava algo — não para você ou eu, mas para ele próprio. Algo que coroasse uma das carreiras mais brilhantes do poker nacional. Demorou, mas chegou.
 
Quando ele conquistou o título da 1ª etapa do BSOP 2015, em São Paulo, alguns pensaram que estava feito. No entanto, às vésperas do BSOP Millions, ele era o terceiro do ranking do Campeonato Brasileiro de Poker. Estava bem atrás dos principais postulantes ao título. Seria preciso jogar como nunca e ainda secar os adversários. Bauer era azarão. Bem, aí veio mais uma das dezenas lições que só o poker sempre ensina: um jogador como ele nunca pode ser considerado zebra.
 
Bauer jogou mais do que nunca. Foi o melhor da história do BSOP em uma única etapa. Não precisou secar ninguém. Quatro mesas finais e outros três ITMs. Desempenho irrepreensível. Marani e Caiaffa também fizeram bonito. Conquistaram muitos pontos. Mas o desempenho de Bauer foi fora da curva. Desempenho de rei, do novo rei do poker brasileiro.
 
Em entrevista exclusiva à Card Player Brasil, o goiano de 28 anos falou sobre o título e carreira — e o mundo pode se preparar, o Brasil já ficou pequeno para ele.
 
 
Marcelo Souza: O ano de 2015 foi fantástico para você. Depois de tantas traves ao vivo, vieram o título do BSOP e o título de Campeão Brasileiro de Poker. Qual a sensação? O que gerou tantos bons resultados? 
 
João Bauer: Ser campeão brasileiro é algo que eu sempre quis. A gente só tem um por ano. É o maior ranking, o maior torneio anual. Era algo que eu buscava há muito tempo. Neste ano de 2015, me programei muito mais para me dedicar à minha carreira, dentro e foras das mesas. Apesar de grandes resultados ao vivo, ainda faltava algo. A cravada da 1ª etapa do BSOP, em São Paulo, e o título do ranking vieram para coroar a minha carreira.
 
MS: Você pode falar com propriedade do jogo ao vivo e online. Poucos têm tantos resultados nas duas esferas como você. Quais são as principais diferenças?
 
JB: As diferenças do online para o ao vivo são gritantes. Ao vivo, você tem muito mais coisas a observar, muito mais coisas para perceber. São mais fatores e ferramentas a se estudar e compreender. Eu gosto muito do meu jogo ao vivo. Considero-me muito melhor jogando ao vivo do que online.
 
MS: Você acha que um cara muito bom do online quando migra para os torneios pode se dar mal?
 
JB: Acredito que um cara muito bom no online dificilmente será perdedor no ao vivo. Um dos maiores problemas do poker ao vivo é a disciplina. Disciplina de estar jogando menos mãos, de ter estar focado o tempo inteiro por só estar jogando “uma tela”. Eu até joguei três mesas simultâneas nesta última etapa do Millions, mas na maioria das vezes, você jogará apenas uma, e sempre tendo que esperar, com apenas 30 mãos sendo distribuídas por hora, na melhor das hipóteses. Então, o regular do online que não tiver essa disciplina pode, sim, encontrar dificuldades, mas por o field ser bem mais fraco, a tendência é que ele seja vencedor também no ao vivo.
 
MS: Sua atuação no BSOP Millions foi a melhor da história da série. Você somou incríveis 1.475 pontos, a maioria deles vindo de torneios turbos. Podemos dizer que você é especialista nas famosas “turbetas”?
 
JB: Não sou especialista em torneios turbos. Considero-me um especialista em torneios, de uma forma em geral. Na grade do BSOP Millions havia alguns torneios turbos e eu acabei me saindo bem em quatro deles. 
 
MS: E a estratégia para ir tão bem? Você tinha que tirar mais de 600 pontos do líder do ranking. Houve algum planejamento especial?
 
JB: Bem, o mais interessante é que eu joguei o BSOP Millions de uma forma bastante diferente do que jogo normalmente, valorizando mais do que nunca a minha vida no torneio. Dei valor a cada ficha como nunca havia feito antes. Cada posição era muito importante pra mim. Quando estava na mesa final, eu buscava uma posição a mais. Cada ponto era vital. Sempre jogo com a intenção de ganhar, mas lá era diferente. Esse também é o motivo de eu ter feito quatro mesas finais e não ter conseguido nenhuma crava. Esse tipo de jogo lhe faz jogar bastante short na maior parte do tempo, o que dificulta chegar à primeira colocação.
 
MS: E seus adversários não exploraram isso?
 
JB: De certa forma, tentaram, principalmente no penúltimo dia, quando joguei três mesas simultâneas. No High Roller, estavam fazendo muitas 3-bets quando eu abria raise. Em uma delas, faltando apenas seis para o ITM, fui para o 4-bet-all-in com 3-3. No BSOP, só pontuam aqueles que premiam, então, eu sabia que iriam tentar me pressionar, mas mostrei que estava para jogo. Joguei mais cauteloso, sim, mas em nenhum momento fugi do jogo ou deixei de fazer a jogada certa.
 
