EDIÇÃO 6 » COMENTÁRIOS E PERSONALIDADES

Stop Loss e Poker Sobrenatural


Vicenzo Camilotti

Os livros técnicos dizem que é preciso pensar sempre de forma racional. Praticamente nenhum deles menciona (ou acredita) que pensar de maneira emocional ou mesmo “mística” possa acontecer. Afinal, a função do material didático é instruir a sua técnica na teoria e na prática.

Não se discute que “pensar emocionalmente” seja um veneno para os seus resultados no poker – o problema é que somos essencialmente “animais emocionais”. Temos a razão, mas somos emotivos. E mais: somos supersticiosos. Se for feita uma pesquisa séria, talvez não haja uma pessoa sequer que deixe de apresentar algum tipo de “superstição” (eu incluso). Apenas para efeito didático, chamo de “superstição” aquilo que tem “explicação sobrenatural”, que não controlamos através da razão.

Já que somos supersticiosos e emocionais, quais dos dois sentimentos seriam menos prejudiciais no poker?

Acreditar em sinais, premonições, onda de sorte ou azar, energia cósmica ou destino, pode facilmente distorcer sua percepção da realidade e induzi-lo a cometer uma série de erros na mesa que não ocorreriam se você parasse de dar atenção a fatos que não pode dominar. Mas isso pode ser controlado positivamente…

Se você acredita que depois de um determinado tempo perdendo, a tendência é perder mais ainda, pratique o stop loss. Em outras palavras: determine previamente o quanto você pode perder no dia, e PARE caso chegue a esse valor. Haja racionalmente sobre essa superstição e pratique o método correto de saber a hora certa de parar. Quando se está perdendo, tudo conspira para que você perca mais ainda, pois sentimentos destrutivos no poker, como medo, ânsia, raiva, pessimismo, vergonha, rancor ou culpa, afloram rapidamente sem que nós percebamos.

Conhecer suas próprias limitações é o primeiro passo para a melhoria; mas aceitá-las é útil para o tempo presente. Eu aceito o fato de que aspectos emocionais irão sempre influenciar nas minhas decisões, e que pensar com emoção quando se joga poker é bem ruim.

Faço de tudo para mitigar esse efeito destrutivo, mas desaparecer ele nunca irá. Obviamente, ninguém gosta de perder, e o quanto essa derrota momentânea vai influenciar negativamente suas jogadas varia de jogador para jogador. Alguns acabam pensando o quanto são injustiçados (como se a função do poker fosse fazer justiça no mundo), outros se enfurecem, ficam desanimados ou pessimistas demais, ou ainda com muita vontade de recuperar a quantidade perdida, como se hoje fosse o último dia de suas vidas para se jogar poker.

Até mesmo Alan Schoonmaker (autor do aclamado “Psicologia do Poker”), maior autoridade em livros que tratam da importância dos fatores emocionais e sua influência no desempenho no poker, e colunista da Card Player, menciona explicitamente na página 168 de seu novo livro “Seu Maior Inimigo no Poker” (“Your Worst Poker Enemy”), que acreditar em maré de sorte ou de azar é uma insanidade.

Friamente pensando, concordo 100% que o embaralhamento das cartas que recebemos seja randômico. Mas não é assim que penso no meu íntimo. Para quê camuflar minhas crenças? Vivemos numa sociedade em que quase todo mundo acredita em diversos níveis de sobrenatural. Um simples exemplo disso é a crença na existência de Deus, cuja idéia povoa praticamente todas as religiões e habita a mente de mais de 90% dos seres humanos. Não acho nem um pouco razoável deixar de levar isso em consideração quando se pensa no reflexo sobre o poker. Nossas crenças, conscientemente ou não, influenciam SIM o decorrer de uma sessão de poker.

Considero esse aspecto humano da crença no sobrenatural bem positivo, pois gera benefícios ao nosso caráter e nossas ações, desenvolvendo aspectos como a generosidade, a capacidade de reflexão, o auto-conhecimento etc. Por que não aceitá-los e convertê-los ao poker? Stop loss para mim é a técnica perfeita, pois une a “superstição” com o valor “racionalmente estabelecido” para servir de limite de perda do dia/sessão.

E “pensar emocionalmente”, o que seria? Definiria como “pensar sem frieza”. Pois bem, em minha opinião, isso gera MUITO mais desvantagens em comparação com a superstição. Assim como xadrez, blackjack, damas, dominó ou gamão, o melhor é raciocinar da forma mais desprovida possível de emoções, por um motivo puramente físico: somos animais.
Assim, quando sentimos medo, nosso coração dispara e o sangue migra do cérebro para as extremidades do corpo. Em tempos remotos, só tínhamos duas opções diante do perigo: fugir ou atacar. Durante nossa evolução enquanto espécie muitos aspectos se modificaram, mas nesse ponto continuamos iguais aos primeiros seres humanos.

Mesmo que você não acredite em instintos, o resultado físico do enfrentamento do perigo é comprovado pela ciência moderna. A mera ameaça de disputar um grande pote pode desencadear em você a mesma reação orgânica dos homens primitivos, justo na hora em que é preciso colocar toda sua capacidade de raciocínio em prática.

Como essa reação física pode ser boa, se o sangue está saindo do cérebro? Poker é uma batalha essencialmente intelectual, e o “intelecto” está literalmente grudado ao corpo físico, já que seu bom funcionamento DEPENDE da circulação sanguínea. A frieza DEVE ser exercitada na “hora H”. Quando você está nos momentos decisivos de uma mão importante, aproveite para treinar o intelecto e permanecer o mais FRIO possível.

Acredito que a melhor forma de se treinar o controle das reações diante do “perigo” é enxergando a situação como um momento positivo, uma chance ao crescimento mental e espiritual. É o instante em que precisamos ter a coragem de um lutador treinado, desenvolvida através do exercício da auto-confiança e da aplicação prática dos ensinamentos adquiridos mediante dedicação e estudo.

Não tenha vergonha de acreditar em superstições ou de reagir com emoção – é da nossa natureza. Isso não o impede de vencer no poker.

Full houses sobrenaturais – e sem stop loss – para todos.




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