No meu segundo livro, “Dominando a Arte do Poker”, que sai em agosto de 2008, adotei uma abordagem que eu chamaria de “multidisciplinar”. Ao invés de focar apenas aspectos teóricos ou técnicos, discorrerei bastante sobre o valor da psicologia, da postura em relação a outros jogadores, de como você é percebido na mesa e, principalmente, de traçar a estratégia correta para diferentes situações.
Sem querer entregar o ouro antes da hora, acabei passando por uma experiência que me reforçou a extrema importância da estratégia e das táticas para um torneio de poker. Como o capítulo do livro já está pronto (o texto todo do volume, aliás) não havia tempo de incluir essa passagem e resolvi que o artigo da Card Player seria um bom local para fazer vocês começarem a pensar no assunto.
Estive no LAPT, no Rio de Janeiro. Uma festa maravilhosa, um torneio muito bem organizado (parabéns Toth, Maridu e ACP) e que trouxe pela primeira vez ao Brasil campeões mundiais de poker. Que honra poder ver nosso país com tantas estrelas juntas, nacionais e internacionais – quem foi importante para o crescimento do poker no Brasil esteve por lá.
Mas, como vocês já devem ter lido várias vezes sobre o LAPT, vou focar no ponto principal do artigo: estratégia.
Quando você entra em um torneio com a proposta de ser deep stack, em que é preciso sobreviver a 3 dias de 12 horas de jogo para alcançar seu objetivo de chegar à mesa final, se não houver uma estratégia traçada e seguida ao pé da letra, você provavelmente não obterá êxito.
Assim começou o meu LAPT: à minha direita, Isabelle Mercier. Acredito que ela dispensa apresentações, a canadense que faz parte do time de profissionais do Poker Stars foi muito simpática comigo ao longo do torneio, e tratei logo de estabelecer um bom vínculo com ela para evitar embates futuros. Na mesa ainda estavam Eric Mifune, brasileiro que fez história (primeiro a chegar in the money no WSOP) e Giovani “Nordeste” Brilantino. Bruno Cunha sentava antes de Isabelle e havia ainda três estrangeiros e mais um brasileiro.
Minha estratégia era tentar ganhar o maior número de potes, evitando ao máximo o showdown. Para isto, eu precisava me antenar em ler a mesa e descobrir quem estava largando mais, diante de apostas no turn e no river. Concentrei-me em não colocar apostas altas pré-flop, nem no flop, mas em forçar bastante no turn, que é onde acho que os jogadores mais largam as mãos. Decidi que no início não iria esperar por cartas, e sim, jogar quaisquer duas quando estivesse em posição e tivesse uma boa oportunidade surgindo.
No livro, ensino a diferenciar estratégia de táticas. Por hora, vamos apenas imaginar que estratégia seja o conceito abstrato global em relação ao seu jogo, e táticas sejam as maneiras práticas de colocar sua estratégia para funcionar (o repertório de jogadas).
Foi assim que uma das primeiras mãos do torneio se desenhou e me mostrou que eu estava no caminho certo. Um dos americanos deu um pequeno raise, que foi acompanhado por Isabelle Mercier e por mim, que era o button com 7-4 off. Pensei um pouco e resolvi dar raise, propositalmente pequeno, pois apenas queria colocar os adversários na defensiva, sem fazer o pote crescer muito. Após pensarem um pouco, os dois deram call. O flop não trouxe nenhuma carta perigosa, vindo bastante misto. Algo como 9-5-2 de naipes diferentes. Foi excelente para mim, por diminuir as chances dos meus adversários terem acertado algo. Ao mesmo tempo, era perigoso para se apostar, pois um oponente esperto poderia me dar check-raise, sabendo que eu também não deveria ter feito nenhum par com essas cartas. Assim, decidi pedir mesa após o check dos dois, permanecendo fiel à estratégia de manter o pré-flop e o flop pequenos e roubar o pote no turn ou river com apostas maiores. O turn trouxe uma Dama, carta muito boa para mim. O americano saiu apostando, dizendo claramente ter a Q. Isabelle saiu da mão e, nesse momento, fiz um grande raise de aproximadamente o valor do pote, segurando apenas 7 high. O americano pensou por um longo momento e acabou largando a mão, mostrando QT. Puxei um belo pote e tive certeza da minha leitura. Todos estavam cuidadosos para não queimar um torneio de buy-in grande e que não tinha eventos secundários em caso de eliminação.
Com cerca de duas horas de competição, eu já havia levado o meu stack para a casa dos 30 mil, ou seja, três vezes o valor inicial, e estava entre os 10 primeiros em fichas. O detalhe principal é que, até aquele momento, eu havia mostrado apenas uma mão: um flush que fiz contra Eric Mifune (que até podia queimar um pouco meu filme, já que eu chamei um raise pré-flop dele com 8♠5♠). Eric acertou dois pares e, depois de liderar no flop e chamar um raise meu no turn quando completei meu flush, acabou pagando uma value bet de metade do pote no river.
Todas as outras mãos foram ganhas sem ter que mostrar as cartas. A grande maioria potes pequenos, de 1.500 a 3.000 fichas. E o principal: sem nenhum all-in.
A confiança ia crescendo. Uma mão importante, que me levou a quase 55 mil fichas, quando a média era de mais ou menos 23 mil, mostrou-me a importância de se colocar pressão em um torneio no qual as pessoas estão jogando com medo de serem eliminadas devido ao valor relativamente alto do buy-in.
