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Diego Brunelli - O mais profissional entre os não profissionais

Diego “vgreen22” Brunelli foi jogador de poker por quase quatro anos. Como profissional, ele alcançou praticamente tudo. Foi um dos primeiros brasileiros a atingir o status mais alto no PokerStars, integrou o primeiro Team Online do site, disputou os principais torneios do Brasil e do mundo e, claro, ganhou muito dinheiro. Fora dos feltros, ele provou ser uma pessoa equilibrada, com os pés no chão, que não deixou as regalias que o poker pode trazer subir à cabeça. O resultado foi um profissional focado, com metas bem traçadas, objetivos definidos e em constante ascensão.


Marcelo Souza
Em 2012, ele anunciou que não renovaria com o PokerStars e que iria tocar alguns projetos pessoais. A mensagem foi mal interpretada e “o aposentaram”. Não foi o que aconteceu. Ele continuou jogando, menos, é verdade, mas a evolução não parou — e quis o destino que o melhor resultado de sua carreira viesse nesse período “mais light”.

No mês de setembro, o ex-especialista em Sit n’ Go conquistou um bracelete do World Championship of Online Poker (WCOOP), uma espécie de WSOP do poker online, disputada no PokerStars.  A vitória colocou o gaúcho junto a um seleto grupo de brasileiros campeões da série — Thiago Decano (2009), João Bauer (2010) e João Simão (2010) — e lhe rendeu 258 mil dólares. Uma vez mais, os holofotes se viraram para ele, que mostrou que continua sendo um dos melhores jogadores do Brasil.

Em suas próprias palavras, dentre outros assuntos, ele agora fala sobre a carreira, WCOOP e as ilusões e perigos de escolher o poker como profissão.

HISTÓRIA NO POKER

Comecei a jogar em 2005, como hobby. Um amigo do colégio, parceiro de xadrez, disse que estava ganhando um bom dinheiro na internet e que o poker era um jogo de estratégia, que envolvia habilidade e matemática. Por gostar desses tipos de jogos, me interessei. Abri uma conta no Party Poker e fiquei jogando play money (dinheiro fictício) por duas semanas. Ao mesmo tempo, eu navegava em fóruns e sites bem rudimentares, com artigos básicos, mas foi o suficiente para começar.

Comprei $60 no PokerStars, que na época tinha os limites mais baixos para cash game, e comecei nas mesas de NL2 ($0,01-$0,02). Eu seguia um controle rígido de bankroll e consegui chegar às de NL50 ($0,25-$0,50). Foi nessa época que descobri o Sit n’ Go (SNG). Eu cursava Direito e quando cheguei ao final do curso, estava jogando SNGs diariamente. Em uma das minhas sessões, alguém no chat falou sobre o SharkScope — site que rastreia todos os seus resultados online. E qual não foi a minha surpresa quando fui pesquisar o meu nome e vi que eu era o jogador mais lucrativo nos limites em que jogava. Aquilo me deixou muito empolgado, foi impactante. Eu não jogava tanto, mas percebi que estava em um nível elevado e podia subir de limites.

Com o término da faculdade, veio o dilema: virar um profissional ou não? Eu tinha amigos que estavam ganhando um bom dinheiro no cash game, graças a Deus, fiz a escolha certa.

CONTRATAÇÃO PELO POKERSTARS

Quando o PokerStars decidiu criar o Team Online, eles queriam jogadores de várias modalidades, de vários limites e países, e eu fui o brasileiro escolhido. Foi sensacional, até ali, a maior alegria que eu tive na minha vida. Ser patrocinado pelo maior site do mundo era a mesma coisa que ser um atleta da Nike. Meu tempo com eles foi incrível. Foram três contratos. Com o respaldo do PokerStars, em 2010, fui o segundo brasileiro a alcançar o status de Supernova Elite, feito que poucos profissionais do Brasil conseguiram, mesmo hoje. É muito difícil fazer 1 milhão de VPPs (pontos que você acumula ao jogar no site).

No ano seguinte, consegui manter o status, mas foi mais complicado, já que eu estava jogando bastante ao vivo. Essa mudança se deu, principalmente, porque o Stars retirou da sua grade o jogo em que eu era mais rentável, os SNGs hyper-turbo de $88. Disseram que era um jogo propenso ao conluio e o substituíram.  Os regulares não aprovaram. O novo formato era quase um bingo. Junte isso à Black Friday e você terá ideia de como foi um ano difícil.

