Entre os dias 3 e 18 de março, Leandro Brasa, Pedro Todorovic, Felipe Mojave e eu (Leo Bello) estivemos em Las Vegas, com o intuito principal de participar dos torneios da série Wynn Classic. Era a primeira viagem do Martins Team Brazil e tínhamos excelentes expectativas.
O Wynn é um dos melhores cassinos da cidade, e quem acompanhou meus artigos de edições anteriores já viu a minha opinião sobre sua poker room. Alguns brasileiros já haviam ganhado torneios regulares nesse cassino, que acontecem de terça a sexta-feira, com buy-ins de U$540. Mas, durante os meses de fevereiro e março, o Wynn faz uma série especial com buy-ins mais elevados, que culminam em um Main Event de U$10.000. A média de jogadores por torneio é de 130, mas alguns chegaram a ter fields acima de 250 jogadores.
Nós chegamos de viagem às 10 horas da manhã do dia 3 de março e, duas horas depois, já estávamos sentados à mesa para participar do torneio de no-limit Hold’em com buy-in de U$1000.
Primeira lição deste artigo: nunca jogue cansado.
Forçamos a barra depois de quase 24 horas de viagem. Sem falar que, no dia anterior (domingo) eu estava em Brasília, onde aconteceu o Federal Poker Weekend, no qual joguei, contando o sábado e o domingo, um total de 22 horas, chegando à mesa final e terminando em 5º. Aproveitando a deixa, parabéns ao Gabriel Almeida, de Belo Horizonte, que conquistou o título, e também a toda galera que compareceu – foram quase 200 jogadores fazendo a festa na Capital Federal.
Depois de passar o final de semana sem dormir, viajar na segunda-feira para Campinas, depois para São Paulo e, enfim, para Las Vegas, chegar lá e ir direto jogar, durou para mim exatos 60 minutos, ou um nível de blinds.
Curiosamente, apesar de cair rápido, fiquei com uma sensação que o destino me aprontaria uma surpresa boa. Peguei minhas coisas e fui fazer o check-in no Venetian, onde estávamos hospedados.
Aproveitei para tomar um longo banho, relaxar um pouco, arrumar minhas malas e respirar com calma. "Caiu a ficha".
-"Estamos em Vegas novamente! Vamos traçar um plano e ir para cima."
Resolvi participar do torneio Second Chance com buy-in de U$330, que aconteceria às 19h. Quando voltei para o Wynn, Leandro ainda estava jogando. Ele acabou saindo perto do 35º lugar, e o torneio pagava 27 jogadores: chegou muito próximo de sair beliscando já no primeiro torneio.
Eu, Pedro Todorovic, Ricardo Fernandes e Felipe Mojave entramos no Second Chance. O torneio tinha blinds de 40 minutos, com 4 mil fichas de stack inicial. Ao contrário dos eventos no Brasil, as estruturas aqui são rápidas na subida dos blinds, mas com níveis longos. Os blinds aumentam da seguinte forma:
25/50
50/100
100/200
100/200 com ante 25
200/400 com ante de 25
300/600 com ante de 50
400/800 com ante de 75
600/1200 com ante de 100
800/1600 com ante de 100
1000/2000 com ante 200
1200/2400 com ante de 200
1500/3000 com ante de 300
2000/4000 com ante de 400
No caso desse evento é melhor contar o final da história e depois explicá-la.
Nesse primeiro torneio cheguei à mesa final e, após cerca de 10 horas de disputa, sagrei-me campeão. Primeiro dia em Las Vegas, jogando um evento oficial do Wynn Classic, com vários profissionais à mesa, um brasileiro campeão: mais do que por ter ganhado o prêmio, eu fiquei radiante pelo fato de saber que, no dia seguinte, meu nome estaria no site oficial do Wynn, destacando a vitória de um brasileiro na casa dos americanos. E o melhor era uma estréia com o pé direito para o Martins Poker Team. Segundo torneio e uma vitória.
Decidi que, no dia seguinte, iria participar novamente. E lá fomos nós cinco jogar. Aos poucos a galera foi caindo. Infelizmente, foi assim com o Brasa, que sofreu um bad beat feio: ele tinha KQ e o flop veio K53. Brasa apostou forte, mas um descrente pagou a aposta gigante achando que era um blefe. No turn veio um 9, e Leandro, que já tinha colocado mais da metade do stack no flop, foi de all-in. Recebeu call do adversário que tinha 99 e acertou a trinca no turn. Isso aconteceu na minha mesa, e foi triste ver o Brasa saindo do torneio. Da mesma forma, vi o Ricardo Fernandes, no big blind, acertar dois pares num bordo com 784, em um pote com três limpers. Ele tinha 78 e saiu apostando 3 mil, o primeiro limper pagou e o outro foi de all-in. Ricardo pagou e o terceiro jogador, após muito pensar, mostrou 99 e largou a mão. Entretanto, o outro adversário tinha 56 para uma seqüência no flop, eliminando Ricardo, que não melhorou após o turn e o river.
Fui seguindo em frente, jogando com bastante desenvoltura, arriscando raises e reraises, e com um bom timing para roubar blinds. Consegui chegar à mesa final pelo segundo dia consecutivo. Mas, dessa vez, não fui tão feliz. Acabei caindo em 9º lugar, em uma mão injusta. Um jogador que estava roubando muitos blinds, subindo com mãos fracas, anunciou all-in, e eu chamei com KQ. Quando ele mostrou QJ eu fiquei feliz por ter acertado o call, só que as cartas me traíram. O bordo trouxe 9A3 no flop, mas virou um 8 no turn e um T no river, dando seqüência para meu adversário.