MS: E o Main Event? Apesar de ser a “menina dos olhos” de qualquer jogador, o “custo/benefício” dele para quem está disputando o ranking é péssimo. 
 
JB: Minha estratégia era focar nos eventos paralelos, principalmente naqueles que acabavam no mesmo dia. Por exemplo, joguei o Main Event somente no dia em que não havia paralelos e apenas com a intenção de pontuar. Acabei caindo e não dei reentrada.  A mesma coisa com o Omaha e com o High Rollers, que eram eventos de três dias. Apesar dos outros torneios não pagarem tão bem, as pontuações eram bem relevantes e foi neles que consegui buscar os pontos que eu precisava.
 
MS: Você vive a melhor fase da sua carreira? E isso pode estar relacionado ao fato de ter se casado no início de 2015? 
 
JB: Acho que eu estou na melhor fase do meu jogo. Sinto-me mais confiante quando estou jogando, que as pessoas têm tido bastante dificuldade em jogar contra mim, mesmo fora do Brasil. Joguei em Vegas neste ano, contra caras que são muito bons, como o Dan "djk123" Kelly, e deu para ver que estava incomodando. E definitivamente isso está relacionado ao meu casamento. A partir do momento que você se casa, cria-se uma maturidade diferente. Isso com certeza tem me ajudado bastante e contribuído para minha evolução. 
 
MS: É impossível falar de João Bauer não pensar no Steal Team. Quando o time acabou, você fez um desabafo no Facebook sobre a falta de gratidão. Você poderia falar sobre isso?
 
JB: O motivo do meu desabafo foi porque passaram mais de 300 pessoas pelo Steal. Nós criamos uma boa base do poker brasileiro. Se você observar, quem é dono de time, jogadores que realmente são regulares, que jogam muito bem, grande parte passou pelo Steal e e muitos nunca deram o devido valor pelo que fizemos por eles. É ruim quando você cria uma pessoa, transforma uma pessoa do zero e depois ela lhe vira as cosas. Não digo que aconteceu muito, mas quando ocorreu me chateou bastante. Outro fator tem a ver com o reconhecimento. Meu time chegava a gerar de rake online mais de 600 mil dólares por ano. Eram muitas pessoas jogando, com representatividade e resultados. Ainda sim, nunca recebemos nenhum tipo de retorno dos sites de poker. Poderiam fazer tantos projetos com legais. De certa forma, é frustrante.  
 
 
MS: Podemos ter o João Bauer à frente de um time de poker novamente no futuro?
 
JB: Isso realmente não passa pela minha cabeça por enquanto. Estou muito focado na minha carreira e em me dedicar ao meu jogo cada vez mais. Quero ser o melhor. Para isso eu preciso de um tempo gigantesco. Jogar poker em alto nível é muito difícil. É preciso se atualizar e se reciclar diariamente.
 
MS: E como um cara como você, que está no topo da pirâmide, faz para se manter lá em cima?
 
JB: Isso é algo que não gosto muito de ficar falando, mas uma das principais formas de estudo que tenho hoje em dia é um grupo de estudos aqui de Goiânia. Temos um grupo bem produtivo no Skype que sempre traz coisas novas.
 
MS: Há alguém no mundo com quem você gostaria de fazer um coaching?
 
JB: Daniel Colman, o “mrGR33N13”. É um cara que me espelho bastante. Fico sempre acompanhando como ele joga online. Ele joga de uma maneira que é o meu sonho jogar. Fazer um coaching com ele ou ser seu pupilo seria sensacional. 
 
MS: E os objetivos para 2016?
 
JB: Quero jogar dois ou três EPTs, nunca joguei, rodar todo o circuito do LAPT e fazer um boa reta em Las Vegas. Pretendo jogar ainda mais ao vivo em 2016. 
 
MS: Este espaço final é seu, João.
 
JB: Eu queria agradecer pelo espaço de estar dando essa entrevista e dizer que este ano não teria como ser melhor. Começou com o título da 1ª etapa do BSOP e terminou com o título do ranking. Foi um ano inesquecível.
 
 
RANKING GERAL
 
1. João Bauer – 3.695 (↑2) 
2. Igor Marani – 3.285 (↓1) 
3. Rafael Caiaffa – 3.280 (↓1) 
4. Pedro Padilha – 2.292 (↑1)
5. Manoel Assunção – 2.045 (↑1)
6. Ricardo Nakamura – 1.920 (NOVO)
7. Luiz Carlos – 1.910 (↑1)
8. Kelvin Kerber – 1.866 (↓4)
9. Abraão de Santana – 1.860 (NOVO)
10. Fábio Issa – 1.805 (↓3)
 
 
 
TODOS OS RESULTADOS DE JOÃO BAUER NO BSOP 2015
 



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