Em 2012, eu já estava desgastado com a minha rotina de poker online. Renovei o meu contrato apenas por mais seis meses, mas já sabia não renovaria de novo. Muita gente achou que eu estava me aposentando, mas não foi isso que aconteceu. O poker só deixou de ser a minha principal atividade. Comecei a preparar o meu desligamento, uma vez que não queria viver disso por toda a minha vida.

VIDA DE PROFISSIONAL
Em termos de riscos, benefícios e viabilidades, a vida no poker é bem delicada. O principal risco, o que é muito particular, é o que cada um abre mão para viver nos feltros — área que, mesmo envolvendo várias habilidades, não lhe garante uma vida profissional fora das mesas.

Outro problema é que o poker muitas vezes é uma fábrica de ilusões. As pessoas só olham as premiações e acham que vão ganhar o mesmo que alguns profissionais. Mais do que nunca, o poker é para poucos. O nível de competição é muito alto. Para ser competitivo no mercado atual é preciso muito esforço e certo talento. O poker é uma atividade diferente, envolve flutuações financeiras; é solitário, o que lhe dá mais liberdade, mas é ruim em outros aspectos.

Se você for um bom jogador, terá vários benefícios. Além do dinheiro, você terá uma liberdade que dificilmente será a mesma em outra profissão, uma vez que os grinders só dependem deles. Para os profissionais que só jogam ao vivo é mais complicado, principalmente se tratando do Brasil, onde o rake é muito alto.

Sobre o poker online, a minha preocupação são os bots (softwares que jogam sozinho), que já apareceram no passado. Não sei como os sites menores agem em relação a isso. No ano passado, já foram achados bots que ganharam muito dinheiro em níveis intermediários. E eu já tive notícias de bots também ganhando dinheiro nos limites mais altos.

Para mim, esse é o grande dilema do poker online: como os sites vão lidar com a inteligência artificial? Acredito que é questão de tempo até que seja desenvolvido um bot capaz de ter um jogo perfeito. Então, o que será do jogador no futuro?

WCOOP
A sensação de ganhar o Evento #51 do WCOOP é difícil de descrever. Foi algo surreal, totalmente fora do racional. Claro que todo mundo quando joga sonha em vencer, mas quando acerta o big hit demora a cair a ficha.

Eu já vinha me preparando para vencer um torneio desse nível. Havia batido na trave em torneios grandes, ao vivo e online, até que aconteceu. Eu estava tranquilo, jogando bem o festival todo. Acredito que estou no ápice do meu jogo. Nunca joguei tão bem.

Nesse tempo que me desliguei do PokerStars e deixei de jogar integralmente, comecei uma empresa, mas passei a ter muito tempo livre para jogar poker de novo. Organizei-me para poder jogar antes da empresa deslanchar. Tentei virar regular de torneios (MTTs), mas vi que não era o meu perfil, uma vez que você precisa ficar jogando por muitas horas seguidas. Procurei então o cash game, que exige menos tempo do que os MTTs e há mais espaço para a criatividade. Fui atrás dos melhores jogadores. Caras que em 2007 jogavam nos limites micro, mas que adotavam um estilo diferente do padrão. Percebi que eu precisava me reinventar. Tive tempo e vontade para fazer isso.

Nos cash, fui obrigado a começar do início e percebi claramente o edge (vantagem) aparecendo. Isso me fez recuperar o prazer pelo poker novamente. Foi um dos maiores saltos da minha carreira. Voltei com uma proposta diferente de jogar, o que me fez chegar no WCOOP bastante animado.

BRUNELLI 2007 x BRUNELLI 2013
O Brunelli de hoje é muito diferente. O meu estilo de jogo mudou radicalmente. Naquela época, eu me dedicava principalmente aos SNGs. Hoje, mesmo enferrujado, ainda conseguiria jogar tranquilamente. A prova disse é que quando eu jogo torneios e estou short, me sinto bastante confortável.

Hoje, sou um cara mais completo. Evolui muito em situações deep stack (100 bbs+), que é o padrão nos cash games. Sinto que ainda tenho espaço para evoluir, muito a aprender. Isso é uma coisa contínua.

FUTURO
O meu projeto é continuar estudando no poker e bater os limites mais altos. Quero continuar estudando outras modalidades. Já sei um pouco de mixed games, mas não o suficiente. Todos os jogadores estão evoluindo e eu preciso fazer isso, quero estar sempre acima da curva. Vou também continuar me dedicando à minha empresa, que é da aérea de tecnologia. Quero ser feliz, e isso consiste em fazer as coisas que eu gosto — viajar, sair com os meus amigos, namorar. Se eu não puder fazer essas coisas, não adianta ter sucesso. Como no poker, é tudo uma questão de equilíbrio, temos que levar uma vida balanceada.


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