Diferentes pontos de vistas, uma mesma situação. A complexidade do poker impressa em algumas páginas. Nesta edição, como lidar com um fator corriqueiro nas mesas: o ego.
Para um jogador profissional, o quanto pode ser prejudicial não conseguir controlar o ego, a parte emocional?
Tom Marchese: O ego é o lado negro da confiança e prejudica com frequência o crescimento de um jogador. No início da minha carreira, eu tinha um ego maior do que o meu jogo. No entanto, tive sorte o bastante para que a minha evolução como jogador andasse a passos mais largos do que o meu crescente ego.
Os jogos na época eram mais fáceis, então meu ego nunca causou problemas para atingir o meu objetivo final: ganhar dinheiro. Nos dias de hoje, com essa competição mais dura, quem tem um ego inflado, provavelmente, irá quebrar. O poker está mais difícil, o jogador deve ser mais honesto com ele mesmo. O dinheiro perdido em um jogo que você não tem edge (vantagem), dificilmente será recuperado; e mesas com jogadores fracos estão cada vez mais difíceis de achar. Escolher o que e onde jogar (game selection) tornou-se uma das partes mais importantes de ser um profissional. Se você se acha o melhor, mas não é, então quais a chances de estar se colocando em jogos que você é vencedor?
Na época em que o meu ego era enorme, isso me fez mais bem do que mal. Fiz um bom trabalho achando o equilíbrio entre escolher os jogos certos e me desafiar como jogador. Isso me levou a ter oscilações maiores na minha carreira, mas me ajudou a evoluir mais rápido do que qualquer outra coisa. Um equilíbrio saudável desses dois fatores é necessário se você quiser manter-se no topo.
Dusty Schmidt: Inflar seu ego é, definitivamente, uma das coisas mais importantes que você deve evitar nas mesas. Mesmo se acontece de vez em quando, o impacto disso pode ser devastador, já que esse também é um dos grandes causadores do tilt.
Por exemplo, você é um profissional do online que joga, em média, 100.000 mãos por mês. Vamos supor que enquanto você está jogando o seu melhor, uma vez na semana, seu ego lhe custa 300 big blinds. Isso representa aproximadamente 1.200 bbs por mês, 14.400 a cada 12 meses. Se você joga $2-$4 (NL400), isso representa US$ 57.600 perdidos em um ano, valor bem superior do que a renda da maioria das pessoas. Imagine isso por toda vida?
Jogadores medianos que conseguem evitar que o emocional tome as rédeas tendem a fazer mais dinheiro do que alguns jogadores excelentes que entram em tilt por uma ou duas horas na semana. O impacto é gigante. Houve um tempo em que tive problemas com o controle emocional. Cheguei a quebrar mouses e teclados. E isso tem um ônus financeiro, além de ser muito embaraçoso.
Quanto antes você conseguir evitar o tilt, mais feliz e rico você será.
John Walts: Remover o ego do seu jogo é essencial. Vejo um grande número de jogadores com um ego gigantesco. O grande problema de ter o seu ego envolvido quando você joga é que você atrai muita atenção para você e suas jogadas — e poker não é sobre você, mas sobre os seus “clientes”, e se você quer o dinheiro dos mesmos, então tem que fazer com o que jogo seja sobre eles, sobre o jogo deles, sobre as cartas deles.
Acredito que uma abordagem mais humilde na mesa é a chave. Vamos dizer que você executou um blefe brilhante no river contra um jogador fraco, mas ele pagou com uma mão ruim. Um jogador emocionalmente instável pode explodir: “Você é um donkey. Como consegue jogar tão mal? Meu range está muito à frente da sua mão”. Você não apenas cometeu o erro de tentar ensinar um jogador ruim, mas também lhe deu o direito de agir da mesma maneira desrespeitosa no futuro. Um jogador controlado diria, “boa mão, grande call”; e faria uma nota mental: “Não blefar este cara. No futuro, com uma mão forte, devo apostar alto, como se fosse um blefe”. Essa seria uma atitude muito mais construtiva na mesa.
Como você doma o seu ego e desenvolve uma confiança saudável no seu jogo?
