EDIÇÃO 55 » COLUNA NACIONAL

Era uma vez no pano...

Inspirado pelo escritor Damon Runyon, que retratou com maestria a vida dos jogadores nova-iorquinos da década de 40, estreio uma coluna de ficção no novo site da CardPlayer Brasil


Pedro Nogueira
A minha paixão pelo poker e pela literatura vem de longe. Não seria exagero dizer que, na verdade, ela é anterior até mesmo ao meu nascimento, 25 anos atrás. Explico o raciocínio: na família, sou a terceira geração que reserva uma parte considerável de seu tempo às cartas e aos livros. Como poderia eu escapar? Meu pai e avô são homens que passariam, com prazer, 48 horas isolados numa caverna– desde que tivessem, aos seus dispores, um volume de John le Carré e um computador conectado à internet. Com o PokerStars instalado na máquina, certamente. O leitor, logo, não vai se sentir surpreso ao saber que, desde a minha infância, devo ter recebido mais de uma centena de livros e caixas de baralho de presente de aniversário ou Natal. Repito, então, a minha pergunta anterior: como poderia eu escapar? E eu próprio já a respondo: não tinha jeito.

Pois bem. Fiz a introdução acima para chegar ao seguinte ponto: nunca acreditei que essas duas paixões – o poker e a literatura – pudessem se unir. Nunca acreditei, isto é, até o ano passado, quando assisti ao musical Guys and Dolls (algo como “Sujeitos e Bonecas”). Ele conta a história de Sky Masterson, o maior apostador dos Estados Unidos, que é desafiado por Nathan Detroit a seduzir uma missionária do Exército da Salvação, Sarah Brown. O pano de fundo é a Nova York dos anos 40, repleta de jogadores que gostam de “investir” o seu dinheiro nas corridas de cavalo e no floating craps promovido por Nathan Detroit. Esta é uma expressão, por sinal, que considero interessantíssima: floating craps. Em português literal, quer dizer “jogo de dados flutuante”. Como esse tipo de prática era ilegal em Nova York, a cada dia a jogatina era sediada em um local diferente. Daí ela ser chamada de “flutuante”.

Quando descobri que Guys and Dolls era inspirado num conto do escritor Damon Runyon, The Idyll of Miss Sarah Brown, decidi encomendar na Amazon uma coletânea sua. (Em inglês, infelizmente, porque nenhuma editora brasileira traduziu os seus textos para o português.) Em questão de dias devorei as 283 páginas do livro, que trazia 20 histórias sobre os jogadores americanos da primeira metade do século passado. Uma delas, especificamente, achei genial. Um sujeito vai ao médico com dor de estômago e recebe a notícia de que está com pressão alta. O doutor diz, basicamente, que ele não pode passar por grandes emoções – ou terá um piripaque. Ao sair do consultório, o homem encontra um encrenqueiro chamado Rusty Charley, que o arrasta primeiro para o floating craps de Nathan Detroit; depois para o bar mais barra pesada da cidade; e, mais tarde, para um carteado de high stakes.

O homem passa a história inteira desesperado, com medo de um pico de pressão alta manda-lo para o caixão. Mas, por outro lado, ele não pode dizer “não” a Rusty Charley, pois este não é lá muito compreensivo quando contrariado. O passeio termina com a mulher de Rusty Charley dando uma panelada na cabeça do coitado, por achar que ele levou seu marido para a farra na noite anterior. Aí ele volta para o médico, que vê o machucado e acha que é um tumor. “Mas”, diz o doutor, “a sua pressão voltou ao normal e agora você não está mais em perigo. Isso para você ver como uma vida tranquila faz bem a um homem. Agora 10 dólares pela consulta, por favor.”

Ao ler os contos de Damon Runyon, percebi que é possível escrever histórias divertidas relacionadas ao jogo, sem a necessidade de sofisticadas tramas ou enredos complicados. Afinal, os pequenos aspectos do poker (ou dos dados, no caso de Runyon) já são espetaculares em si. Runyon, um apostador ele próprio, me fez ver que posso, sim, unir minhas duas paixões pelo poker e pela literatura. Desde o primeiro minuto em que conheci sua coletânea, senti um desejo incontrolável de mergulhar no universo da ficção do poker. Uma vontade que, graças ao meu grande amigo Bruno Nóbrega de Sousa, o talentoso diretor de redação desta revista que o leitor tem em mãos, matei. Bruno topou minha sugestão de criar uma coluna de ficção no novo site da CardPlayer Brasil, onde escreverei contos, nos moldes daquele publicado na última edição.

Se depender das histórias extraordinárias e dos parceiros inusitados que encontro nas minhas visitas aos clubes de poker de São Paulo, inspiração não vai faltar. Definitivamente.



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