Apesar de ter caído logo, minha felicidade era imensa: duas vezes seguidas na mesa final do Wynn Classic – e jogando bem, com confiança. Nesse segundo dia não acertei nenhuma trinca, nem seqüência ou full house. Incrível não? Praticamente não fiz jogos altos, mas, mesmo assim, cheguei à mesa final. Percebi que estava indo muito bem sem showdown, apenas pegando os potes em que ninguém demonstrava força.
Mas acho que meu melhor jogo ainda estava por vir. No terceiro dia em Vegas, entramos no mesmo torneio. Novamente os "cinco mosqueteiros" e, mais uma vez, após cerca de seis horas de torneio, só eu permanecia na briga. Dessa vez foi bem mais emocionante, pois meus cinco amigos ficaram ao lado da mesa torcendo, gravando vídeos escondidos e dando força.
Acho que foi nesse torneio que fiz uma das minhas melhores jogadas em Vegas. Havia comentado pouco tempo antes com o Pedrinho, que havia na mesa uma jogadora muito tight, que ainda não tinha jogado nenhuma mão. Meu stack estava em torno de 21K e a média era de aproximadamente 20K. Faltavam apenas duas mesas, e pagava somente a mesa final. Pensei que precisava roubar os blinds para dar uma subida. Eis que um jogador deu limp do meio da mesa e eu estava no cut-off. Olhei minhas cartas e vi 95o. Como quem estava no blig blind era a jogadora tight, resolvi fazer um move e subi para 3200 pré-flop (blinds 600-1200). Para minha surpresa (e desgosto) ela chamou, e o limper, que eu imaginava estivesse fraco mesmo, deu fold.
O flop veio J♠8♠4♦. Imediatamente, ela pegou as fichas e apostou 3700. Eu já ia dar insta-fold, já que meu raise para roubar os blinds não funcionou. Entretanto, resolvi botar a cabeça para funcionar e, ao lembrar de quão tight essa jogadora era, e também que eu não havia ainda entrado em um conflito grande com ela, comecei a mexer nas minhas fichas, contar o pote para me dar tempo de pensar se valia a pena tentar um outro move ainda nessa jogada, e resolvi aumentar. Com muita segurança, anunciei o raise e coloquei no pote mais 7100 fichas além da aposta dela. Isso praticamente me deixava comprometido com o pote, sendo que meu jogo era apenas 9 como carta mais alta.
Ela pensou por um longo tempo e acabou dando fold, me colocando em um overpair. Quando essa mão acabou eu tive certeza de que meu jogo realmente estava sólido: senti-me ainda mais confiante. Cheguei a eliminar Alan Goehring, um dos mesa-finalistas do WPT Los Angeles Poker Classic. Também consegui fazer um QQ dar fold contra meu TT, quando uma possibilidade de flush apareceu no turn. Executei laydowns com AQ diante de AK, 77 diante de 88, e assim por diante. Tive a confirmação de que estava jogando bem, e não pegando cartas.
Fiquei espantando nesse terceiro dia, quando me dei conta de que era o terceiro torneio em que eu ia bem, quase sem receber AA ou KK. Consegui ganhar muitas fichas pós-flop, indo poucas vezes de all-in.
Com a torcida da galera, cheguei novamente à mesa final. E acho que foi nessa hora em que joguei melhor. Saí de um stack pequeno para quase chip leader praticamente sem mostrar minhas mãos. Uma jogada que chamou a atenção foi quando eu chamei um raise com J8, em um pote com quatro dos sete competidores que restavam no jogo. O flop veio K84 e todos deram check. No turn, outro K. Então o chip leader, que era o primeiro a falar, apostou 7.800. Os blinds ainda estavam 600-1200. Eu estava pronto para largar e não me meter em confusão, pois havia dois jogadores muito short stack, e eu não queria enfrentar o chip leader. Mas foi quando decidi que o que me interessava era ganhar o torneio, e não apenas uma ou duas posições dando fold. Pensei por um tempo, comecei a contar minhas fichas e, com J8, dei um raise de 21 mil.
O jogador que estava no small blind, e era o próximo a agir, começou a pensar e falar comigo. Após muito deliberar, saiu da mão, dizendo que tinha um 8. O chip leader pensou por um tempo e deu fold: consegui puxar um pote de mais de 15 mil fichas, contando blinds, antes e a aposta do líder.
Continuei muito a vontade depois dessa jogada. Fizemos um acordo em cinco jogadores, e acabei caindo em 4º lugar, após meu AT encontrar o AQ de um adversário.
Três mesas finais em três dias no Wynn Classic!
Depois desses torneios, o Brasa beliscou um 13º lugar no evento de Omaha com rebuys, com buy-in de US$1K – outro belíssimo resultado para o Brasil! E Pedro Todorovic, que está experimentando sua primeira viagem a Las Vegas sendo ciceroneado por mim e pelo Brasa, ganhou a vaga para o Main Event do Wynn Classic, em um satélite no qual apenas os dois primeiros se classificavam. Durante as duas últimas mesas, Pedrinho foi assessorado em estratégia pelo Brasa, e acabou conquistando um brilhante resultado.
Mas, o que é hat trick?
É a cereja do sundae. Quando fui receber meu prêmio pelo resultado nesse terceiro evento, o diretor de torneios do Wynn, Christopher Coonts, olhou para mim e disse que estava impressionado com minha regularidade. Falou que nunca havia visto ninguém fazer três mesas finais seguidas no Wynn e me disse que eu tinha feito um hat trick, que nada mais é do que um termo utilizado em esportes, no qual o atleta marca três vezes – seja três gols em uma partida de futebol ou três home runs em um jogo de beisebol.
Hat trick para o Brasil! E espero, no próximo mês, vir contar outras vitórias dos brasileiros nessa temporada em Las Vegas.