Tom Marchese: A chave para dominar o seu ego é perceber que, como jogador de poker, você não é nada especial. Eu sei que sou um profissional de sucesso e que dediquei muito tempo ao jogo, e me considero um cara inteligente. Como eu, existem centenas por aí, mas tenho que me manter à frente da concorrência trabalhando mais duro do que eles. Achar um equilíbrio entre a confiança e o ego é muito importante. Você precisa confiar no seu jogo, mas estar pronto para recuar um passo se necessário, ser imparcial em relação ao seu jogo e perceber como isso irá lhe ajudar contra seus oponentes.
Os jogadores quando atingem certo nível, em que eles são bons o bastante para fazer muito dinheiro, tendem a parar de estudar. Essa é a razão de você não encontrar mais, no topo, aqueles caras que eram os melhores há cinco ou seis anos. O ego disse-lhes que eles eram os melhores, eles acreditaram nisso e pararam de trabalhar para evoluir. Como é de se esperar, um trabalho em que você faz seu próprio horário, ganha muito dinheiro e não tem chefe é desejo de todos. Então, caras que trabalham duro, com egos menores, assumiram.
De qualquer maneira, a ausência de ego também pode lhe prejudicar. Eu tinha um colega de quarto que era (ainda é) um grande jogador. Quando moramos juntos, nós dois jogávamos $2-$4 (NL400) online. Ele tinha confiança no próprio jogo, mas nunca desafiou a si próprio como jogador. Hoje, cinco anos depois, ele ainda joga os mesmo limites. Se ele tivesse um ego maior e subido de limites, talvez, ele teria sofrido mais com a variância, mas, provavelmente, estaria jogando em jogos mais caros. Bem, mas ele está feliz em conseguir uma boa grana nos limites médios.
Dusty Schmidt: Primeiro eu tento aplicar o que aprendi como jogador de golfe profissional. Bob Rotella, o mais famoso psicólogo do golfe, escreveu bons livros sobre isso. No campo de golfe é mais fácil manter a compostura, não só por que há menos dinheiro envolvido. Veja bem, ninguém quer jogar com alguém que fica perdendo a calma e agindo como um louco quando não consegue vencer. Então, você se controla. No poker (online), você está sozinho em casa, então se sente mais à vontade para extravasar.
Ultimamente, tenho feito um trabalho mental intensivo com Jared Tendler. Ele é “o cara” do mental coaching (treinamento mental) do poker e tem feito maravilhas ao meu jogo. Em uma modalidade em que você pode ir do céu ao inferno em um curto espaço de tempo, Jared vem fazendo um trabalho de valor incalculável com alguns jogadores.
Controlar o seu emocional nas mesas requer muito trabalho e é essencial. É mais fácil falar do que fazer, mas, no final, você verá que valeu a pena.
John Walts: Comece reconhecendo que o seu ego é um problema, então tome a decisão de removê-lo do seu jogo. Os budistas devotam suas vidas a isso, exterminar o ego. Ainda assim, não é possível alcançar o sucesso pleno, mas mesmo pequenas conquistas fazem grande diferença.
Para mim, o que funciona são diálogos, internos e externos. Externamente, parei de repreender jogadores ruins. Hoje, lhes trato como clientes. Um cliente é alguém que tem valor. Se você é um homem de negócios e um cliente paga seu preço sem pechinchar, você o destrata? Não, você faz dele um VIP. Poker é o seu negócio, lembre-se. Internamente, expurgue coisas negativas. Aprenda com seus erros, mas não os repita. Até você achar algo que ajuste-se perfeitamente para você, haverá muitos erros, mas o importante é não desistir.
OS PROFISSIONAIS
Tom Marchese
Joga profissionalmente há seis anos e se especializou em 6-max high-stakes cash games. Em 2010, ele começou a despontar nos torneios ao vivo ao vencer o North American Poker Tour (NAPT) e embolsar US$ 827.648. Dois anos depois, venceu o Five Star World Poker Classic High Roller. Ele possui cerca de 4,6 milhões de dólares ganhos em torneios.
Dusty Schmidt
É um dos maiores vencedores dos cash games online da história. Ele também é autor do aclamado livro “O Poker Como Negócio — Onde Termina o Hobby e Começa o Business”, lançado no Brasil pela Raise Editora.
John Walts
Nascido e criado em Los Angeles, ele é um profissional de cash games live que alcançou sucesso nos limites médios do jogo.