O jogador UTG+1, um dinamarquês, aumentou para 1400 pré-flop. Eu, que era o button com 7♠7♦, resolvi chamar a aposta: apenas nós dois vimos o flop com 4♠9©4♦. Ele saiu apostando cerca de 2 mil. Eu pensei por um momento e dei raise. Não demorou para que ele pagasse a aposta, e o turn faz a mágica da mão: outro 9. Agora o bordo tinha: 4♠9©4♦9©. O dinamarquês atirou 5 mil. Para muitos, acabaria naquele momento, porém, eu tinha cerca de 45 mil fichas e achei que ele estivesse me empurrando. Como ele estava com aproximadamente 26 mil fichas no início da mão, pensei, “o pote não está perdido, vou colocar pressão”. Ele ainda tinha cerca de 19K para trás. Aumentei a aposta para 16300 – número quebrado de propósito! Minha aposta praticamente colocava metade das fichas que o dinamarquês ainda tinha na frente. Foi então que ele parou para pensar, o que durou pelo menos uns cinco minutos – ele só parou porque um adversário pediu tempo, e acabou dando fold na mão, dizendo que tinha um 4. Uau, que imagem a minha! Foldar um full house? (Não acreditei nele, claro). Por outro lado, tive certeza de que eu devia estar perdendo essa. O mais provável? 88 ou TT.
E assim o torneio foi se desenrolando. O timing dos meus reraises estava excelente e o respeito na mesa aumentava cada vez mais. Os adversários não queriam se envolver, pois meu stack poderia quebrar qualquer um na mesa.
Mas o ponto do artigo vem agora: desviei da minha estratégia... Tudo começou quando eu, na mesa, resolvi aliviar para os colegas brasileiros e comecei a não dar tantos reraises sobre os amigos com poucas fichas. Hugo Adametes aumentou do cut-off quando eu estava no big blind. Com AQ resolvi apenas pagar a aposta, pois ele tinha poucas fichas. Poderia já tê-lo colocado em situação difícil com um reraise (ele tinha 8K para trás e tinha subido 1.275). O flop veio 2-A-2. O turn trouxe uma Q, me dando dois pares. E fomos com check até o river, onde bateu um 4. Com dois pares, apostei 2 mil. Adamentes me voltou mais 6 mil e eu, por pior que estivesse me sentindo, não poderia largar AQ. Ele mostrou Q2 e ganhou com um full house – a primeira bad beat que sofri no torneio, nada demais.
Porém, após dez horas de jogo, entrei em uma fase na qual meu jogo não acertava. Nas próximas 10 mãos, subi uma vez com AQ, uma com AJ e uma com AK: excelentes. Nas três fui chamado pelo mesmo americano, que tinha pares pequenos em todas. O flop não ajudou, vindo todo baixo, e perdi três potes consecutivos.
Escapei de um facão quando subi do button com 86 e, no turn, já havia fechado uma seqüência, enfrentando apenas o big blind, mas em um bordo apresentava três cartas de ouros. Tomei um mini-raise do oponente após apostar com minha sequência. Pensei por algum tempo e mostrei meu straight, saindo da mão, ele me aplaudiu mostrando o flush. Percebi que estava escapando das armadilhas, mas meu stack havia diminuido de quase 60K para 40K, só nessas mãos citadas.
Aí vieram os problemas... Após subir com 66 e tomar um reraise do dinamarquês (que nesse momento era o segundo stack da mesa, com cerca de 35K), resolvi largar. Na mão seguinte, com a média em cerca de 25K e faltando uma hora para o final do primeiro dia, eu, com 40K na frente e ainda muito bem no torneio, abandonei minha estratégia e fiz o que não havia feito o dia inteiro. A ação chegou para mim com AKs. Aumentei. O dinamarquês parou e pensou por um longo tempo. Contou fichas, cortou para um lado e para o outro. Fez que ia apenas pagar. Voltou, contou fichas de novo e aumentou mais 9 mil, um raise substancial. A ação voltou para mim e eu, sem pensar, voltei all-in: Insta-all-in com AK. O motivo? Eu não queria que ele me aumentasse pela segunda vez seguida – abandonei minha estratégia e pela primeira vez no torneio me coloquei em all-in.
O dinamarquês abriu um sorriso, disse call e mostrou AA. Em apenas cinco segundos, joguei 11 horas de trabalho fora. Ao contar nossas fichas, a surpresa: após o reraise da mão anterior, ele tinha exatamente a mesma quantidade que eu. Havia criado o novo chip leader do torneio, com mais de 80 mil fichas, e fui para casa mais cedo.
Durante dois dias não consegui parar de pensar no acontecido. A estratégia traçada por mim funcionou perfeitamente, até eu cometer esse erro. O torneio deveria durar três dias, e passar acima da média para o dia 2 era o suficiente. Houvesse eu pensado melhor nessa mão, pausado e mantido minha tática de não entrar em confrontos grandes, sobretudo com AK, teria passado para o dia seguinte com facilidade. Além disso, teria jogado um poker quase perfeito, em que, apesar de ter recebido poucas cartas premium, consegui ter paciência e escolher os momentos certos.
Minha eliminação foi uma surpresa para os que estavam assistindo, mas não para mim. Ela foi a queda de um jogador que se esqueceu da estratégia, de avaliar todas as variáveis envolvidas em um torneio.
Para alcançar seus objetivos, nunca jogue suas cartas ou suas emoções, mas sim, sua estratégia.